quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Ferragus ou o Chefe dos Devoradores

Ferragus ou o Chefe dos Devoradores (fevereiro de 1833) - primeira história da História dos Treze

Volume VIII: Estudos de Costumes - Cenas da Vida Parisiense (lido entre 12 de fevereiro de 2013 e setembro de 2015)

Personagens: Augusto de Malincourt, vidama de Pamiers, baronesa de Malincourt, Clemência Desmarets, Júlio Desmarets, Justino, Ida Gruget, Viúva Gruget, Ferragus (Henrique), Jacquet.

A história se passa na década de 1820 do século XIX. 

Ferragus é o primeiro de três episódios de História dos Treze. O que essas histórias têm em comum são "os treze", ou seja, treze indivíduos que participavam de uma espécie de confraria, estando associados para ajudar uns aos outros. No prefácio, extremamente enfadonho, Balzac menciona que esses treze homens tinham posições diferentes na sociedade, mas se encontravam unidos por uma espécie de juramento que obrigava os outros doze a auxiliar, de qualquer forma, o irmão que se encontrava com algum problema.
A época que precedeu as revoluções liberais de 1830 e 1848 foi o período áureo das sociedades secretas. Há, na Comédia Humana, referência a diversos grupos desse tipo, como os usurários em Gobseck ou os Cavalheiros da Malandragem em Um Conchego de Solteirão
Pois Ferragus é um dos membros dessa sociedade dos treze, os Devoradores. Segundo Balzac, no prefácio, Devoradores era o nome de uma das tribos de "Companheiros" oriundas da grande associação mística formada entre os obreiros da cristandade para reconstruir o Templo de Jerusalém. 
Sabemos pouco sobre ele. É idoso, já esteve nas galés e tem um filha, por quem está disposto a tudo. Quando a história começa, Ferragus está prestes a obter uma falsa identidade, a do senhor de Funcal, conde português, para poder aparecer na sociedade com a moça. Ela, Clemência Desmarets, era casada com Júlio, corretor de câmbio que enriquecera, mas que desconhecia a origem de sua esposa. 
Todavia, o barão Augusto de Malincourt, jovem aristocrata, apaixona-se por Clemência e passa a segui-la. Uma tarde a surpreende entrando numa casa suspeita e passa a investigar. Descobre então sua relações com Ferragus, que julga serem adulterinas. A partir desse momento, Augusto sofre duas tentativas de assassinato. Acaba alertando Júlio, que passa a suspeitar da esposa. 
No final, quando tudo se esclarece - Júlio descobre que Ferragus é pai de Clemência - é tarde demais. Clemência adoece e morre. E Augusto morre envenenado. Júlio, desesperado, abandona os negócios e passa a viver recluso, assim como Ferragus.
É espantoso saber, por Paulo Rónai, que essa história fez um enorme sucesso. É tediosa  e cheia artifícios que a fazem irrealista como a carta que Ferragus derruba no chão e é encontrada por Augusto, os atentados contra o barão, o casamento de Júlio com Clemência, de uma felicidade que não se encontra nem nos contos de fada (isso quando conhecemos os juízos de Balzac sobre o casamento burguês). Segundo Rónai, as fontes de Balzac aqui são o romance negro inglês e o romance popular francês, que ele utilizou como modelos na sua estreia. 
A alusão ao romantismo é explícita: Balzac dedica as três novelas da História dos Treze a Hector Berlioz, Franz Liszt e Eugène Delacroix, três expoentes do romantismo. 
Mas, apesar de não ser o melhor de Balzac, ele está lá. Veja-se essa passagem em que ele compara Paris com um ser vivo:
"Monstro completo, aliás. Suas águas-furtadas são-lhe a cabeça cheia de ciência e gênio; os primeiros andares, estômagos felizes; suas lojas, verdadeiros pés; deles saem todos os transeuntes e todos os ocupados. E que vida ativa tem o monstro! Apenas o último rodar das últimas carruagens de baile lhe cessa o coração, já os braços se agitam nas barreiras e ele se espreguiça lentamente. Todas as portas bocejam, giram sobre os gonzos, como as membranas de uma imensa lagosta, invisivelmente manobradas por trinta mil homens ou mulheres, cada um dos quais vive num espaço de seis pés quadrados, onde tem uma cozinha, um ateliê, um leito, filhos e um jardim, onde não vê claro e onde tudo deve ver." 

