domingo, 22 de dezembro de 2013

Grande Irmão


Grande Irmão. Lionel Shriver. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2013. Tradução: Vera Ribeiro. 

Lido entre 19 e 22 de dezembro de 2013.

Adoro descobrir autores por acaso. Grande Irmão foi um desses casos. Olhando o site da Livraria Cultura, vi o título do livro. Pensei que tivesse algo a ver com George Orwell. Quando li a sinopse, gostei do tema. É um assunto que anda me preocupando muito: a epidemia de obesidade nas sociedades ocidentais. Comprei, comecei a ler e, diante do meu primeiro fim de semana com algo parecido a férias(doutorando não tem férias), só parei na última linha. 
Pandora Halfdanarson  é uma mulher de 40 anos casada com Fletcher Feuerbach, mãe emprestada dos dois filhos adolescentes do marido, Tanner, 17 anos, e Cody, 13. Após dirigir uma empresa de catering por alguns anos, uma brincadeira a levou a um negócio bem sucedido. Fez um boneco de corda para presentar o marido, com um mecanismo para reproduzir frases gravadas, clichês sempre repetidos pelo homenageado. As pessoas que viram gostaram e começaram a encomendar a engenhoca. Nascia a Baby Monotonous. O sucesso permitiu que Fletcher se dedicasse à sua paixão, fabricação de móveis de design. Um dia, Pandora recebe a notícia de que seu irmão, Edison Appaloosa, músico de jazz em Nova Iorque, não está bem financeiramente. Envia uma passagem para que ele vá visitá-la em Iowa, depois de uma separação de quatro anos, pontuada por alguns telefonemas, cuja iniciativa é sempre de Pandora. Ao chegar ao aeroporto, Pandora não reconhece no homem empurrado em uma cadeira de rodas por comissários, o rapaz atlético por quem suas amigas eram apaixonadas na adolescência. Edison está pesando quase duzentos quilos. 
A visita se transforma em um ordálio. Fletcher é um homem de vida regrada, que acorda muito cedo, come apenas alimentos naturais, evita laticínios e pratica ciclismo. Conviver com os hábitos alimentares do cunhado produz uma guerra diária. Tanner é um garoto cínico e mal educado, que não hesita em debochar das histórias de Edison, que relata, de forma repetitiva e exagerada, as ocasiões em que tocou com os maiores astros do jazz. A única que auxilia Pandora na inglória tarefa de gerenciar a visita de dois meses é Cody. 
Pandora e Edison têm nomes diferentes em virtude de um personagem que aparece pouco, mas está sempre presente no enredo. O pai deles, e da irmã mais jovem, Solstice, é  ator e roteirista de televisão de uma série famosa da década de 1970, chamada Guarda Compartilhada. Travis Appaloosa, nascido Halfdanarson, vive, na faixa dos setenta anos, da nostalgia do passado, sonhando em voltar a fazer sucesso na televisão. Em Guarda Compartilhada, Travis criou uma família avatar idealizada, na qual o filho mais velho era uma cópia de Edison e a do meio, de Pandora. 
(Quem quer ler o livro e não quer saber o desfecho da história pare aqui). 
A história chega a um impasse na data em que Edison  deveria retornar a Nova Iorque. Ele, inicialmente, dizia que faria uma turnê na Península Ibérica. Mas Acaba confessando a Pandora que não havia turnê alguma e que ele estava sem trabalho e vivendo de favores há muito tempo. Pandora tinha duas possibilidades. Deixar Edison embarcar e dar algum  dinheiro para ele se manter ou convidá-lo a ficar e ajudá-lo a lidar com o problema do peso. 
Pandora decide apoiar o irmão, mesmo com a séria possibilidade de comprometer o casamento. Aluga um apartamento para ambos e anuncia ao marido que passará um ano ajudando Edison a emagrecer. Pandora ganhou alguns quilos a mais nos últimos anos e resolve acompanhar o irmão na dieta. Passam vários meses consumindo apenas shakes proteicos, quatro vezes por dia. Após quatro meses e já tendo emagrecido 25 quilos, Pandora volta a comer alimentos sólidos. Edison volta após seis meses. E, ao final de uma ano, Edison, que pesava 175 quilos, chega aos 73. Eles fazem uma festa para comemorar o feito e, nessa data, Pandora anuncia a Edison que ela voltará para casa com Fletcher. Em poucas linhas, sabemos que Edison voltou a engordar todos os quilos perdidos. 
