quinta-feira, 22 de março de 2012

O Gabinete de Antiguidades

O Gabinete das Antiguidades (julho de 1837) - segunda história de "As rivalidades"


Personagens: Carlos-Vitor-Ângelo-Carol (Marquês d'Esgrignon); senhorita Armanda d'Esgrignon; Chesnel (tabelião); senhor du Ronceret (presidente do Tribunal); Fabiano du Ronceret (filho do Presidente do Tribunal); senhor du Croiser (o mesmo senhor du Bousquier); senhora du Bousquier (a Solteirona); Virtuniano (filho do Marquês); Cavaleiro de Valois; de Marsay; Rastignac, Emílio Blondet; senhora de Mafrigneuse (Diana); Camusot (juiz de instrução); senhora Camusot (Maria Cecília Amélia Thiron); senhor Blondet (juiz). 

 A história se passa entre 1822 e 1830. 

Gabinete das Antiguidades é uma história gêmea de A Solteirona. Em A Solteirona conhecemos o salão burguês de Alençon, a residência de du Bousquier e de Rosa-Maria-Vitória. Aqui conhecemos o salão nobre, o palacete do marquês d'Esgrignon, alcunhado de “gabinetes das antiguidades”. Incompreensível - e Paulo Rónai - o menciona na introdução - é a troca do nome de du Bousquier por du Croisser, já que se trata da mesma personagem. 
A história explora a desatrada educação de Virtuniano, o único herdeiro da antiquíssima casa d'Esgrignon. Criado na província com a convicção de seu velho pai de que representava a fina flor da nobreza francesa e paparicado pela tia Armanda, que lhe fazia todas as vontades, o jovem tinha tudo para produzir um desastre na família. Um desastre que é anunciado já nas primeiras páginas. Ocorre que havia alguém em Alençon interessado nesse infortúnio: o invejoso burguês du Croiser, que fora rejeitado por Armanda e jamais fora aceito no gabinete das antiguidades. Du Croiser percebe que Virtuniano seria o veículo de sua vingança. 
O rapaz, em 1822, foi enviado para fazer sua estreia em Paris. Levava cartas de recomendação para nobres a ele aparentados. Contudo, a ideia de nobreza vigente no “gabinete das antiguidades” era muito diferente da ideia de nobreza da Restauração: “Entregara, na véspera, uma carta de seu pai ao Duque de Lenoncourt, um dos fidalgos franceses mais favorecidos pelo Rei; encontrara-o no seu magnífico palácio, no meio de aristocráticos esplendores; no dia seguinte tornou a vê-lo no Bulevar, a pé, com um guarda-chuva na mão, sem nenhuma distinção exterior, sem seu cordão azul de que um cavaleiro das ordens, outrora, jamais se separava. Esse duque e par, Primeiro Gentil-Homem Camareiro do Rei, não tinha podido, apesar de sua alta polidez, reter um sorriso, enquanto lia a carta do marquês, seu parente. Esse sorriso explicara a Virtuniano que havia mais de sessenta léguas entre os Gabinete das Antiguidades e as Tulherias: havia uma distância de vários séculos”. 
O dinheiro era pouco, já que o marquês perdera seus bens durante a Revolução e não os recuperara. A ajuda vinha do fiel tabelião Chesnel, que usava sua renda pessoal para ajudar a família d'Esgrignon. 
Em Paris, Virtuniano entregou-se à boa vida, gastando em jantares, trajes, jogo. Tornou-se o favorito de uma mulher da moda, a duquesa de Mafrignouse, o que produziu gastos ainda mais vultosos. Necessitando de dinheiro, Virtuniano assinou letras a serem descontadas justamente pelo banco de du Croiser. O burguês deu-lhe crédito ilimitado, de modo que a sua dívida ia aumentando. Quando o valor estava já bastante elevado, du Croiser foi cobrar a dívida de Chesnel. Nesse meio tempo, Virtuniano, desesperado, falsificou uma letra para conseguir mais dinheiro. Chesnel, então, organizou uma operação de guerra para salvar a honra da família d'Esgrignon. Para isso contou com a ajuda do juiz Camusot, cuja esposa desejava que o marido fosse promovido para Paris, e do senhor Blondet, que desejava que o filho José fosse nomeado juiz suplente para que pudesse desposar uma herdeira rica. Diana Mafrignouse também ajudou, tendo até se deslocado a Alençon. 
