sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Fora de Mim - Martha Medeiros


Lido entre as 13:47 e as 15:54 hs. do dia 16 de dezembro de 2010.

Embora leia com frequência os textos de Martha Medeiros no jornal Zero Hora, nunca havia lido um livro dela. Martha e Cláudia Laitano são as minhas cronistas preferidas de Zero Hora. Ambas fazem uma abordagem inteligente do universo feminino, sem se limitar a ele.
Fora de Mim é um relato em primeira pessoa dividido em três partes. A narradora escreve se dirigindo a um homem com quem teve um relacionamento que acabou dolorosamente. É como se fosse uma carta. Aqui lembrei do belíssimo Fazes me Falta de Inês Pedrosa. O tom confessional é o mesmo, embora Inês trabalhe com maior densidade.
O tema é o amor insano. Não o amor tranquilo dos casais casados ou dos separados que se unem por afinidade. Este está presente no casamento da narradora que acabou com um abraço e um afago na cabeça do ex-marido e no relacionamento que ela teve depois que terminou com Ele. Escrevo Ele com letra maiúscula, pois a ideia é essa. A narradora que aprendeu na infância que só amamos uma vez, logo percebeu que isso não era verdade. Só no livro ela nos conta quatro relacionamentos: com o ex-marido, com Ele, com o que conheceu depois d´Ele e com o atual. Mas ela, mesmo relutante, admite que Ele foi o homem mais importante de sua vida: “por que logo você? Se eu tantas vezes te neguei o título de ´homem da minha vida` pelos motivos mais variados, se por sua causa tantas vezes me sinto menos do que eu media de fato, se afinidade era algo que jamais nos uniu, por que você seguia sendo, contrariando todas as apostas e à revelia do que eu afirmasse por mim mesma, o homem mais importante da minha vida?”.
A primeira parte narra a ruptura, depois de um prólogo em que a narradora compara o fim de um amor com um acidente de avião. Toda a mulher que já amou muito, desse jeito, vai se reconhecer na voz de Martha. O choro contraído, a ausência de fome, a sensação levar um autômato para passear e algumas reflexões: “ A morte tem me visitado em horas diversas do dia, a ideia dela surge em conta-gotas, e muitas vezes não é a morte minha, mas a sua, o que facilitaria muito as coisas, você morto não me trai, você morto não me dá esperança de retorno, você morto não me enviará o e-mail que tanto aguardo, você morto é a tranquilidade certa da minha alma. Morrendo você, eu é que descansaria em paz”.
Na segunda parte, ela conta como o casal se conheceu, os altos, altíssimos, e baixos, sombrios, do relacionamento. No final da primeira parte, ela revelara um dado que vai sendo preenchido de sentido. A irmã d´Ele, conversando com ela ao telefone, “deixou escapar algo que eu já suspeitava, mas não tinha certeza”. À medida que esse segundo capítulo avança, fica claro que o Homem da narradora sofria de distúrbio bipolar. O início afoito e intenso, as alterações súbitas de humor, o ciúme paranoico, a tendência de se aborrecer com coisas pouco importantes formam um quadro quase clássico da doença. Mas apesar das brigas, rupturas e voltas, Ele valia a pena. “Você me tirava do sério de um jeito que nunca havia me acontecido, eu parecia estar endoidecendo, mas eu não ia embora porque acreditava que você ainda valia a pena, e nunca entendi tão perfeitamente o significado dessa expressão, valer a pena. Era um castigo”. A narradora descobriu, analisando a forma repentina e precoce com que disse a Ele “eu te amo” pela primeira vez, que ela estava se amando pela primeira vez. Um amor assim não é passível de ser explicado, e buscar explicação é infrutífero. Entender é limitado, não entender é libertador. Mas a narradora encontrou uma pista: é a pessoa que nós somos quando estamos junto àquela pessoa que amamos, é essa pessoa que não connhecíamos ainda, mesmo que já tenhámos passado dos 40 anos, que produz tamanho abalo em nossas vidas.
A relação declinou quando a narradora percebeu que para manter seu amor, teria que desistir de si mesma, teria de ser “uma mulher que procurava não tocar em assuntos que pudessem resultar em atrito. Uma mulher que evitava ser espirituosa com receio de não ser compreendida."
Na última parte, a narradora conta o o que aconteceu depois do fim. O Homem casou com uma mulher com quem ele passou a se relacionar pouco tempo depois da ruptura. Teve filhos com ela. Elas acabaram se encontrando e estabelecendo uma relação de amizade. Tudo indica que o novo relacionamento d´Ele era igualmente conturbado, mas sua parceira era mais passiva. A narrradora conheceu um homem interessante e tranquilo. Esse relacionamento nota 7 (“os três pontos que faltavam para alcançar o sublime eram os que conferiam espaço para a minha liberdade”) não avançou, pois o moço queria casar. E ela termina revelando que está novamente em um relacionamento que tem tudo para não dar certo. A pulsão da entrega é mais forte do que a razão e o comedimento. No final ela declara: “Preciso que saiba: nunca deixarei de pensar em você, por que você foi o amor menos elaborado que tive, menos politicamente correto, menos ´o cara certo na hora certa`, menos criado no cativeiro da idealização, e essa impossibilidade de intelectualizar o que senti me faz pensar que talvez eu não estivesse enganada sobre aquela ideia romântica de que só se ama assim uma vez .“

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Estudo de Mulher (fevereiro de 1830)

Personagens: Marquês e Marquesa de Listomère, Eugênio de Rastignac, Horácio Bianchon.

A história se passa em 1828.

Aqui temos um pequeno texto que Balzac chama de “estudo”. A mulher objeto desse estudo é a marquesa de Listomère retratada por Balzac como a encarnação do espírito da Restauração: “Tem princípios, jejua, comunga, e vai muito enfeitada aos bailes, aos Bouffons, à Opera; seu diretor espiritual permite-lhe aliar o profano ao sagrado. Sempre em dia com a Igreja e com o mundo, ela oferece uma imagem do tempo presente, que parece ter tomado a palavra Legalidade por epígrafe. (...) Na hora presente ela é virtuosa por cálculo, ou talvez, por inclinação”. Eis que essa dama, casada com o Marquês de Listomère, dançou uma noite com Eugênio de Rastignac, personagem de primeiro plano da Comédia Humana. Na manhã seguinte, Rastignac escreveu duas cartas, uma para seu advogado e outra para a senhora de Nuncigen, sua amante. Endereçou a segunda, de forma equivocada, à Marquesa de Listomère. Era uma carta com declarações de amor. A Marquesa, ao recebê-la, ficou indignada. Contudo, Eugênio só percebeu o engano quatro dias depois. Nesse meio tempo, a Marquesa havia migrado da indignação para o interesse e do interesse para a paixão. Rastignac foi então à casa da Marquesa desfazer o equívoco. Essa, sonhando com o romance, ao saber que não era destinatária da missiva ficou profundamente ofendida.
O interessante nesse texto é a narrativa. Até quase a metade da história, julgamos que é Balzac quem está narrando. Então a surpresa: “Foi nesse instante que penetrei na sala de Eugênio. Ele teve um sobressalto e disse. -- Ah! com que então aqui estás, meu caro Horácio! Desde quando?” Descobrimos que o narrador é Horácio Bianchon, um dos personagens mais queridos da Comédia Humana. Ele aparece em vários romances, nunca como protagonista, mas como arguto observador. Diz-se que Balzac, em sua agonia, antes de morrer, chamou por Horário Bianchon.