sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Os Camponeses

Os Camponeses  (1855 - póstumo)

Volume XIII; Estudos de Costumes: Cenas da Vida Rural (lido entre 18 de junho de 2023 e )

Personagens: srta. Laguerre, Conde de Montcornet, Virgínia de Montcornet (née de Troisville), Emílio Blondet, Francisco (criado de quarto), tio Fourchon (sitiante de Ronquerolles), Mosquito, subprefeito de La-Ville-aux-Fayes, Dr, Gourdon (médico), Francisco Gaubertin (administrador das Aigues no tempo da srta. Laguerre, filho de ex-bailio de Soulanges, foi maire de Blangy), Isaura Gaubertin (née Mouchon), Carlos (escudeiro), padre Brossette, Francisco Tonsard (dono do Grand-I-Vert), srta. Couchet/Soudry (criada de quarto da srta. Laguerre, casou com Soudry ), Soudry (cabo de gendarmetia, furriel de artilharia), Vermiguel (rabequista de Soulanges, porteiro de prefeitura), filha do sitiante de Ronquerolles (que casou com Tonsard), Catarina e Maria Tonsard, velha mãe de Tonsard, Brunet (oficial de justiça de Soulanges), Bonnébaulf, Justino Michaud (guarda geral), Olímpia Michaud, Vatel, dr. Guerbert (juiz de instrução), Adolfo Sibilet (administrator das Aigues, filho mais velho do escrivão do tribunal de La-Ville-aux-Fayes, primo de Gaubertin), Niseron (avô de Genoveva/Pechina), Lupin (tabelião, filho  de intendente de Soulanges), Geni (filha mais velha de Gaubertin), Leclerc (banqueiro, pretendente de Geni), Elisa Gaubertin (filha mais nova de Gaubertin), Claudio Gaubertin (filho de Galbertin, substituto do procurador régio na sede do departamento), Gendrin (cunhado de Gaubertin, presidente do tribunal de La-Ville-aux-Fayes), conde de Soulanges, Sarcus (juiz de paz de Soulanges), sr. Vermut (farmacêutico de Soulanges, irmão mais velho da srta. Sarcus), Adelina Sibiliet (filha dos Sarcus), Courtcuisse (guarda das Aigues), sr. Gourdon (irmão do médico), Guerbet (coletor de Soulanges), Gravelot (comerciantes de madeira de Paris), Groison (suboficial da guarda imperial, guarda campestre em Blangy), Valdoyer (guarda campestre demitido), Langlumé (locatário do moinho do conde), Steingel, Vatel e Galhardo (guardas), Mouchon mais velho (administrador dos Ronquerolles, pai de duas filhas, uma casou com Gendrin e outra com Gaubertin filho), Mouchon segundo (posteiro de Couches, filha casou com granjeiro Guebert), Mouchon mais jovem (padre), Filha mais velha de Sibilet (casou com o professor Hervé), sr. Vigor (posteiro de La-Ville-aux-Fayes), Plisssoud (oficial de justiça), Urbano (antigo soldado empregado de Soudry), Amaury Lupin (filho de Lupin), sra. Lupin, Gregório (antigo beneditino, maire de Blangy), sra. Rigou, Anita (criada de Rigou), João  Tonsard (criado de Rigou e filho mais novo de Tonsar)

A história se passa entre 1823 e 1837. 

A lista de personagens não é exaustiva. Em um certo ponto me perdi com filhos que casam com outros filhos, que são primos de outros personagens... 


                                                Gaubertin, Rigou e Soudry: a "mediocracia" de La-Ville-aux-Fayes 

Os camponeses é um romance incompleto. A primeira parte foi publicada em folhetim em 1844 e foi republicada em 1855, juntamente com a segunda parte, cinco anos após a morte de Balzac. Como o romance estava adiantado, a publicação ficou coerente, ao contrário de Os Pequenos Burgueses e O Deputado de Arcis. Mas Paulo Rónai nos conta que o livro, de acordo com o plano de Balzac, deveria ter o dobro da extensão atual. 

Rónai nos fala da diferença de ritmo entre as duas partes do romance: "enquanto a primeira é uma vagarosa exposição épica, fazendo prever uma narrativa complexa e cheia de episódios, a segunda é um rápido suceder-se de incidentes bruscos, apenas esboçados e, ás vezes, surpreendentes". Ele caracteriza a primeira parte como um romance social no sentido mais amplo da palavra, e a segunda como uma narrativa romanesca do tipo tradicional (BALZAC, 1992, p. 17). 