Na terceira e última parte, descobrimos o que já imaginávamos: que a segunda parte era ficção. Edison embarcou de volta para Nova Iorque e Pandora passou a enviar algum dinheiro a ele. Morreu, tempos depois, aos quarenta e nove anos. 
Lionel Shriver é uma norte-americana que mora há anos na Inglaterra. Depois de cinco ou seis livros sem grande sucesso na década de 1990, ela ficou famosa em 2003 com Precisamos falar sobre Kevin, história narrada pela mãe de um adolescente psicopata e que virou filme. O seu irmão mais velho Greg, para quem Grande Irmão é dedicado, morreu aos 55 anos em virtude de complicações relacionadas à obesidade mórbida. 
O livro tem problemas narrativos bem óbvios. Há um grande abuso de clichês. A cena do aeroporto, quando Pandora, aguardando Edison, escuta dois passageiros reclamarem do incômodo causado pela presença de Edison é um grande chichê cinematográfico. Edison é uma personagem mal construído. O que Pandora conta dele antes da obesidade não tem nada a ver com a pessoa que aparece na história. Além disso, suas atitudes, comendo toda a comida que os parentes têm em casa, fazendo sujeira, quebrando a mobília, são lugares comuns associados aos obesos: pessoas preguiçosas, sem força de vontade e que incomodam os outros. Travis, que é quase um coadjuvante, é mais real que Edison. Travis, aliás, tem tudo a ver com a obesidade de Edison: ele é o genitor egoísta, algo que contrasta fortemente com a visão que temos hoje a respeito de paternidade e maternidade, mas que está nas vidas de muita gente. Para ele, seu mundo de fantasia de Guarda Compartilhada, é mais importante do que a família real. 
A segunda parte, da dieta, é francamente inverosímel, mas acredito que foi deliberado. Qualquer pessoa que já fez uma dieta (quem não?), sabe que é impossível ficar meses consumindo 500 calorias por dia, ou perder 100 quilos em uma ano. 
O tema de Grande Irmão não é exatamente obesidade, mas controle e competição. Controle sobre o que comemos, ou sobre o que não comemos. Controle sobre as relações familiares, fraternas ou não. Competição em todas as esferas da vida. Chama a atenção a competição entre Edison e Pandora, desde pequenos. Edison era o preferido dos pais. Pandora era a típica filha do meio, de quem não se espera nada. Enquanto ele foi aos dezessete anos para Nova Iorque com alguns trocados no bolso e ficou famoso, ela optou por estudar inglês na faculdade (algo que quem não sabia o que queria acabava fazendo). Aos quarenta anos, o jogo se inverteu. Edison está obeso e desempregado, enquanto Pandora, bem sucedida, está na capa da Vanity Fair. Também chama a atenção a competição entre Pandora e Fletcher. Ele compensa seu desempenho opaco na profissão com hábitos alimentares e de exercício que Pandora não consegue seguir. Ostenta perante ela, com alguns quilos a mais, seu físico atlético. Travis é o maior competidor em relação aos filhos. Não aceita que ambos, em momentos diferentes tenham mais sucesso do que ele teve. Menospreza a carreira de Edison e despreza a firma de Pandora. Quando Fletcher manda a ele uma foto e ele vê o estado físico de Edison, não consegue disfarçar a satisfação.
Creio que é essa dinâmica familiar que Shriver capta bem. Esse emaranhado de competição e afeto das relações familiares, em que os irmãos ora se unem contra os pais, ora se unem aos pais, um contra o outro. Em que as lealdades ora são do cônjuge, ora do irmão/irmã. Essas implicâncias sem explicação do dia a dia. Fazer o que sabemos que vai desagradar ao outro. Ostentar ao outro nosso sucesso, quando sabemos que ele não está bem. Se arrepender logo depois e mesmo assim, tornar a fazer. Esse é o ponto alto de Grande Irmão. As melhores reflexões são sobre isso e não sobre a questão do descontrole alimentar. 

