quarta-feira, 27 de abril de 2011

Beatriz (1838-1844)

Personagens: Calisto, senhorita de Guénic (Zefirina), Gasselin, Mariotte, senhor Grimont (cura), senhorita de Pen-Hoël (Jaquelina), senhor du Halga, Felicidade de Touches (Camilo Maupin), Beatriz de Rochefide, Gennaro Conti, Marquês de Rochefilde (Artur), Claúdio Vignon, Carlota de Kergarouët, Viscondessa de Kergaouët, Sabina de Grandlieu, Clotilde, Atenais, Justo de Grandlieu, Josefina Schiltz (senhora Schontz), Fabiano de Ronceret, abade Brossette, Conde Máximo de Trailles, Conde de la Palférine. 

A história se passa entre 1836 e 1840. A história é complexa. Calisto apaixonou-se por Beatriz, mulher que deixara o marido para viver com o amante, o cantor Conti. Calisto, filho único de um barão da Bretanha estava prometido para Carlota, mas inspirou o amor de Felicidade de Touches/Camilo Maupin. Camilo, querendo afastar Calisto da falsa Beatriz, fez dele seu herdeiro e arranjou seu casamento com Sabina de Grandlieu. Depois de três anos de casado, Calisto reencontrou Beatriz, abandonada por Conti e tornou-se seu amante. A duquesa, mãe de Sabina, armou um plano: arranjou um marido, Fabiano, para a senhora Schontz, amante de Artur de Rochefilde, e com ajuda dos condes Máximo e de la Palférine, conseguiu a reconciliação de Beatriz com Artur. Calisto voltou para Sabina, que esperava o seu segundo filho. Camilo, por sua, vez, recolheu-se a um convento. Em Beatriz, Balzac mistura fórmulas usadas em diversos outros textos. A narrativa começa como romance de costumes provincianos, bem ao gosto de Balzac, com descrições extensas e minuciosas de Guerande, na Bretanha. Passa-se a um romance de literatos, quando descreve as reuniões de intelectuais na casa de Camilo Maupin. Logo após vem a história passional de Calisto e Beatriz. Com o casamento de Calisto e as cartas de Sabina para a sua mãe, a trama passa a se parecer com Memórias de Duas Jovens Esposas. Com o romance de Calisto com Beatriz e a trama para separá-los entra-se no clima de intrigas nos salões parisienses, também querido do autor. Segundo Rónai: “A obra, que até aqui mostrava oscilações de interesse e ritmo, a partir de agora avança com rapidez crescente, para, no final, a trágica tensão que pesava sobre as personagens resolver-se numa espantosa tragicomédia, em que todos concordam em sair logrados contanto que, por sua vez, também consigam lograr alguém". Não é, sem dúvida, o melhor de Balzac. Com certeza contribuiu para isso o fato dele ter escrito a primeira parte seis anos antes da segunda.

terça-feira, 26 de abril de 2011

The sun also rises - O sol também se levanta


Personagens: Robert Cohn, Jake Barnes, Lady Brett Ashley, Mike Campbell, Bill Gorton, Pedro Romero, Frances Clyne, Georgette, Conde Mippipopolous, Lett, Zizi, Montoya, Edna, Marcial, Belmonte.

