terça-feira, 19 de março de 2013

A Duquesa de Langeais

A Duquesa de Langeais (25 de janeiro de 1834) - segunda história da História dos Treze

Personagens: Antonieta de Navarreins (Duquesa de Langeais ou irmã Teresa), Armando de Montriveau, Princesa de Blamont-Chauvry, vidama de Pamiers, Duque de Navarreins, Duque de Grandlieu, Juliano, Madre.

A história se passa entre 1818 e 1823. 


Em agosto de 1832, depois de passar um mês em Angoulême em casa de Zulma Carraud, Balzac partiu em uma jornada difícil de oito dias, que lhe custou ainda um corte na perna, para Aix-les-Bains. Lá encontraria uma mulher com quem se correspondia desde o ano anterior. Era ela Claire-Clémence-Henriette-Claudine de Maillé de La Tour-Landry, a Marquesa de Castries. Ela tinha 36 anos e uma história trágica. Fora condenada ao ostracismo pelo Faubourg Saint-Germain por seu envolvimento com o filho de Metternich, o chanceler austríaco. O amante faleceu com tuberculose e Henriette sofreu um acidente que a deixou com um problema na perna. Ela era a nova paixão de Balzac e o romancista gastou o que não possuía para ir juntar-se ao seu grupo em Aix. 
Veja-se a carta que Balzac escreveu à Zulma descrevendo sua paixão:

"Tenho que ir a Aix no ducado de Savóia, correndo atrás de alguém que muito provavelmente procura me fazer de bobo. Trata-se de uma daquelas mulheres aristocráticas que você possivelmente detesta, uma daquelas beldades angelicais que a gente gosta de imaginar com um bom coração - a duquesa por excelência, muito arrogante, amorosa, sagaz, espirituosa, coquete - como nada que eu já tivesse visto! Um daqueles fenômenos dos quais restam hoje poucos exemplos. E ela diz que me ama e quer me trancar num palácio veneziano (...) e deseja que no futuro eu escreva só para ela. Uma daquelas mulheres que se deve adorar de joelhos, quando assim elas desejam, e que é um prazer conquistar".