Grande Irmão foi o primeiro e-book de literatura que escolhi ler no formato de e-book. Já li muitos da minha área de estudo e alguns de literatura por não querer esperar meses pela remessa da Amazon. Quando fui comprá-lo no site Cultura, ia comprar o livro convencional. Mas resolvi experimentar. Gostei da experiência. Li no meu celular. Achei prático poder sacar o celular do bolso e ler o livro a hora em que eu quisesse. Às vezes fico muito brava, quando saio e esqueço
de levar um dos livros que estou lendo. Agora vou manter sempre um no celular.




sábado, 27 de julho de 2013

Uma Luz em meu Ouvido

Uma Luz em meu ouvido. Elias Canetti. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. Tradução Kurt Jahn.

Lido entre 19 de fevereiro e 6 de março de 2013.

Trata-se da continuação da biografia de Elias Cannetti, A Língua Absolvida. Uma Luz em meu Ouvido cobre o período entre 1921 e 1931, ao fim do qual Canetti tornou-se escritor.
O livro inicia com a chegada de Elias, aos 16 anos a Frankfurt em 1921. Lá, a família, mãe e três filhos, em dificuldades financeiras foi residir na pensão Charlotte. Na pensão, Elias teve contato com uma fauna variada. Alguns eram pessoas de aparência respeitável, mas com uma vida dupla. O autor conheceu o período de crise e inflação que se abateu sobre a Alemanha dos anos 1920. Ele relata o impacto que teve sobre ele ter presenciado na rua uma mulher desmaiar de fome.
Em 1924, Elias foi para Viena com o irmão Georg. Tendo desistido da medicina, optou, sem muita convicção, por estudar química. Ele tinha 19 anos.
Por intermédio da família Asriel, Canetti conheceu, no mesmo dia, duas das pessoas mais importantes de sua vida: Karl Kraus e Veza. 
Karl Kraus (1874-1936) não é muito conhecido hoje em dia, mas era uma celebridade na Viena dos anos 1920. Ensaísta, dramaturgo, polemista, escrevia um jornal, Die Fackel (A Tocha), onde atacava o belicismo e a corrupção das elites da época. Escreveu um drama de mais de oitocentas páginas, Os último dias da humanidade, "no qual aparece tudo o que aconteceu na guerra. Quando Karl Kraus fazia leituras de partes do mesmo, ficava-se como que aniquilado. Nada se movia no auditório, mal se ousava respirar. Ele mesmo lia os papéis de todos os personagens, dos aproveitadores e dos generais, dos velhacos e dos pobres-diabos que eram vítimas da guerra. Todos pareciam tão genuínos em sua interpretação como se estivessem à nossa frente. Quem o ouvisse, nunca mais desejaria frequentar um teatro, pois o teatro era enfadonho em comparação a Karl Kraus. Ele sozinho era um teatro inteiro, porém melhor, e este milagre da humanidade, esse monstro, este gênio tinha um nome tão comum como Karl Kraus". 
Pois na primeira vez que teve essa incrível experiência, Elias conheceu Veza Taubner-Calderon (1897-1963) com quem se casaria em 1934. Elias e Veza tiveram uma parceria intelectual poderosa que iniciou nessa época, apesar do posterior casamento conturbado - Canetti teve muitas amantes e Veza, uma intensa paixão por Georg, o irmão médico do escritor. 