Na foto, vemos a nova edição da Comédia Humana que está sendo publicada desde o final de 2012 pela Biblioteca Azul, um divisão da editora Globo. Uma inciativa louvável já que a obra se encontrava esgotada dede o final da década de 1980. 










quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Ilusões Perdidas


Ilusões Perdidas (1835-1853)

Volume VII: Estudos de Costumes - Cenas da Vida Provinciana (Lido entre 16 de julho de 2011 e 19 de dezembro de 2012)

Personagens: Jerônimo Nicolau Séchard, David Séchard, Luciano Chardon ou Luciano de Rubempré, senhora Chardon, Eva Chardon, senhora de Bargeton (Maria Luísa Anais de Negrepelisse), senhor de Bargeton, Padre Niollant, barão Sixto du Châtelet, senhor Postel, Amélia de Chandour, Estanislau de Chandour, Astolfo de Saintot, Elisa de Saintot, Adriano de Bartas, Josefina de Bartas, Alexandre de Brebain, Carlota de Brebian, Conde Jaques de Sénoches, senhora Zefirina de Sénoches, Francis de Hautoy Francisca, Marquês de Pimentel, Marquesa de Pimentel, Barão e Baronesa de Rastingnac (pais de Eugênio de Rastignac), senhora du Brossard, senhorita du Brossard, Gentil, Albertina, senhora d´Espard, senhor de Marsay, Felix de Vandenesse, general Montriveau, Canalis, Eugênio de Rastignac, Estevão Losteau, Florina, Finot, Feliciano Vernout, Emílio Blondet, Nathan, Dauriat, Camusot, Corália, D´Arthez, Bianchon, Leão Giraut, Miguel Chrestien, Girondeau, Cláudio Vignon, Condessa du Montcornet, senhorita des Touches (Camilo Maupin), Fendant, Cavalier, Courtois, senhora Courtois, Cérizet, irmãos Cointet, Kolb, Marion, Pedro Petit-Claud, Vitor Doublon, reverendo Carlos Herrera. 

A história se passa entre 1819 e 1842.