Um ex-general, filho de um tapeceiro parisiense, que ficou famoso por suas façanhas na Batalha de Essling, feito conde de Montcornet por Napoleão, adquiriu o Château des Aigues e as terras que o cercavam na Borgonha, perto da pequena (imaginária) subprefeitura de La Ville-aux-Fayes. Apaixonado pela velha aristocracia (casou-se com uma "de Troisville" e sonhava ser par da França), o conde gostaria, para agradar a sua esposa, de se reconectar com os esplendores de antes da Revolução, reinando sobre um grande e  próspero domínio com sua autoridade militar.

Montcornet verá toda a sociedade rural unir-se secretamente contra ele, desde os burgueses rurais que são ainda mais vorazes que os burgueses das grandes cidades, até aos arrendatários mais miseráveis, que nunca param de lhe roubar descaradamente. Ao final, o Conde foi derrotado. O guarda Michaud, o único fiel a ele, foi assassinado. O assassino estava protegido pela lei do silêncio. O próprio conde foi ameaçado de morte. Ele vendeu Les Aigues, que seria dividida e o castelo, demolido.

Adaptei esse resumo da Wikipedia em francês de Les Paysans. Os vilões, pelo lado dos camponeses são os Tonsard, a burguesia rural é representada por Gaubertin e pelo avarento Rigou, com todos que os cercam. 

Balzac nos diz no começo da narrativa: 

"Não, o drama aqui não é restrito à vida privada, agita-se mais alto ou mais baixo do que ela. Não esperem paixão; nem por isso a verdade será menos dramática. De resto, o historiador jamais deve esquecer que a sua missão consiste em dar a cada um a sua parte: o rico e o desgraçado são iguais perante a sua pena; para ele o camponês tem a grandeza de suas misérias, como o rico, a pequenez de seus ridículos. Enfim, o rico tem paixões e o camponês, apenas necessidades: esse é, pois, duplamente pobre; e, se do ponto de vista político suas agressões devem ser reprimidas implacavelmente, do ponto de vista humano e religioso ele é sagrado" (BALZAC, 1992, p. 38). 

Balzac nos apresenta uma luta de classes, razão pela qual era um dos escritores favoritos de Engels e Marx. Aliás, Rónai nos diz que talvez seja a primeira obra literária na qual aparece, em 1844, o termo "comunismo": "a audácia com que o Comunismo, essa lógica viva da Democracia, ataca a Sociedade na ordem moral anuncia que a partir de agora o Sansão popular, tornando-se prudente, solapa as colunas sociais no porão em vez de sacudi-las no festim" (BALZAC, 1992, p. 104). Há muitas citações como essa. E interessantíssimas análises da Revolução Francesa, como as padre Brossette ( "A Revolução Francesa foi a vingança dos derrotados", p. 91). 

Os vencedores dessa luta, contudo, não são os mais pobres, são os seus exploradores imediatos: camponeses enriquecidos, taverneiros, usurários rurais, burgueses rurais, funcionários públicos corruptos. 

Todavia, é uma leitura muito complexa. O excesso de personagens, que muitas vezes aparecem e, somente várias páginas depois, são caracterizados, as ligações familiares entre eles, torna a história de difícil compreensão. Já li Guerra e Paz e Vida e Destino, não me assusto com obras com muitos personagens. Mas aqui, me perdi. Balzac exagerou. Creio que o plano da Comédia Humana exigia dele uma apreensão da realidade que, muitas vezes, resultava em confusão. 


A  imagem foi retirada de https://www.cosmovisions.com/textPaysans.htm 

 Acesso em 3 de novembro de 2023

BALZAC, Honore de. A Comédia Humana. Vol. XIII. São Paulo: Globo, 1992. 


domingo, 18 de junho de 2023

Uma Paixão no Deserto

Uma Paixão no Deserto (dezembro de 1830)

Volume XII: Estudos de Costumes: Cenas da Vida Política, Cenas da Vida Militar. 

Personagens: narrador, senhora, sr. Martin (domador de leões), soldado provençal.

A história se passa provavelmente em 1830. A história relatada pelo narrador ocorreu entre 1798 e 1799 no Egito. É o segundo livro de Cenas da Vida Militar. 

Antes de mais nada, não deixe de ler esse conto que possui apenas 15 páginas. Um soldado provençal, que participa das guerras napoleônicas no Egito, é feito prisioneiro por berberes. Aproveita uma oportunidade e foge. A sobrevivência no deserto é pouco provável até o encontro do militar com a sua "paixão". Paulo Rónai diz, propriamente, que "o conto inspira medo, ou antes, uma sensação indefinida de curiosidade e mal estar". De fato, é com ansiedade que lemos esse texto curto. 