Mas o tom desse período é o mesmo da parte final de A Língua Absolvida: os embates do jovem com a forte personalidade da mãe, Mathilde. Elias data um momento de ruptura, ocorrido em 24 de julho de 1925, quando a mãe o proibiu de fazer uma excursão para as montanhas com um amigo. Ocorreu uma grande crise que marcou o afastamento entre mãe e filho. Mathilde também se opunha ao relacionamento do filho com Veza. É muito engraçado o trecho em que Canetti conta que inventava para a mãe relacionamentos com outras mulheres para desviá-la da seriedade do seu romance com Veza. 
Também é desse período a narrativa do trabalho no laboratório de química, de onde saíram alguns modelos para os personagens de Auto de Fé.
Um acontecimento que mudou a vida de Canetti e o levou a dedicar anos ao estudo das massas e à publicação do ensaio Massa e Poder em 1960 ocorreu em 15 de julho de 1927. Tudo começou com um tiroteio alguns dias antes, quando seis operários foram mortos. A corte de justiça inocentou os assassinos, o que provocou uma grande revolta nos trabalhadores de Viena que marcharam para o Palácio da Justiça e o queimaram. Elias Canetti se integrou na massa manifestante, e estudar os movimentos de massa, de turba, a partir daí, passou a ser sua obsessão. Dessa experiência surgiu um dos modelos de Kien, o homem dos livros de Auto de Fé: "Numa rua lateral, não longe do Palácio da Justiça em chamas, logo ao lado, destacando-se nitidamente da massa, estava um homem de braços erguidos, que juntava as mãos por cima da cabeça, em desespero, e bradava em tom lamentoso, uma vez após a outra ´Os arquivos estão queimando!`, ´Todos os arquivos!`, ´Antes os arquivos do que as pessoas!`, disse-lhe eu, mas isso não o interessou, só tinha os arquivos na cabeça". 
Elias terminou sua graduação em química, já muito ciente de que jamais trabalharia como químico. Dois períodos em Berlim entre 1928 e 1929 foram fundamentais para sua carreira de escritor e para Auto de Fé. 
George Grosz - Berlin Strasse 1931
As maiores influências do período berlinense foram o pintor e desenhista George Grosz (1893-1959) e o escritor russo Isaak Babel (1894-1940). Canetti considera que o trabalho de Grosz teve o mesmo impacto para ele do que o texto de Karl Kraus, mas que por ser uma pessoa verbal e sem talento para o desenho, o admirava mas não o tinha como paradigma. Canetti considera que Babel significou mais para ele do que qualquer outra pessoa que conheceu na época. 
Outra figura dos anos 1920 com quem Canetti travou conhecimento foi Bertold Brecht (1898-1956). Elias não esconde sua antipatia por ele, considerado artificial e afetado. 
A última parte da narrativa, entre 1929 e 1931, trata da gestação de Auto de Fé. É muito interessante (para mim o mais interessante do livro) ver como um conjunto tão variável de influências resultou nesse romance sui generis. Coisas tão diversas como um quadro de Rembrandt, a Capela Sistina, a senhoria de uma das casas onde Elias morou, Cervantes, o homem que lamentava a queima dos arquivos, A Comédia Humana, a fragmentação das noites berlinenses, os desenhos de Grosz se amalgamaram para a dar origem a Die Blendung - o cegamento, que é o título original de Auto de Fé. Mas Auto de Fé, apesar de ser um capítulo da Comédia Humana dos loucos, como o próprio Elias o definiu, é também uma elegia aos livros, é o amor extremo aos livros, algo que Canetti trazia dentro de si. E eu, modestamente, também. Mas isso já é assunto para outro post. 


