quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Alberto Savarus (maio de 1842)

Personagens: Baronesa de Watteville (Clotilde), barão de Watteville, Abade de Grancey, Amadeu de Soulas, Babylas (criado de Amadeu), Rosália de Watteville, Alberto Savaron, Duquesa de Argaiolo, Jerônimo, Marieta, Leopoldo.

A história se passa entre 1834 e 1841.

Alberto Savarus é um romance um tanto confuso de Balzac. Contribui para a confusão, além das idas e vindas do enredo, a existência de um romance dentro do romance. O personagem Alberto Savaron é romancista e sua novela, Ambicioso por Amor, é transcrita na íntegra por Balzac.
Alberto Savaron chegou a Besançon, no Franco Condado, com o objetivo de eleger-se deputado. Há onze anos, ele está apaixonado pela Duquesa de Argaiolo, italiana casada, que aguarda a morte do duque para desposar Alberto. Resolveu tentar a deputação depois de diversas empresas malogradas. Alberto atraiu, então, a atenção de Rosália de Watteville. A senhorita de Watteville descobriu que Alberto publicara uma novela em uma revista e convenceu seu pai a assiná-la. Assim, leu Ambicioso por Amor, novela de A. S.

Ambicioso por amor.
Personagens: Leopoldo, Rodolfo, casal Safter, Fanny Lovelace- Francesca Colonna- princesa Gandolphini, pai de Fanny-esposo de Francesca-princípe Gandolphini, Tito, Gina..A história se passa entre 1823 e 1830.
Rodolfo, indo excursionar na Suíça com o amigo Leopoldo, apaixonou-se por uma desconhecida que assumiu três identidades, Fanny Lovelace, Francesca Colonna e princesa Gandolphini. No final, os namorados esperavam a morte do príncipe Gandolphini para se casarem.

Rosalia apaixonou-se perdidamente por Alberto e, aproveitando o namoro de sua criada com Jerônimo, criado de Alberto, passou a interceptar cartas de Alberto para a Duquesa Argaiolo e as respostas. A duquesa, ao ficar viúva, recebeu, então, uma falsa carta de Alberto (escrita por Rosália), na qual ele declarava que iria se casar com a senhorita Watteville. A duquesa, magoada, casou-se com o duque de Rethoré. Alberto, arrasado, tornou-se monge. Rosália se indispôs com a mãe ao recusar o casamento com Amadeu. A senhora de Watteville, ao ficar viúva, desposou Amadeu, com quem teve mais dois filhos. Rosália, em 1838, foi a Paris e revelou à duquesa de Rethoré a trama que destruiu seu romance com Alberto. Em 1841, sofreu um terrível acidente: estava em um vapor cuja caldeira explodiu e perdeu um braço e uma perna.
O resumo da história já é suficiente para que se perceba que não estamos diante do melhor de Balzac.
Aqui Balzac, sempre tão indiferente a qualquer tipo de maniqueísmo - vemos em seus romances os bons sofrerem e, muitas vezes, os maus prosperarem - pune Rosália no último parágrafo, com um acidente totalmente artificial. Seria tão mais balzaqueano ver Rosália casada com um Alberto feliz e ignorante da trama que o levou ao matrimônio!
Pois, a diferença, apontada por Paulo Rónai e perceptível por qualquer um que conhece um pouco a biografia de Balzac é que Alberto é um alter ego de Balzac. Advogado. Vários anos de empresas malogradas. Três anos perdidos em Paris. Romancista (contudo, tivemos uma amostra medíocre do seu talento como o enfadonho Ambicioso por Amor). “(...) o senhor Savaron apareceu de robe-de-chambre de merinó preto, com um cordão encarnado, chinelos encarnados, um colete de flanela encarnado (...)”. “(...) uma cabeça soberba; cabelos negros, já entremeados com fios brancos, cabelos como os de São Pedro e dos São Paulo dos nossos quadros, com caracóis bastos e luzídios, cabelos duros como crinas, pescoço branco e redondo como o de uma mulher, uma fronte magnífica dividida pelo sulco poderoso que os grandes projetos, os grandes pensamentos, as fortes meditações imprimem na fronte dos grandes homens (...)”. Como se não bastasse, Savaron namora uma estrangeira com quem troca cartas e aguarda a morte do seu marido para desposá-la. Alberto Savarus. mostra, de certa forma, o poder da ficção. Balzac cria um personagem totalmente insosso com as suas características. Em nenhum momento o consideramos interessante como o narrador nos diz que ele é. Em compensação, Rosália, sua criação, é uma das deliciosas vilãs de Balzac. É ela que mantém nosso interesse pelo romance.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Uma Estreia na Vida (fevereiro de 1842)

Volume II: Estudos de Costumes – Cenas da Vida Privada (lido entre 5 e 27 de outubro de 2009)

Um Estreia na Vida (fevereiro de 1842)

Personagens: Pierrotin, sr. Moreau (intendente de Presles), sra. Moreau (Estela), conde de Sérisy, Léger (granjeiro), sr. Clapard, sra. Clapard, Oscar Clapard (Husson), Jorge Marset (ajudante do sra. Crottat - notário), José Bridau (falso Shinner), Mistigris (Leão de Lora), sr. e sra Raybert (novos intendentes), Grindot (arquiteto), Jacques Moreau (filho de Moreau), sr. Cardot (tio de Oscar), Camusot (genro de Cardot), sr. Desroches (advogado), Godeschal (aprendiz de Desroches), Marieta (irmã de Godeschal), F. Marset (irmão de Jorge).