Passou as próximas semanas tentando conquistar a marquesa. Isso envolvia, além da lábia, gravatas, camisas brancas, botas, luvas, pomadas para o cabelo vindas de Paris. Em 14 de outubro, o grupo rumou para Genebra a caminho da Itália. Tinha certeza que no país da paixão, teria seu prêmio. Mas se precipitou em Genebra. Levou a marquesa à Villa Diodatti, onde partiu para o ataque. 
A marquesa recebeu a investida entre incrédula e incomodada. Considerava Balzac um amigo divertido e lamentava que ele a tomasse por uma mulher que colecionava amantes.  Balzac, humilhado e profundamente ofendido, retornou a Paris. 
Quando escreveu a Duquesa de Langeais, essa história ainda estava viva para Balzac. Balzac descreveu o jogo de que fora vítima, reservando um fim trágico à sua algoz. 
O romance, perturbado por alguns traços de romantismo exagerado, como o convento e a intervenção Dos Treze, é primorosamente construído. 
A história começa com a chegada do Marquês de Montriveau a um convento na costa da Espanha. Ele faz parte da expedição francesa que fora ao país para restabelecer a autoridade de Fernando VII. Mas o marquês tem outro objetivo: há cinco anos procura pelo mundo sua amada que desapareceu de Paris em 1818. Ao assistir uma missa, ouve a voz de uma das freiras, da ordem das carmelitas descalças, e reconhece Antonieta de Navarreins, a antiga Duquesa de Langeais. Utilizando pressão política, Montriveau consegue uma entrevista com a irmã, que se chama agora Teresa. Na entrevista,  que é acompanhada pela Madre, Antonieta diz que não deixará o convento.
Aí Balzac recua na história. Cinco anos antes, a Duquesa de Langeais era uma das rainhas da moda do Faubourg Saint-Germain. Em um casamento de conveniências com o Duque de Langeias, que nunca aparece na história, vivia nos bailes e salões, sendo cortejada pelos elegantes. Ao ver o Marquês de Montriveau, Antonieta se interessou. Era um heroi do período napoleônico que recentemente participara de uma expedição científica pela África, o lhe conferia uma aura de sabedoria e mistério em meio à sociedade frívola de Paris. 
Antonieta decide conquistá-lo: "A Duquesa de Langeais aprendera, jovem ainda, que uma mulher pode deixar-se amar ostensivamente sem ser cúmplice do amor, sem o aprovar, sem o contentar senão com os mínimos adiantamentos do amor e mais de uma sonsa lhe revelara os meios de representar essas perigosas comédias". Contudo, Montriveau não era um dos dândis superficiais aos quais Antonieta estava acostumada. 
Os dois iniciam um duelo verbal de avanços e recuos, no qual a duquesa tenta preservar o amor de Montriveau sem se dar, e ele tenta consumar a paixão. Até que uma série de eventos, que contam com a participação da Confraria dos Treze, levam à separação definitiva dos amantes, justamente quando estão de comum acordo com respeito à paixão. 
Voltando ao convento, Montriveau tentou, com a ajuda dos confrades, resgatar Antonieta, mas encontrou a amada morta em seu claustro. 
O ponto alto do romance é o embate verbal entre Montriveau e Antonieta. 
Na verdade, Balzac apresenta pelas palavras da heroína uma reflexão bem acertada sobre a moral feminina da época, ou seja, a moral que se esperava de uma mulher honesta: "Está apaixonado, ah! eu creio! Deseja-me e me quer para amante, eis tudo. Pois bem, não, a Duquesa de Langeais não descerá até aí (...). Nada me assegura o seu amor. Fala da minha beleza, posso me tornar feia em seis meses, como a princesa minha vizinha. Está encantado com o meu espírito, com a minha graça; meu Deus, há de acostumar-se com eles como se acostumaria ao prazer. (...) Perdida, um dia não me dará outra razão de sua mudança, além das palavras decisivas: não amo mais." Outras heroínas da Comedia Humana como Lady Brandon de O Romeiral e Clara de Beauseant de A Mulher Abandonada entregaram-se e pagaram um alto preço. 
Um aspecto interessante de A Duquesa de Langeais é uma série de comentários de natureza política, que revelam um Balzac reacionário. O escritor dá uma espécie de lição aos conservadores que perdiam terreno na política: " Em lugar de deitar fora as insígnias que chocavam o povo [referindo-se aos aristocratas] e conservar secretamente a sua força, deixou aumentar a força da burguesia, agarrou-se fatalmente às insígnias, e esqueceu invariavelmente, as leis que lhe impunha a sua fraqueza numérica. Um aristocracia que se compõe apenas de um milésimo da sociedade deve, hoje em dia, como outrora, multiplicar os seus meios de ação para opor, nas grandes crises, um peso igual ao das massas populares". 
Paulo Rónai nos conta que essas manifestações eram fruto do despeito e endereçadas à Marquesa de Castries e ao seu tio, Duque de Fitz James, que era líder da oposição monarquista de Luís Felipe. Rónai comenta divertido: "Resistindo às insistências de Balzac, longe estava a marquesa de imaginar que, assim agindo, abalava o futuro do legitimismo e, portanto, da própria França". 

Dica de cinema: A belíssima adaptação para o cinema da Duquesa de Langeais de Jacques Rivette de 2007, Ne touchez pas la hache, não foi distribuída no Brasil. É extremamente fiel ao livro reproduzindo os diálogos e ambientes com maestria. O destaque é para o excelente desempenho da dupla Jeanne Balibar e Guillaume Depardieu, esse em um de seus últimos trabalhos. 
Existe outra adaptação de 1942, La Duchesse de Langeais, de Jacques de Baroncelli, com roteiro de Jean Giraudoux. Esse não consegui ver ainda. 

O episódio da vida de Balzac e a carta são de ROBB,  Graham. Balzac - uma biografia. Sâo Paulo: Cia das letras, 1995.