quarta-feira, 3 de junho de 2015

A menina dos olhos de ouro

A menina dos olhos de ouro (escrito entre março de 1834 e abril de 1835) - terceira história de História dos Treze

Personagens: Henrique de Marsay, Lorde Dudley (pai de Henrique), marquesa de Vordac (mãe de Henrique), padre de Maronis,  Paulo de Manerville, Lourenço (camareiro), Paquita Valdez, Concha Marialva, Cristêmio, mãe de Paquita, don Hijos (marquês de San Real), Margarita Eufêmia Porraberil (marquesa de San Real, filha de lorde Dudley com uma dama espanhola), Ferragus.

A história se passa em 1815.

O personagem principal dessa novela curta já apareceu em diversas histórias como figura lateral: o bon vivant Henrique de Marsay, que, como já sabemos por Ferragus e A Duquesa de Langeais faz parte dos Treze.
Aqui ficamos sabendo que Henrique era filho natural de Lorde Dudley com a Marquesa de Vordac. Dudley casou a moça com o idoso senhor de Marsay  que reconheceu a criança em troca do usufruto de uma renda de cem mil francos. Ignorado por pai e mãe, Henrique foi viver com uma irmã solteirona do senhor de Marsay. Com a magra pensão que recebia, a senhora confiou o menino a um preceptor, o padre de Maronis, De Maronis que "ensinou em três anos ao rapazinho o que só em dez teria este aprendido numa escola" foi verdadeira figura paterna para Henrique.
No início da história, encontramos Henrique em abril de 1815, em plenos Cem Dias, aos 22 anos passeando na Tuleiries. Lá encontrou o recém chegado da província, Paulo de Manerville, já nosso conhecido de O Contrato de Casamento. Henrique comentou com Paulo seu interesse por uma moça exótica, fulva, com olhos dourados. O amigo revelou que a jovem era conhecida como "a menina dos olhos de ouro". Percebendo que seu interesse era recíproco, Henrique com a ajuda do criado Lourenço, descobriu que a moça se chamava Paquita Valdés e morava no palácio do Marquês de San Real. O problema é que Paquita era severamente vigiada pela criada, a senhora Concha Marialva. Henrique e Lourenço conseguiram mandar uma carta a Paquita e marcar três encontros. O primeiro foi num apartamento decadente onde estava presente a mãe de Paquita, uma mulher georgeana que vendera a filha como escrava para os San Real. Apesar dos apelos de Henrique, Paquita não se entregou desta vez. Isso ocorreu nos outros dois encontros, às escondidas, no Palácio de San Real. No terceiro encontro, Paquita deixou escapar um nome. Um nome de mulher. Henrique ficou bravo e pensou em matar a menina, mas foi impedido pelo criado de Paquita, Crescêncio.
Um semana depois, Henrique voltou ao Palácio, dessa vez acompanhado de alguns dos Treze. Lá encontrou uma cena de luta com Paquita morta. A assassina era a marquesa de San Real, cujo nome era Margarita Eufêmia Porraberil, filha de Lorde Dudley com uma dama espanhola. Portanto, irmã de Henrique. Os irmãos se reconheceram. Eufêmia declarou que tinha como encobrir o crime (Crescêncio também fora assassinado) e que iria para a Espanha entrar para um convento. De Marsay voltou para as conquistas.
A quem julgar a história inverosímel, responde Balzac na nota introdutória da primeira edição do romance: "O episódio de A Menina dos Olhos de Ouro, é verdadeiro na maior parte de seus pormenores; a circunstância mais poética, e que lhe forma o nó, a semelhança dos dois  principais personagens é exata. O heroi da aventura que veio contar-lha, pedindo-lhe que a publicasse, decerto estará satisfeito de ver seu desejo atendido, embora o autor, de início, tivesse julgado a empresa impossível; o que parecia sobretudo difícil de fazer crer era essa beleza maravilhosa e meio feminina que distinguia o heroi aos dezessete anos e da qual o autor reconheceu os traços do moço de vinte e quatro. Se algumas pessoas se interessarem pela Menina dos Olhos de Ouro, poderão vê-la após a queda da cortina sobre a peça, como a essas atrizes que, para receberam suas coroas efêmeras, se reerguem bem dispostas após terem sido apunhaladas. Nada tem desenlace poético na natureza. Hoje, a Menina dos Olhos de Ouro está bem murcha...Quanto á Marquesa de San Real, acotovelada este inverno nas Bouffes ou na Ópera por algumas das honradas pessoas que acabam de ler esse episódio, ela tem exatamente a idade que as mulheres não confessam".
Diz também que o desfecho é real, mas aconteceu a outros portagonistas: "A sociedade moderna, nivelando todas as condições, esclarecendo tudo, suprimiu o cômico e o trágico; o historiador dos costumes é forçado, como aqui, a ir buscar onde estão os fatos engendrados pela mesma paixão, mas acontecidos a vários indivíduos, e cosê-los juntos para obter um drama completo". 
Será verdade ou um truque de Balzac para aumentar o interesse em suas histórias, com os leitores especulando quem é quem? Ele diz que "os escritores não inventam coisa alguma"...
Dessa história, que não é a minha preferida de Balzac, comento dois aspectos. A suavidade e a naturalidade com que ele aborda o tema do lesbianismo. No início pensamos que Paquita é amante do Marquês de San Real. São as cartas de Londres e as alusões da menina ("é a mesma voz... e o mesmo ardor") que nos chamam a atenção para a Marquesa. O autor nos diz: "uma paixão terrível ante a qual recuou toda a nossa literatura, que, no entanto não me espanta em nada". Não espanta, pois era comum. E uma relação entre mulheres era mais fácil de dissimular, a pretexto de amizade, do que entre homens. Apesar do desfecho trágico e exagerado, e relação é tratada como se fosse uma relação heterossexual. 
O que prefiro nesse romance é o seu início, intitulado "Fisionomias Parisienses". Aqui, Balzac aparece como o magnífico historiador dos costumes que era fazendo um retrato vivo de Paris. Paulo Rónai nos diz: "Foram essas páginas, como muitas outras de Balzac que fixaram para sempre a imagem mítica de Paris aos olhos do mundo inteiro, e tal imagem nos interessa profundamente, porque a Paris de 1830 era uma prefiguração de todas as metrópoles modernas, inclusive a nossa". A análise das quatro camadas da vida social parisiense: o proletário, o burguês, o profissional liberal e o artista poderia ser utilizada em uma aula de história. Impressiona a vivacidade da descrição. É como se andássemos pela Paris de 1830 com Balzac nos mostrando a cidade. Deve ser por isso que ele dedicou A Menina dos Olhos de Ouro a Eugène Delacroix, pintor. 


Não terminei o doutorado ainda, mas voltei. Não podemos viver sem aquilo sem o qual não podemos viver. 
A Menina dos Olhos de Ouro é a primeira história de Balzac que leio no meu leitor Kobo.