Rembrandt - Sansão cegado pelos filisteus 1636

domingo, 14 de julho de 2013

Crime e Castigo

Não estava nos meus planos reler Crime e Castigo agora. Eu o li há muitos anos na tradução de Natália Nunes para a a Abril Cultural, que é uma tradução de segunda mão, ou seja, o texto russo foi traduzido para o francês e a tradutora passou para o português. Eu havia adquirido a tradução direta do russo de Paulo Bezerra para a Editora 34, mas estava na prateleira, aguardando um motivo ou inspiração para a releitura. Eis que apareceu. Numa livraria bem perto da minha casa ofereceram um curso de literatura russa sobre Dostoiévski com o professor João Armando Nicotti. Normalmente, não posso participar desse tipo de atividade, mas é no sábado na parte da tarde. Não resisti. O professor Nicotti é um dos responsáveis pela minha paixão por Tolstói. Assisti, quando ainda era uma menina, uma palestra com ele sobre Anna Karênina: foi o início do meu interesse pela literatura russa e por Tolstói. 
Crime e Castigo conta a história de um jovem estudante de direito de 23 anos de São Petesburgo, Rodion Románovitch Raskólnikov que comete um crime. Raskólnikov vive sustentado pelas mãe, Pulkhéria Raskólnikova, que recebe uma miserável pensão, e pela irmã, Avdótia (Dúnia), governanta em uma casa burguesa na província. Mesmo assim, a pobreza o obriga a abandonar a faculdade. Movido pela falta de recursos - mora em um local insalubre, pouco se alimenta -, pela doença e por algumas teorias por ele elaboradas, o rapaz planeja e executa o assassinato de uma velha usurária, Aliena Ivánova. Durante a execução, com um machado, chega ao apartamento da velha sua irmã, Lisavieta Ivanova, e Raskólnikov é obrigado também a assassiná-la. 
Nesse meio tempo, ele recebe uma carta da mãe narrando o noivado de Dúnia com o capitalista Piotr Pietrovich Lúdjin e a viagem próxima de ambas, mãe e irmã, a São Petersburgo para o casamento. Raskólnikov desaprova o plano, pois percebe que  a irmã aceitou o pedido para ajudá-lo. E através das palavras da mãe, o jovem advinha que noivo é um homem que deseja uma noiva pobre e submissa que o reverencie. 
Raskólnikov tem ao seu lado, desde o princípio, o colega da faculdade Dmitri Prokófich Razumíkhin. Jovem honesto, um pouco ingênuo e infenso à rispidez do protagonista, ele logo se apaixona por Dúnia. Outro personagem importante é Semion Zakháritch Marmieladov  Ele conhece Raskólnikov em uma taberna e ele narra sua triste vida. É funcionário público, mas abandonou o trabalho pelo vício na bebida. Sua mulher, Catierina Ivánova, moça de família nobre que empobreceu, está com tuberculose e não tem meios de sustentar os três filhos pequenos do casal,  Polienka,  Kólia e Lênia (9, 7 e 6 anos). A filha mais velha de Marmieladov, Sônia Semionova Marmeliadova, ajuda os pais e madrasta se prostituindo. Ao longo da narrativa, Marmieladov morre atropelado por cavalos.  Raskólnikov dá a Catierina todo o dinheiro que recebeu da mãe para o enterro do alcoolista. E no dia do enterro, Catierina morre. O casal Marmieladov-Catierina foi inspirado na primeira esposa de Dostoiévski, Maria Dmitrieva e seu primeiro marido, Issáiev. 
Na galeria de personagens principais (há muitos, mais de 80), há ainda Arkadi Ivánovitch Svidrigáilov e Porfiri Pietróvitch. 