Para o meu embaraço, a única coisa de Ernest Heminghway que havia lido até hoje foram as sensacionais
short stories. O Sol também se levanta foi publicado em 1926 e foi o primeiro sucesso de público e crítica de Heminghway. Ele se mudou para Paris no início da década de 1920 e passou a integrar o círculo literário de Erza Pound, F. Scott Fitzgerald e Gertrude Stein. É dela, aliás, a epígrafe do livro: “You are all a lost generation”. Geração perdida: assim ficaram conhecidos os estrangeiros expatriados em Paris na década de 1920. Indivíduos já na faixa dos trinta anos - escritores, jornalistas, poetas, músicos - que viviam uma vida de festas, bebidas, prazeres, sexo, sem objetivos definidos, tocados pela experiência terrível da Grande Guerra. Ernest Heminghway era um deles, assim como quase todos os personagens de O sol também se levanta. Personagens, aliás, que correspondiam a pessoas reais do círculo do Heminghway, e todos na época sabiam quem era quem.
Jake Barnes, o narrador, alter ego de Heminghway, é um jornalista americano que vive e trabalha em Paris. Jake lutou na Grande Guerra e foi ferido em combate, tendo ficado impotente. Jake está apaixonado por Lady Brett Ashley, uma inglesa que está se divorciando. Ele a conheceu durante a guerra, quando ela serviu como enfermeira na Itália. Brett é uma mulher livre e, apesar de amar Jake, não abre mão de uma vida sexual. Ela está noiva de Mike Campbell, um sujeito que vive endividado e bêbado. Mas fica claro que ela tem outros relacionamentos.
No início da história, Jake conhece Georgette, uma jovem, em um café, e a leva para jantar. Acaba por levá-la para dançar em um clube onde estão seus amigos e a apresenta como sua noiva. Lá, Georgette passa a dançar com vários homens, enquanto Jake encontra Brett. Lá está também o americano Robert Cohn. Cohn é um escritor, que teve um relativo sucesso com sua primeira novela e está escrevendo um novo livro. Ele é divorciado da primeira mulher, que o deixou, e com quem teve dois filhos. Tem uma namorada, Frances, que por já estar ficando mais velha, deseja se casar com ele. Ele se interessa por Brett, mas ela deixa o clube com Jake. Nesse momento fica clara angústia de Jake em relação a Brett - sua impossibilidade de concretizar seu amor, pela doença, mas também sua incapacidade de desistir dela. Eles vão para o apartamento de Jake e depois acabam saindo com o riquíssimo conde Mippipopolous. Vão para um clube e dançam juntos, enquanto o conde os observa. Brett comenta que irá passar uns dias em San Sebastian.
Cohn estava insistindo para que Jake o acompanhasse a uma viagem a América do Sul, já que quer fugir de sua crise com Frances. Jake se recusa e anuncia que já havia combinado com seu amigo Bill Gorton uma pescaria na Espanha e, após, comparecer a Fiesta de Pamplona. Alguns dias depois, Jake e Bill encontram Brett em um café e sugerem que ela e seu noivo Mike os acompanhem até Pamplona. Ela acha interessante e pergunta se Robert Cohn também irá. Jake descobre então que Brett fora para San Sebastian com Cohn. Jake fica com ciúmes e muito bravo, mas muito mais com Cohn do que com Brett.
Depois da pescaria, a qual só foram Jake e Bill, o grupo se encontra em Pamplona. Lá ocorre a Fiesta durante uma semana do mês de julho. A principal atração são as touradas. Durante a Fiesta há vários momentos de tensão entre Mike e Cohn. O noivo de Brett se embebeda e diz as piores grosserias para Cohn que permanece passivo. Brett acaba conhecendo Pedro Romero, uma jovem estrela das touradas, de apenas 19 anos. Torna-se amante dele. Cohn perde o controle e bate em Romero, Mike e Jake. Ele foi boxeador na época da faculdade e deixa todos bem machucados. A Fiesta termina e Brett parte com o toureiro.
Jake vai descansar em San Sebastian. Lá recebe um telegrama de Madrid, de Brett, no qual ela diz estar em dificuldades. Ele vai resgatá-la. A encontra em um hotel, depois de haver deixado o toureiro. Brett e Jake passeiam de táxi por Madrid.
Além dos personagens, os eventos também eram autobiográficos. Heminghway era frequentador assíduo das Sanfermines - as festas em honra a São Fermin - na cidade de Pamplona no País Basco. Quase todos os cenários descritos no livro existem e são hoje visitados pelos turistas. Heminghway era um aficionado pelas touradas, chegando até a atuar como toureiro amador. O episódio da noiva de um amigo que teve um caso com um toureiro em Pamplona também era real.
Um dado interessante diz respeito ao ferimento que incapacitou Jake Barnes para o amor. Heminghway serviu como motorista na Primeira Guerra e sofreu um ferimento leve. Internado em um hospital, conheceu a enfermeira Agnes von Kurowsky, por quem se apaixonou. Ele pediu Agnes em casamento, mas ela o rejeitou. Heminghway teve muitas mulheres - só casamentos foram quatro - mas essa paixão de juventude foi marcante para ele. Em O sol também se levanta, Jake conheceu Brett como enfermeira, mas já estava impotente.
Outro dado autobiográfico está em Robert Cohn. Heminghway abre o romance contando que Robert Cohn fora um peso-médio quando era estudante em Priceton. Box era outra paixão do escritor (assim como a pescaria e a caça). Dizem que ele desafiava os amigos para lutas e acaba os machucando, colhendo muitos desafetos. No livro, ele diz que Cohn aprendeu box pelos sentimentos de inferioridade relacionados a sua origem judaica. O anti-semitismo está presente na história. Mais de uma vez os personagens expressam desconforto em relação à ascendência de Cohn, especialmente devido à passividade dele em relação a Brett: ficava lá esperando enquanto ela se divertia com outros homens. Em certo momento ela diz a Jake: "'I hate him, too....I hate his damned suffering.” Até que Cohn reagiu batendo tanto no toureiro, quando no próprio Jake.
Não se pode deixar de mencionar o ponto alto da novela: o capítulo 18, quando Jake/Heminghway descreve a tourada em todos os seus detalhes, destacando a superioridade de Pedro Romero sobre os outros matadores, Belmonte e Marcial. Foram essas páginas que tornaram as Sanfermines e Pamplona mundialmente famosas e deram a Heminghway uma estátua na praça da cidade.

