sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

A Prima Bete

A Prima Bete (dezembro de 1846) - Os Parentes Pobres
Volume X: Estudos de Costumes - Cenas da Vida Parisiense (lido entre 25 de junho de 2020 e 10 de fevereiro de 2021 )

Barão e baronesa de Hulot (Ágata) 
Personagens principais: Barão Heitor Hulot d´Ervy, baronesa Adelina Hulot, Hortênsia Hulot, Vitorino Hulot, Celestino Crevel, Celestina Hulot (neé Crevel),  general Hulot (conde de Forzheim), Lisbeth Fischer, Josefa Mirah, Jenny Cadine, André Fischer (pai de Adelina), Johann Fischer, Marechal Cottin (príncipe de Wissemburgo), Venceslau Steinbock, Valéria Marneffe, sr. João Paulo Stanislas Marneffe, duque d` Hérouville, sr. Remannivet, Stidmann, barão de Nuncingen, barão Henrique Montès de Montejanos. Cláudio Vignon, Ágata Piquetard . 


A história se passa entre o período napoleônico e fevereiro de 1846

Ler A Prima Bete suscita o espanto que nos causa os grandes romances de Balzac. Como ele conseguiu escrever uma história com tantos personagens, diversas tramas paralelas, em poucos meses, concomitantemente com outros textos? O livro foi escrito entre junho e novembro de 1846 e foi o primeiro texto totalmente original escrito por ele desde 1843. 
Eu tenho um ranking pessoal que categoriza os romances da Comédia segundo o meu gosto, à medida que vou lendo. A Prima Bete passou para o primeiro lugar. Minha impressão foi tão forte que pausei a minha leitura, terminada em julho de 2020, para ler simultaneamente duas biografias de Balzac: a de Graham Robb (Companhia das Letras, 1985) e a clássica, de Stefan Sweig (Editora Guanabara, 1951). Já lera a de Robb, mas estava então no começo do meu projeto de ler e escrever sobre toda a Comédia Humana, e não aproveitei a leitura como deveria. Em outro momento falarei mais das biografias. 
O romance tem três personagens principais: Lisbeth Fischer, a vingativa prima Bete; o barão Heitor de Hulot, o simpático ancião libertino; e Valéria Marneffe, a bela de classe média baixa, que se vende a quem der mais. A trama gira em torno da vingança de Bete -  prima de Adelina Hulot, a  baronesa -  da parenta, melhor aquinhoada com beleza e fortuna e, de sua família. A família Hulot prosperou no período do Império, mas se encontrava em decadência sob Luís Felipe, muito em função dos gastos do barão com suas conquistas amorosas. 
No início da trama, em uma abertura balzaquiana típica, o rico burguês Crevel, visita a pudica baronesa Adelina e propõe se casar com Hortênsia e salvar a família de ruína, se a baronesa se entregasse a ele. Aqui, mais uma vingança: Heitor roubara a amante de Crevel. Adelina, talvez a personagem menos interessante da trama, suas bondade e virtude excessivas são pouco críveis, o expulsa horrorizada. 
Logo, Bete conhece Venceslau Steinbock, escultor polonês, que, apesar da ascendência nobre vive na miséria. A diligente Bete se apaixona pela beleza e pela aura artística do rapaz e se propõe a financiá-lo e ajudá-lo na carreira, com futuras intenções. Mas o indolente Venceslau - sobre ele Balzac "formula as grandes leis do trabalho artístico" (Paulo Rónai) - conhece, se apaixona e se casa com Hortênsia. Diante desse revés, que se soma aos ressentimentos e humilhações de toda uma vida, Bete incia seu plano de vingança. Utilizando a vizinha, a terrível e sedutora Valéria Marneffe, e as fraquezas de suas vítimas, Bette se vinga da família Hulot em grande estilo. 
Valéria Marneffe
Não é possível reproduzir aqui a complexa trama. Destacarei dois aspectos.
Bete é uma das solteironas de Balzac e já sabemos que ele detestava solteirões. Ela termina mal, mas sua maldade não é descoberta pelos Hulots, que choram a sua morte. Mas Bete é filha de Balzac no sentido em que compartilha com ele a obstinação e a tenacidade. Essa mesma força levou Balzac a produzir o que produziu em sua carreira, a grandiosidade do plano da Comédia Humana, as noites em claro desenhando esse mundo de ficção. Em certo momento, a vingança de Bete parece não fazer mais sentido, mas mesmo assim ela persiste. Quantas vezes Balzac se prejudicou na vida por causa de sua perseverança em certas atitudes? Um traço que um psiquiatra hoje classificaria como obsessivo e que aparece em  outros personagens da Comédia, mas se destaca em Bete (e também nessa humilde leitora, talvez seja por isso a minha  "obsessão"pela a Comédia Humana). 

Outro ponto é a nostalgia do mundo perdido do Império. A Comédia Humana retrata o mundo da Restauração. Balzac era, politicamente, um conservador monarquista. Mas em A Prima Bete, a integridade se localiza nos valores republicanos do período napoleônico. O general Hulot e o príncipe de Wissemburgo são a reserva de caráter nesse romance cheio de vícios. Até o barão, que comete até crimes, não o faz pela mesquinharia do dinheiro, mas pela paixão incontrolável por mulheres jovens e bonitas. 
Balzac sabia que escreveu "uma grande obra-prima, que se destaca entre os meus melhores trabalhos". Zweig considera A Prima Bete, juntamente com O Primo Pons, as maiores produções de Balzac. 
"No auge de sua vida atinge Balzac nelas o nível mais alto de sua arte. Nunca a sua visão foi mais clara, a sua mão mais criadora, mais firme e mais irreverente. (...) Foram escritos por um homem a quem nada mais fascina, a quem nada mais impressiona, para quem nem os êxitos exteriores, para quem nem o luxo, nem a elegância significam alguma coisa. (...) Nesses últimos romances foi alcançado um realismo, uma veracidade do sentimentos, uma dissecação das paixões, que nunca mais foram ultrapassados na literatura francesa" (Zweig, 1951, p. 404-405). 
Exageros à parte, pois ainda teremos Proust. A Prima Bete é uma leitura vibrante e apaixonante. Tem um ritmo teatral e algumas cenas muito engraçadas, como a em que cinco homens diferentes - o barão, Crevel, Vensceslau, João Paulo Marneffe e o barão de Montejamos - à mesa de um  jantar, creem, todos vaidosos, serem pais do filho que Valéria espera. E termina com uma nota de amargura, quando a boa Adelina, depois de perdoar o marido e resgatá-lo da desgraça social, vê uma luz no quarto da empregada: era o barão com a nova ajudante de cozinha, Ágata. Adelina houve a conversa: "Minha mulher não viverá mais muito tempo, e, se quiseres, poderá ser baronesa.". Adelina morreu três dias depois e Hulot casou-se com Ágata Piquetard em 1º de fevereiro de 1846. 
Pois vamos ao Primo Pons. 

A prima Bete cuidando de Venceslau


As duas primeiras imagens são de: 

Oeuvres Completes de Honore de Balzac Vol. 17: Etudes de Moeurs: Scenes de la Vie Parisienne, V: Les Parents Pauvres: 1. La Cousine Bette. New York: Brentano's Libraries, 1914. p. 497. 

A terceira imagem é de: 

Georges Cain - Honoré de Balzac, Cousin Bette. Philadelphia: George Barrie & Son, 1897.

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