A história se passa entre 1822 até “bem depois de 1835”.

Uma Estreia na Vida é uma pequena obra prima. Pequena porque curta. Obra prima, pois nela Balzac empregou toda a sua habilidade. Aqui ele é, como se denominava, um “historiador de costumes”, narrando, em 1842, para a posteridade a França das diligências que morrera com a chegada da estrada de ferro. E é também o hábil contador de histórias, quando extrai de um episódio cômico, que poderia se esgotar em si mesmo, toda a história de uma vida.
Em 1822, o conde de Sérisy, desconfiado de que seu intendente, Moreau, estava lhe roubando, apanhou, incógnito, o coucou de Pierrotin em Paris rumo a Presles. No carro, estavam os pintores José Bridau, que se fazia passar pelo famoso e já nosso conhecido Schinner; seu ajudante, Mistigris (que fazia trocadilhos o tempo inteiro); Jorge Marset, simples aprendiz de notário que se fazia passar por nobre militar cheio de honrarias; e nosso herói, Oscar Husson. Oscar, protegido de Moreau, sentindo-se inferiorizado pela aparente grandeza de seus companheiros de viagem, passou a revelar segredos do conde que conhecia pelas indiscrições de Moreau, que era amante de sua mãe, a senhora Clapard. As fofocas diziam respeito à relação do conde com a sua esposa. O nobre, furioso, despediu Moreau, e Oscar perdeu seu protetor. A senhora Clapard pediu, então, ajuda ao tio Cardot, ancião que aparentava austeridade, mas que, na verdade, era um pândego e amante de dançarinas. Cardot obteve posição para Oscar no escritório de Desroches e passou a custear-lhe a faculdade de Direito. Sob a proteção do sério Godeschal, tudo ia bem para o jovem Oscar. Até que ingressou no escritório o irmão de Jorge Marset, e Oscar o reencontrou. Depois de uma comemoração, Oscar perdeu dinheiro do patrão no jogo e, embriagado, adormeceu, deixando de cumprir um compromisso do escritório. Desroches não perdoou e Oscar foi despedido. Restou a ele o serviço militar. Moreau melhorou a situação de seu protegido, conseguindo que ele ficasse sob às ordens do filho do conde de Sérisy. Em uma batalha na África, Oscar salvou a vida do jovem de Sérisy e perdeu um braço.
Anos depois, os mesmos personagens se encontraram em um carro rumo a Presles. José Bridau, já pintor famoso; Pierrotin, empresário rico; Léger, também rico; Jorge Marset, decadente; e Oscar, um circunspecto burguês que acabou casando com a senhorita Pierrotin. Descobrimos também que o senhor de Canalis, pretendente de Modesta Mignon, desposou a filha de Moreau.
O que faz de Uma Estreia na Vida uma história tão deliciosa? Muitas coisas, mas julgo que a principal é o toque de vida real dos persongens. Oscar é um herói que, a princípio, não provoca nenhuma empatia. A gafe que compromete seu futuro é fruto de sua vaidade e mediocridade. Tempos depois, cai na armadilha de Jorge e, novamente, desperdiça uma oportunidade. O que se espera, a partir daí, é a decadência. Contudo, ele se torna um ótimo militar, com caráter suficiente para arriscar a vida e salvar o filho do homem que o prejudicou. E assim são as pessoas reais, capazes do tolo e do sublime, capazes de cometerem erros e de os corrigirem. No princípio, estranhamos um herói tão infantil e antipático. Contudo, eis nós leitores, algumas páginas depois, lamentando as suas desventuras e torcendo por ele.
Os outros personagens também são deliciosamente reais. Moreau, que rouba descaradamente o patrão, não mede esforços para ajudar o filho da amante. A senhora Clapard cega, como todas as mães, à nulidade do filho. Desroches, justo e reto advogado, que acaba sendo injusto com o jovem herói. O tio Cardot, que salva Oscar por amor à sua dançarina. Como diz Rónai, “em cada um deles encontraremos essa incoerência orgânica que é a prova mais inequívoca da vida real”.
Em Uma Estreia na Vida Balzac utilizou uma experiência pessoal que irá aparecer em outros romances: sua vivência forense. A partir de novembro de 1816, Balzac passou a frequentar aulas de direito na Sorbonne. Porém, naquela época, não era na faculdade que se aprendia ciência jurídica, mas na posição de aprendiz em um escritório de advocacia ou tabelionato. Entre 1816 e abril de 1818, ele trabalhou no escritório de Guillonet-Merville, que ele viria a homenagear com o personagem Derville. Entre 1818 e meados de 1819, Balzac trabalhou para o tabelião Victor Passez. É esse o ambiente que ele descreve no escritório de Desroches. A vida de um aprendiz forense era muito diferente da dos estagiários de hoje em dia. Era uma vida monástica. Eles moravam no emprego, onde também se alimentavam e eram vigiados pelo patrão. Havia uma rígida hierarquia - primeiro, segundo, terceiro ajudante, primeiro, segundo, terceiro escriturário - e ascender nela era uma questão de mérito. Também há relatos das pilhérias e brincadeiras, como os jantares consignados em ata, em um dos quais nosso herói se perdeu. Aqui, mais um oportunidade para conhecer Balzac “historiador de costumes”.