Para quem gosta de cinema: existe uma versão de Thes Sun Also Rises de 1957 dirigida por Henry King. Tyrone Power é Jake Barnes (ótimo); Ava Gardner, Brett Ashley; Mel Ferrer, Robert Cohn; (ótimo) e Errol Flyn, Mike Campbell. A história é bastante fiel ao livro e a filmagem ocorreu em Pamplona. O passado de Jake aparece em flashback. Ava Gardner estranhamente não convence no papel de Brett. Ela tinha 35 anos quando fez o filme (Brett devia ter 34), mas ela não passa a jovialidade da personagem. Quando li, imaginei Brett bem diferente dela. Mas, o filme é bom. Elenco ótimo e, claro, Pamplona.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Honorina (janeiro de 1843)

Personagens: Leão de Lora, Senhora de Touches (Camilo Maupin), Cláudio Vignon, Onorina Pedrotti, Conde Otávio, cônsul Maurício (Barão de L´Hostal), Senhora Gobain.



A história se passa em 1836. A história de Honorina se passa mais ou menos entre 1818 e 1832.



Honorina é uma história um pouco confusa principalmente por dois motivos: há uma história dentro da outra, sendo o início e o fim da novela dispensáveis. Há também duas personagens com o mesmo nome, e essa coincidência não é explicada: Onorina Pedrotti é a esposa cônsul Maurício que narra uma história presenciada por ele a Leão de Lora e à Senhora de Touches. A personagem principal dessa história é Honorina, por quem o cônsul se apaixonou no passado, mas sem o perceber. Honorina era casada com o Conde Otávio, protetor do cônsul. Deixou o marido por um amante. O homem a abandonou grávida e o bebê morreu sete meses depois de nascer. Mesmo perdoada, não quis voltar ao marido que velou por sete anos por sua saúde e segurança. Por intervenção de Maurício, então secretário do conde, voltou para Otávio e deu-lhe um filho. Mas acabou morrendo de desgosto.
Aqui Balzac retorna a um tema que lhe é caro: o perigo da paixão no casamento. A paixão de Otávio custou-lhe a felicidade e a vida de Honorina. O casamento para o autor deve ser uma instituição administrativa e social. Mas Paulo Rónai destaca que “a infelicidade do Conde Otávio resulta menos da paixão que ele sente pela mulher do que de um fator puramente físico que intervém nas relações do casal”. Honorina diz, em sua carta de despedida: “a intimidade sem amor é uma situação em que minha alma se degrada a todo momento”. O que Honorina quer dizer com “sem amor” é uma invencível repulsa física que ela sente em relação ao Conde. Não deixa de seu uma hábil sutileza de Balzac dizer uma coisa e mostrar outra nesse caso.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Dentro da Baleia e outros ensaios


Lido entre 3 de dezembro de 2010 e 1º de abril de 2011.