Assim, o jovem Virtuniano passou somente algumas horas na prisão e seu velho pai não ficou sabendo de nada.  
No final, Chesnel e o marquês faleceram. E Virtuniano casou com a senhorita Duval, sobrinha e única herdeira de du Croiser. 
Esse romance tem características típicas de Balzac. A principal são as descrições. Quando estamos no auge da ação e queremos saber o que irá acontecer com Virtuniano, há páginas e páginas descrevendo em detalhes as moradias dos senhores Blondet e Camusot!
Creio que o diferencial do Gabinete das Antiguidades, em conjunto com A Solteirona, é explicar o significado da Restauração. Passagens como o jantar de Virtuniano com os burgueses da moda, no qual Blondet afirma: “Não há mais guerra contra o cardeal, nem há mais o campo do Drap d'Or. Enfim, você Conde d'Esgrignon, está ceando com um senhor Blondet, filho segundo de um miserável juiz de província, a quem você, lá, não estendia a mão e que, dentro de dez anos, poderá sentar-se ao seu lado, entre os pares do reino. Depois de tudo isso, que os nobres creiam em si mesmos se puderem!”. Diana é ainda mais objetiva, escandalizando os nobres da província: “Estão todos loucos aqui? (...) Querem então ficar no século XV quando já estamos no século XIX? Meus caros filhos, não há mais nobreza; o que há agora é apenas aristocracia. O código civil de Napoleão matou os pergaminhos como o canhão já matara o feudalismo. Fica-se muito mais nobre do que se é, quando se tem dinheiro. Casa-se com quem quiser, Virtuniano; enobrecerá sua mulher, e eis o mais sólido dos privilégios que ainda restam à nobreza da França”. 
Balzac explica melhor do que qualquer professor de história como o espírito da Restauração chegou ao interior da França e como a Revolução Francesa mudou o mundo para sempre. 
Paulo Rónai aponta as semelhanças entre O Gabinete das Antiguidades e Beatriz: “a atmosfera anacrônica das casas du Guénic e d'Esgrignon, os dois velhos chefes de família igualmente veneráveis e fossilizados; a santidade das mulheres que os assistem: a sra. du Guénic e a srta. d'Esgrignon; o fato de ambos terem um filho único, fruto de um casamento tardio entre pai velho e mãe moça, e de esse filho, mimado e viciado, ser belo, encantador e sem nenhuma força moral; a conspiração que se forma em ambos os ambientes para salvar esse filho predileto. (...) Tantas analogias não podem ser fortuitas: para Balzac, Calisto e Virtuniano eram, evidentemente, duas encarnações do mesmo tipo social. As divergências entre os dois romances mostrarão, entretanto, toda a riqueza de recursos de Balzac: em Beatriz, a conspiração é mundana, aqui, jurídica; a decadência de Calisto é efeito de uma paixão, a de Virtuniano, de uma vingança; o solar dos du Guénic está em luta com um salão literário, o gabinete de antiguidades, com um salão burguês etc."  Como curiosidade, existe uma personagem comum entre as duas histórias: Fabiano du Ronceret, filho do presidente do Tribunal. Em O Gabinete das Antiguidades, ele é o cínico amigo de Virtuniano que passa informações do jovem para du Croiser. Em Beatriz, mais velho, ele aceita casar com a senhora Schontz, amante de Arttur de Rocehfilde, que assim volta para a esposa Beatriz, que deixa Calisto.