Aqui Balzac está longe de seu familiar universo urbano e se sai muito bem. Segundo Rónai, alguns consideram seu melhor conto. Para quem ler e se interessar recomendo o ótimo trabalho de Maria Braga Barbosa: Uma paixão no deserto: o conto de Balzac como metáfora do choque de cultura no colonialismo. A autora apresenta o encontro do soldado com a pantera como uma metáfora do choque de culturas na colonização. Mas não precisamos ver nenhuma metáfora. É uma boa história por si. 

A imagem é do pintor e ilustrador Paul Jouve (1878-1973) que ilustrou uma edição do conto em 1949. 


sábado, 17 de junho de 2023

A Bretanha em 1799

A Bretanha em 1799 (agosto de 1827 ou 1829?)

Volume XII: Estudos de Costumes: Cenas da Vida Política, Cenas da Vida Militar. 

Personagens: Comandante Hulot, Gérard (ajudante), Capitão Merle, Pé de Poeira (Pedro), Subtenente Lebrun, Pé Bonito (João Falcon), padre Gudin, Gars-Maruqês de Montauran, Furta Pão (Cibot), Coupiou (condutor), Jacques Pinaud (Orgemont de Fougères), Francine, Maria Natália de Verneuil, Corentin, Sra. do Gua, Barão de Guénic, major Brigaut, Conde de Bauvan, Furta Pão, Barbette, Galopa  Caneca, Cavaleiro do Vissard (Rifoel).

A história se passa em 1799. É o primeiro livro de Cenas da Vida Militar. 


Maria conhece o Gars e Sra. de Gua
A Bretanha em 1799 ou Les Chouans foi o primeiro livro assinado por Balzac. Segundo Paulo Rónai foi quando, pela primeira vez se manifestaram as características do escritor Balzacc como o cuidado em corrigir o livro e a superioridade com que tratou seu editor, Henri de Latouche. É um romance histórico à moda de Walter Scott, em voga na época com o acréscimo de uma intriga amorosa. 
A história diz respeito à denominada Chouannerie, uma revolta de camponeses ocorrida na região da Bretanha contra a Revolução Francesa. Eles usavam táticas de guerrilha e imitavam o grito da coruja (chouin no dialeto bretão). De acordo com a Enciclopédia Britânica, a motivação era menos a devoção à monarquia do que o ressentimento pela interferência da república com o modo de vida dos Chouans, como o fim do contrabando em função da abolição da gabela (imposto sobre o sal), medidas contra o clero e a conscrição obrigatória . 
Acompanhamos um grupo de conscritos bretões escoltados pelo comandante Hulot, conhecido nosso de A Prima Bete. Eles são atacados pelos Chouans. Um líder vendeano, um jovem nobre alcunhado de Gars, o Marquês de Montauran, vem do exterior para unir a Vendeia e a Bretanha. Para detê-lo, José Fouché (1759-1810), que já aparecera em Um Caso Tenebroso , através do nosso já conhecido Corentin (Um Caso Tenebroso, Esplendores e Misérias das Cortesãs) envia uma bela sedutora, Maria de Verneuil. O Gars e Maria se apaixonam no primeiro encontro. Um armadilha de Corentin, porém, faz com que Maria denuncie seu amado. Ela descobre a trama, mas é tarde demais. Eles se casam e morrem juntos na manhã seguinte. 
Como bem destaca Rónai, há muito da primeira fase de Balzac, a qual ele renegou, nesse romance. A história de amor é um tanto mirabolante, há fugas, esconderijos, tesouros. Os personagens são fracos e esquemáticos (segundo críticos, isso pode ser em função de alterações posteriores do romance para se encaixar na Comédia Humana). Mas há também muito de Balzac aí. A história não é real, mas o escritor pesquisou, de modo a nos dar incríveis descrições da paisagem da Bretanha, das casas e do modo de vida dos Chouans. A missa rezada pelo padre Gudin no bosque e o assassinato de Galopa Caneca pelos seus companheiros por uma suposta traição são momentos superiores da obra. 
Aliás, a traição perpassa toda a história. Azuis (republicanos) e Brancos (contrarrevolucionários) se acusam mutualmente de traidores, do rei, no primeiro caso, e da pátria, no segundo. E Maria e Montauran passam por várias possibilidades de traírem um ao outro. No final, acreditando que Montauran a trai com De Gua, Maria o trai, entregando-o aos Azuis. 
Eu confesso que esperava mais, muito em função da fama de A Bretanha em 1799. Minha leitura foi demorada, sem aquela pressa que tenho, aquele não conseguir largar o livro. Sinal de que estou mal acostumada com o meu historiador de costumes!
 


A imagem é de E. Toudouze — Honoré de Balzac, The Chouans. Philadelphia: George Barrie & Son, 1897