Svidrigáilov aparece pela primeira vez na longa carta de Pulkhéria para Raskólnikov. Ele era o patrão da casa onde Dúnia trabalhava. Foi literalmente comprado pela mulher, uma solteirona endinheirada, Marfa Pietróvna, e com ela fez um acordo: viveria com ela na província e não teria casos amorosos sérios. Marfa tolerava, no máximo, casos com criadas de quarto. Svidrigáilov se apaixonou por Dúnia e provocou uma incidente que levou à difamação da moça. O mal entendido foi desfeito e Dúnia reabilitada, momento em Lúdjin apareceu para resgatá-la. Svidrigáilov é pedófilo, o que é retratado com realismo pelo autor. Ele vai para a cidade após a morte de Marfa, que, não fica claro, poderia ter sido provocada por ele. Apesar do mau caráter, Svidrigáilov pratica uma série de boas ações. Entre elas, paga o enterro de Catierina e providencia para que os órfãos fiquem em um bom internato. Também dá dinheiro à Sonia e à família de uma menina de 16 anos com quem ele iria se casar (na verdade iria comprá-la dos pais). Tem-se a impressão de que desde que foi para São Petersburgo ele estava pensando em se suicidar, o que, finalmente, ele faz com um tiro na cabeça. 
Porfiri Pietróvitch é o juiz de instrução que, através do estudo das atitudes de Raskólnikov, descobre que ele cometeu o crime. Faz um jogo psicológico com o protagonista e o incentiva a se entregar, já que teria uma série de atenuantes: sua doença, o fato de não ter usado o dinheiro que roubou da velha e a porta aberta quando cometia o crime. Raskólnikov acaba se entregando, mas não a Porfiri, a Ilia Pórokh. 
No final, Raskólnikov é condenado a sete anos na Sibéria. Vai para lá acompanhado por Sônia. Pulkhéria falece. Dúnia, que rompera o noivado com Lúdjin, casa com Razumíkhin . 
A última cena da narrativa ocorre um ano e meio depois do crime (o crime ocorreu em julho de 1865), quando Raskólnikov reconhece seu amor por Sônia e encontra nesse amor a redenção que até então não encontrara. 
Muita tinta já foi gasta para falar desse livro sob os mais diversos aspectos: jurídicos, psicológicos, históricos, filosóficos. 
Um dos ponto mais debatidos é o motivo do crime. O protagonista apresenta vários motivos, mas o mais plausível se relaciona a uma teoria segundo a qual existem homens ordinários, a maioria, e homens extraordinários, como Napoleão ou César, que são capazes de ultrapassar os limites para conquistar o que desejam. Esses últimos poderiam fazer o que quisessem e apenas colheriam a glória. Raskólnikov diz:
"A velha vai ver que foi mesmo um erro, mas não é nela que está a questão! A velha foi apenas um doença...eu queria ultrapassar o limite o quanto antes...eu não matei uma pessoa, eu matei um princípio!  Foi o princípio que eu matei, mas além eu não fui, permaneci do lado de cá... O único que eu soube fazer foi matar. Demais, nem isso eu soube, como se está verificando." 
Assim, o erro de Raskólnikov segundo ele mesmo não foi ter matado, mas não ter conseguido seguir com a vida após o crime, utilizar o produto do roubo para voltar para a universidade e fazer grandes coisas, como um grande homem teria feito no seu lugar. 
Ele não se arrepende do crime nem no final. O que traz a paz a Raskólnikov na última cena, não é o arrependimento, mas a redenção pelo amor de Sônia e pela perspectiva de uma vida com ela. 
Eis a sombra de Napoleão Bonaparte sobre os jovens do século XIX. Eugênio de Rastignhac, Luciano de Rubempré, Julien Sorel, Rodion Raskólnikov, todos atingidos, de forma diversa, pela perspectiva de atingir a grandeza. 
Raskólnikov é um dos personagens mais desagradáveis da literatura de todos os tempos. O leitor não desenvolve nenhuma empatia com ele, coisa que o mau caráter Arkadi Ivánovitch Svidrigáilov, com todos os seus defeitos: jogador, agressor de mulheres, pedófilo, consegue logo que aparece no quarto do protagonista. Rodion desenvolve um certo fascínio, que é o que explica, por exemplo, amizade de Razumíkhin e o desvelo da empregada Nastácia. Mas Razumíkhin bem o define: "Ele não gosta de ninguém, talvez nunca venha a gostar". É o  gênio de Dostoiévski que nos faz acompanhar essa criatura insuportável com o maior dos interesses por quase seiscentas páginas. 