Quem me acompanha deve ter percebido a diminuição das minhas postagens. 
Estou fazendo doutorado e o tempo para a literatura está reduzido. Mas o blog continuará ativo, somente com posts mais espaçados. 
Estou preparando As Ilusões Perdidas, obra que é uma síntese da Comédia Humana. Imperdível. 

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A solteirona

A Solteirona (Paris, outubro de 1836) - primeira história de "As Rivalidades"

Personagens: Susana, Cavaleiro de Valois, senhora Lardot, senhor Du Bousquier, senhora Granson, Atanásio Granson, senhorita Courmon (Rosa-Maria-Vitória), padre Sponde, Jacquelin, Josette, Marieta, senhor de Troisville, senhorita Armanda d'Esgrignon. 

A história se passa entre 1816 e 1830. 

Balzac, que odiava solteirões, veja-se Pierrete e o Cura de Tours, apresenta aqui uma amável solteirona, embora dê a ela um destino infeliz. 
A Solteirona conta a história da disputa de dois homens pela mão da senhorita Rosa-Maria-Vitória Courmon, o melhor partido de Alençon, embora já estivesse na faixa dos quarenta anos. De um lado, representando a monarquia, estava o Cavaleiro de Valois, um remanescente do Ancien Régime; “Sua pele, já tão branca, parecia mais branca ainda pelo uso de algum preparado secreto. Sem usar perfumes, o cavaleiro exalava como que um aroma de mocidade que refrescava o ambiente. Suas mãos de fidalgo, cuidadas como as de uma dama, atraíam o olhar pelas unhas cor-de-rosa e bem aparadas”. Dou outro lado, representando a república estava o grosseiro senhor Du Bousquier, melhor caracterizado pela sua moradia: “A lareira de pedra mal pintada contrastava com um formoso relógio, desonrado pela vizinhança de uma par de castiçais ordinários. A escada, por onde todos subiam sem limpar os sapatos, nunca tinha levado uma só mão de tinta. As portas, finalmente, mal pintadas por um operário da região, espantavam o olhar com suas tonalidades berrantes. Essa casa era igual à época simbolizada por du Bousquier - oferecia um amontoado confuso de porcarias e coisas magníficas”. Du Bousquier fizera fortuna como fornecedor de víveres para o exército revolucionário, mas caíra em desgraça com Napoleão. Aguardava em Alençon uma oportunidade para refazer seu patrimônio.  
Rosa-Maria-Vitória não casara na época da Revolução, pois desejava desposar um fidalgo e temia o tribunal revolucionário. Entre 1804 e 1815, eram escassos os bons partidos em função da guerra. Assim, chegou aos quarenta anos tendo que se contentar com um noivo “indígena”. 
A história começa com uma manobra do Cavaleiro de Valois para obter a senhorita. Ele convenceu a bela engomadeira Susana, que desejava ir para Paris, a dizer que estava grávida de Du Bousquier. Assim, Susana conseguiu dinheiro do republicano para a viagem, e, além disso, procurou a Sociedade Maternal, que apoiava jovens solteiras grávidas, que era presidida pela senhorita Courmon. Assim, a solteirona ficaria com a impressão de que Du Bousquier era um libertino. "
Em parte o plano deu certo. Ocorre que o padre Sponde, tio de Rosa, recebeu uma carta de do senhor de Troisville, militar, neto de um amigo, que desejava se estabelecer em Alençon. A solteirona julgou que era seu marido que chegava. Mandou arrumar a casa, reformar os quartos, organizar a melhor prataria e servir as melhores bebidas para esperar o visitante. Na recepção oferecida a ele, diante de toda a sociedade da província, Rosa ficou sabendo que Trosville era casado há dezesseis anos e tinha quatro filhos. Humilhada, ela decidiu casar com o primeiro solteiro que aparecesse. E foi Du Bousquier. “Enfim, a República impotente derrotara a valente Aristocracia, em em plena Restauração.” 
Nesse meio tempo, o jovem Atanásio Granson, secretamente apaixonado pela senhorita Courmon suicidou-se  afogando-se no rio. 
Du Bousquier, passando a administrar a fortuna da esposa, prosperou finaceiramente. Também inclinou a casa Courmon para o partido liberal: “A casa Courmon, sob a hábil influência de Du Bousquier, constituía essa opinião fatal que, sem ser verdadeiramente liberal nem resolutamente monarquista, gerou os 221 no dia em que se definiu a luta entre o mais augusto, o maior, o único poder verdadeiro, a Realeza, e o mais falso, o mais inconstante, o mais opressivo dos poderes, o poder chamado parlamentar, exercido pelas assembleias eletivas”. 
O cavaleiro de Valois, tendo perdido a contenda, declinou fisicamente ”Enfim, as ruínas tão sabiamente reprimidas fenderam esse belo edifício e provaram o quanto é grande o poder da alma sobre o corpo: pois que o homem louro, o cavaleiro, o jovem herói morreu quando a esperança falhou”. 
O cavaleiro faleceu em 1830, quando Du Bousquier já era Recebedor geral. E a senhora Du Bousquier, aos sessenta anos, revelou a uma amiga que não suportava a ideia de morrer donzela, confirmando o que Balzac insinuara diversas vezes: que Du Bousquier, assim como o regime que ele representava, era impotente.
A descrição da casa da solteirona é tão vívida, que provavelmente corresponde a algum lugar real que Balzac conheceu.  É muito interessante a ideia de fazer tipos representaram ideias políticas. E fazer da disputa de uma mulher uma alegoria da disputa pelo poder político. 
A Solteirona não é o melhor de Balzac, mas tem tudo de melhor de Balzac.