Estou convencida de que George Orwell foi uma das pessoas mais inteligentes que já viveu sobre a terra e de que muito está perdendo que conhece apenas a Revolução dos Bichos e 1984. Tudo o que ele escreveu merece ser lido.
Dentro da Baleia e outros ensaios é uma preciosidade: é um exemplar característico do gênero ensaio; e sua riqueza de conteúdo justifica três meses para cerca de 220 páginas.
Na primeira parte da coletânea - organizada por Daniel Piza - há quatro ensaios que versam sobre a atividade de escritor, sua experiência como resenhista profissional, a época em que trabalhou em uma livraria e sobre o que ele denomina “bons livros ruins”, ou seja, livros sem pretensões literárias, mas que sobrevivem ao tempo.
A segunda parte, A Memória na Política, nos brinda com alguns clássicos do denominado jornalismo literário. Em Um enforcamento, Orwell narra uma execução por ele presenciada na Birmânia. Um texto que vale mil manifestos contra a pena de morte: “O cadafalso ficava a uns cinquenta metros. Observei as costas desnudas e morenas do prisioneiro, que caminhava na frente. Andava desajeitadamente com os braços amarrados, mas com bastante firmeza, com aquele modo bamboleado de andar dos indianos, que nunca endireitam os joelhos. A cada passo os músculos deslizavam de volta ao lugar, os cachos de cabelo sobre o couro cabeludo subiam e desciam numa dança, os pés se imprimiam no cascalho molhado. E, uma vez, apesar dos homens que lhe agarravam cada ombro, pisou ligeiramente de lado para desviar de uma poça d´água no caminho. É curioso, mas até aquele momento eu jamais me dera conta do que significava matar um homem saudável e consciente. Quando vi o prisioneiro pisar de lado para desviar da poça d´água, percebi o mistério, a injustiça execrável de interromper uma vida no auge. Aquele homem não estava agonizando, estava tão vivo quanto nós. Todos os órgãos de seu corpo funcionavam - os intestinos digeriam o alimento, a pele se renovava, as unhas cresciam, tecidos se formavam -, todos trabalhavam juntos numa solene sandice. (...). Ele e nós éramos um grupo de homens caminhando juntos, vendo, ouvindo, sentindo, percebendo o mesmo mundo; e em dois minutos, com um estalo súbito, um de nós partiria - uma mente a menos, um mundo a menos”.
Em O abate de um elefante, Orwell conta um espisódio que ocorreu na Birmânia quando ele era policial, segundo ele a única vez na vida em que fora importante o suficiente para ser detestado por um grande número de pessoas. Um elefante descontrolado matara um homem e estava destruindo casas. Ele teve de ir até lá e, contra a sua vontade, incentivado e cobrado pela turba, teve de abater o animal, que, numa enorme tortura, demorou muito para morrer. “Um dia, aconteceu uma coisa que, de maneira indireta, foi esclarecedora. Um incidente insignificante, mas que me deu uma ideia melhor da verdadeira natureza do imperialismo - dos verdadeiros motivos pelos quais os governos despóticos agem”. Depois do abate, houve discussões sobre se fora correto ou não matar o elefante. “Muitas vezes me perguntei se alguém percebeu que fiz o que fiz unicamente para evitar parecer um bobo”. Eis a verdadeira natureza do imperialismo.
Como morrem os pobres é um relato - de leitura obrigatória para qualquer profissional da área médica - sobre o período em que Orwell esteve internado em um hospital em Paris em 1929.
Em Reflexões sobrte Gandhi, Orwell vai na contramão do que se escrevia na época sobre o indiano. Gandhi foi assassinado em janeiro de 1948 e o ensaio foi publicado alguns meses depois. Orwell desafia o senso comum apontando para a vaidade do célebre indiano. Ainda destaca o fundo eminentemente anti-humanista de suas doutrinas: “Anarquistas e pacifistas, em especial, reivindicam-no para si, observando apenas que ele resistia ao centralismo do Estado, porém ignorando a tendência espiritual e anti-humanista de suas doutrinas. Mas penso que devemos compreender que os ensinamentos de Gandhi não estão de acordo com a crença de que o Homem é a medida de todas as coisas e de que nossa tarefa é tornar a vida digna de ser vivida nesse mundo que temos”.
Dentro da Baleia é um longo ensaio sobre o livro Trópico de Câncer de Henry Miller. Nele Orwell discorre sobre um tema caro à sua geração: a influência da política na literatura, tópico que perpassa outros de seus ensaios. Orwell dá-se conta, aqui e também em Escritores e Leviatã, da terceira parte da coletânea, de que criatividade exclui qualquer ortodoxia ou controle pelo Estado: “Qualquer marxista pode demonstrar com a maior facilidade que a liberdade ´burguesa` de pensamento é uma ilusão, mas quando terminar a demonstração restará o fato psicológico de que sem essa liberdade ´burguesa` a capacidade cirativa seca. No futuro poderá surgir uma literatura totalitária, mas será bem diferente de qualquer coisa que possamos imaginar agora. A litaratura como a conhecemos é algo individual, que exige honestidade mental e um mínimo de censura”.
A terceira parte da coletânea denomina-se A política na literatura e traz textos sobre Wells, Jonathan Swift, Mark Twain e Tolstoi. Em Lear, Tolstoi e o Bobo, Orwell ataca um panfleto escrito por Tolstoi no fim da vida no qual o russo critica duramente Shakepeare, afirmando não compreender a notoriedade do bardo inglês. Orwell, em um texto notável, mostra por que Tolstoi pensava assim, por que ele estava errado e toca na questão mais difícil para quem gosta de boa literatura: por que o que é bom é bom?
“Como disse antes, não podemos responder ao panfleto de Tolstoi, ao menos a suas avaliações principais. Não existem argumentos com os quais possamos defender um poema. Ele se defende ao sobreviver, ou é indefensável. E se esse teste tiver validade, penso que o veredicto no caso de Shakespeare deve se ´inocente`. (...) Tolstoi foi talvez o literato mais admirado de sua época, e com certeza não foi o menos competente escritor de panfletos. Concentrou todas as suas forças na denúncia contra Shakespeare (...). E qual foi o resultado? Quarenta anos depois, Shakespeare continua lá, nem um pouco atingido, e da tentativa de demoli-lo nada resta exceto as páginas amareladas de um folheto qu equase ninguém leu e que seria totalmente esquecido se Tolstoi não tivesse sido o autor de Guerra e Paz e Ana Karenina".
Leitura obrigatória para quem gosta de literatura e política. Para mim, leitura obrigatória.