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Memorial de Aires, Machado na sua melhor forma

Já comentei aqui que os audiolivros e os engarrafamentos de Porto Alegre têm me permitido rever clássicos da literatura brasileira que li quando ainda era muito jovem. Entre o ano passado e este ano "ouvi" Dom Casmurro, Quincas Borba e Memórias Póstumas de Brás Cubas, todos lidos quando eu era ainda adolescente e não tinha a vivência ( e a leitura) necessária para apreciar completamente essas obras. 
Memorial de Aires foi diferente. Eu não o havia lido. Li os menos valorizados Ressurreição, Helena e Iaíá Garcia e não li o último livro escrito por Machado. A culpa foi, em parte dos meus professores, que comentaram que Memorial de Aires era um livro menor, não apresentando Machado na sua melhor forma. Pois, discordo. Tendo "ouvido" O Memorial de Aires duas vezes e o lido uma, nos últimos meses, creio que a obra apresenta tudo de melhor do gênio de Machado de Assis. 
O Memorial de Aires é a o diário escrito pelo Conselheiro Aires, personagem que já aparecera em outros livros de Machado (especula-se se é ele ou não o narrador de Esaú e Jacó), durante os anos de 1888 e 1889. A narrativa começa em janeiro de 1888, quando já fazia um ano que o Conselheiro se aposentara da diplomacia e retornara ao Brasil. Nos seus trinta anos na ativa, Aires vivera no exterior, vindo esporadicamente ao país. 
Visitando o cemitério com sua irmã , Rita, Aires avistou uma bela mulher rezando em um túmulo. Soube por Rita que se tratava da viúva Noronha, Fidélia, que fora muito feliz no casamento, mas que esse durará muito pouco pelo precoce falecimento do esposo: 

"Nesse momento, a viúva descruzava as mãos, e fazia gesto de ir embora. Primeiramente espraiou os olhos, como a ver se estava só. Talvez quisesse beijar a sepultura, o próprio nome do marido, mas havia gente perto, sem contar dous coveiros que levavam um regador e uma enxada, e iam falando de um enterro daquela manhã."