Ilusões Perdidas foi a primeira obra de Balzac que li, aos 22 anos. Não sabia quase nada sobre o autor, tampouco sobre a Comédia Humana. Gostei muito do livro e foi a partir daí que nasceu a ideia de ler toda a Comédia Humana
Ilusões Perdidas é uma espécie de síntese da Comédia Humana. É só ver a galeria de personagens acima que não é exaustiva. Além disso, Balzac transita da província para Paris e de Paris para a província, com aquelas caracterizações ambientais tão tipicamente balzaquianas. 
Apesar do imenso número de personagens, Ilusões Perdidas conta a história de um único: Luciano de Rubempré. Paulo Rónai considera Luciano uma das criações mais completas de Balzac, não tanto pelo personagem  mas por representar um tipo característico de uma época: os jovens que entre 1820 e 1840 foram inspirados pelo exemplo de Napoleão Bonaparte. Datam dessa época diversas narrativas de ascensão e queda, com as de Luciano e Rastiganc ou Julien Sorel, de Stendhal. 
A obra está dividida em três partes: Os dois poetas, Um grande homem da província em Paris e Os sofrimentos do Inventor.
Em Os dois poetas conhecemos o nosso herói em seu meio, a cidade de Angoulême. Filho de um boticário falecido, Luciano sonha com a glória literária. O outro poeta é David Séchard, também personagem notável. Com tendências à invenção, David herda uma tipografia de seu pai, o avarento Jerônimo Séchard, que praticamente vende a empresa ao filho, deixando-o em sérias dificuldades. Aqui Balzac nos apresenta o mundo das tipografias, que ele conhecia muito bem, com todos os seus costumes, vocabulário e problemas. David é o melhor amigo de Luciano e ao longo do romance se casará com sua irmã, Eva. David, Eva e a senhora Chardon, mãe de Luciano, nee de Rubempré, julgam o rapaz um grande talento literário e estão dispostos a fazer sacrifícios para que ele tenha sucesso em Paris. 
Mas o primeiro sucesso de Luciano é no salão da senhora de Bargeton. Maria Luísa Anais de Negrepelisse é quase uma "irmã" de Diná Piédefer, a Musa do Departamento. Culta, educada e casada com um homem bem mais velho, ela brilha na sociedade provinciana de Angoulême. E apaixona-se pelo poeta, "belo como um deus grego". Atento à relação dos dois, está o Barão Sixto du Châtelet, há muito interessado em Luísa. 
Luísa arrisca seu casamento levando seu protegido a Paris, onde pretende introduzi-lo à sociedade através de sua parente, a Marquesa d´Espard. Inicia-se a parte mais importante da história, Um grande homem da província em Paris
Uma das melhores passagens é quando Luciano, comparando Luísa com as parisienses, dá-se conta que ela é uma provinciana, e Luísa, comparando seu amado com os dândis de Paris, percebe que ele parece mesmo o filho de um boticário de província. Logo, Luísa, incentivada pela Marquesa, percebe o equívoco e passa a ignorar Luciano. É esse desprezo que motiva Luciano a vencer na cidade grande. Nesse ponto, ele encontra nosso já conhecido Estevão Lousteau (de Beatriz, Um Conchego de Solteirão e Musa do Departamento), jornalista em Paris. Aqui Balzac nos apresenta aos primórdios do jornalismo, nas palavras de Rónai "o escritor pegou in statu nascendi uma das instituições essenciais do século XIX, quando ninguém lhe percebia ainda a importância transcendental". Balzac era um crítico feroz da imprensa e se gabava de não dever favores a jornalistas. E a crítica que faz ao jornalismo em Ilusões Perdidas é deliberada.
"Os costumes do Jornal constituem um desses assuntos imensos que exigem mais de um livro e de um prefácio. Aqui o autor pintou os começos da doença que atingiu nos dias de hoje o seu completo desenvolvimento. Em 1821, o Jornal encontrava-se em suas vestes de inocência comparado com o que é em 1839. Se, porém, o autor não pode abraçar a chaga em toda a extensão, tê-la-á, pelo menos, enfrentado sem medo" (Balzac no prefácio da primeira edição de Um grande homem da província em Paris). 
Luciano mergulha, então, no mundo dos jornalistas, que negociam artigos, entradas para os teatros, atrizes. Aqui o mundo do jornal encontra-se com o mundo das editoras, dos teatros, enfim, "do dinheiro agindo desavergonhada e impiedosamente". O poeta torna-se amante de uma jovem atriz, Corália, passa a escrever artigos sob encomenda, consegue publicar seus livros, As boninas e O archeiro de Carlos IX, passa a se vestir na última moda parisiense e andar em companhia  de Emílio Blondet, de Nathan, de  Felix de Vandenesse, enfim, dos homens da moda. 
A advertência vem de Daniel D´Arthez, o escritor devotado ao seu ideal, que recusa a vender sua pena em troca de glória. Segundo Stefan Zweig, Luciano e D´Arthez formam um par que encerra a dupla natureza de Balzac: "Nessa obra Balzac apresenta em duas personagens o que será ou poderá ser um escritor se este persistir rigorosa e fielmente em si e em sua obra ou se ceder à tentação de uma celebridade rápida e indigna. Luciano de Rubempré é seu perigo mais íntimo, e Daniel D´Arthez, o seu mais íntimo ideal. Balzac conhece a duplicidade de sua natureza, sabe que nele existe latente um escritor que inviolavelmente aspira ao máximo, recusa a si toda a concessão, repele todo o acordo e está inteiramente só no meio da sociedade. Mas igualmente reconhece a sua segunda natureza, reconhece em si o folgazão, o pródigo, o aristocrata,  o escravo do dinheiro, o indivíduo que constantemente incorre nas seduções do luxo". 
Mas Luciano prossegue e consegue chamar a atenção de Luísa, que promete conseguir junto ao rei que Luciano possa adotar o nome nobre de sua mãe. Mas tudo dá errado. Luciano faz uma aposta política equivocada, Corália cai em desgraça no teatro, adoece a acaba morrendo, os pretensos amigos jornalistas o abandonam e ele se vê obrigado a voltar incógnito para a província. 
Na terceira parte, Os sofrimentos do Inventor, é David Séchard o personagem principal. Aqui Balzac explora mais um aspecto de sua personalidade, a de inventor desastrado. David lutava com dificuldades para manter a sua tipografia, antiquada em comparação com as outras da época, e tentava descobrir uma fórmula para fabricar papel branco mais barato. Balzac explica em detalhes as suas experiências. Ao mesmo tempo, os inescrupulosos irmãos Cointet, tipógrafos concorrentes de David, fazem de tudo para roubar suas descobertas e para dificultar a sua vida. Balzac aqui envereda para o direito comercial, narrando com minúcias o protesto de uma letra. 
Luciano, derrotado, é ainda assim homenageado pelos seus conterrâneos. Volta e encontrar Luísa, agora casada com Sixto du Châtelet, que tornou-se prefeito de Charente. Mas, acaba, por um golpe do traidor Cérizet, empregado de David, sendo responsável pela prisão do cunhado. 
No final, David é libertado, abandona as invenções, e com a herança recebida do pai, passa a ter uma vida tranquila com Eva a os filhos. 
Luciano vai embora arrasado de Angoulême e encontra em seu caminho o misterioso reverendo espanhol Carlos Herrera.
Paulo Rónai considera Ilusões Perdidas o mais balzaquiano dos romances da Comédia Humana e aponta que ele foi subestimado  pelos contemporâneos do escritor, pelo fato de Balzac ter, como era seu costume, apresentado várias versões da obra: "Aparecem, pois, nesse livro imenso, quase todos os ambientes de Balzac, e não é pouco. Quase todos os assuntos também: a ambição; a monomania; o amor sob várias formas (o da mulher madura ao adolescente, o da cortesã ao rapaz bonito, o da esposa ao marido); as lutas do gênio com o ambiente; a conspiração da sociedade contra o indivíduo saído de sua esfera; as alegrias e as misérias da glória; a luta de gerações; a vingança do amor-próprio ferido; o grande tema de Paris; a chaga enorme devorando a França...".