Os irmãos então fizeram uma aposta a respeito da possibilidade da viúva vir a casar novamente. Aires sustentou que era possível que casasse, inclusive com ele próprio. Rita foi firme no sentido de que Fidélia não casava. 
Fidélia era conhecida de Rita da residencia do casal Aguiar. O "velho" Aguiar, gerente do Banco do Sul, e sua esposa, Dona Carmo, eram um casal de idade, sem filhos, que praticamente "adotara" Fidélia como filha postiça, em virtude do seu desentendimento com os pais por conta do casamento com o falecido Eduardo. Sabemos então que a história de Fidélia e Eduardo foi uma caso de Romeu e Julieta do Vale do Paraíba. Os pais dos jovens eram inimigos políticos e não permitiram o casamento, que ocorreu mesmo assim com o afastamento das respectivas famílias. Eles se conhecerem em um teatro no Rio de Janeiro e se apaixonaram. Depois do casamento, foram passar uma temporada em Lisboa, onde o rapaz faleceu. 
A ausência de filhos parecia ser a única mácula na vida do casal Aguiar, que aparece como exemplo de união conjugal, principalmente pelo caráter de Carmo, que alguns críticos sugerem ser inspirada em Carolina, esposa de Machado.  Eles supriam essa falta através de Fidélia e de outro "filho postiço" que, no início da narrativa estava desaparecido, mas logo anuncia seu retorno de Lisboa. 
Tristão, jovem médico, foi criado com duas mães, a sua e Carmo. O rapaz estava destinado pela família a ser comerciante, mas cedo demostrou o desejo de estudar Direito. No início da adolescência, sua família decidiu mudar-se para Lisboa, para a tristeza de Carmo. No princípio, as cartas e notícias eram abundantes. mas logo cessaram. Em maio de 1888 chegou carta de Tristão de Lisboa, anunciando a vinda próxima para o Brasil para visitar os pais adotivos. 
Em julho, o rapaz chegou da Europa para visita por tempo indeterminado e com propósitos incertos. Nesse meio tempo, falecera o Barão de Santa Pia, pai de Fidélia, deixando a ela a fazenda e os libertos, já que a abolição ocorrera em 13 de maio. 
Estabelece-se, então, uma rotina familiar entre o casal Aguiar, que hospedava Tristão, e Fidélia que estava sempre na casa dos pais adotivos. Reforçando o lado de Rita, Fidélia dispensou um pretendente, Osório. Tristão vai adiando o seu retorno à Lisboa, apesar dos chamados dos seus correligionários políticos. 
No início de novembro, pela primeira vez, Aires registra em seu diário que Tristão estava enamorado de Fidélia e ouve a confissão do jovem no dia 30. A partir daí foi tudo muito rápido. Em janeiro de 1899, os namorados estavam declarados e o casamento ocorreu em 15 de maio. 
Tristão, candidato a deputado pelas Cortes de Lisboa, decidiu partir para Portugal com a esposa. Tentaram convencer o casal Aguiar a ir junto. Diante da negativa, ocultaram dos velhos que a ida era definitiva. Em julho, o jovem casal partiu, deixando os Aguiares "com saudades de si mesmos". 
Apesar da aparência de narrativa de fatos do cotidiano, o Memorial de Aires é um livro cheio de facetas. Há muitos estudos literários a respeito da obra de Machado em geral e do Memorial em particular. Pretendo aqui apenas destacar as minhas impressões. 
Quando ouvi pela primeira vez a narrativa, tive um grande estranhamento, pois ouvira há pouco Memórias Póstumas de Brás Cubas e a diferença é muito grande. Foi na segunda vez que comecei a juntar as pistas de Machado. Destaco dois aspectos da obra, reconhecendo que há muitos mais a serem explorados: a relação de Tristão com Fidélia e a exploração por Machado da abolição da escravatura na narrativa. 
O que Aires conta não é a realidade, mas a sua visão da realidade. E em várias passagens Machado sugere que nem o que ele escreve corresponde realmente ao que ele pensa:

"Quando eu era do corpo diplomático efetivo não acreditava em tanta cousa junta, era  inquieto e desconfiado; mas, se me aposentei foi justamente para crer na sinceridade dos  outros. Que os efetivos desconfiem!”

Aires está dizendo que suspendeu a desconfiança assim que se aposentou, sugerindo que não acreditemos no que ele conta. Ele não diz em nenhum momento, mas sugere em vários momentos, que já havia alguma relação anterior entre Tristão e Fidélia. 
Com respeito à Fidélia, sabemos que ela tem algo de atriz. Na primeira vez que Aires a vê no cemitério, ela olha para os lados para ver se alguém a estava mirando. No jantar de núpcias dos Aguiares, ela disse que não iria, pois estava com dor de cabeça e acabou indo e chegando quando todos já estavam sentados, estilo entrada triunfal. Ela conheceu Eduardo, o primeiro marido, num teatro. 

“Mas Fidélia? Não conheço santa com tal nome, ou sequer mulher pagã. Terá sido dado à filha do barão, como em forma feminina de Fidélio, em homenagem a Beethoven?” 

Na ópera Fidélio, de Beethoven (1808), Leonora utiliza uma máscara, a de Fidélio, para salvar Florestan, seu marido aprisionado pelo malvado Dom Pizzaro. Fidélia é, portanto, uma viúva fiel ao falecido, mas usa uma máscara.
Tristão também não é o que parece. O jovem passou anos sem dar notícias aos país adotivos e apareceu, de uma hora para outra no Rio, sem objetivo definido para uma visita longa. Deixou de ser comerciante, para estudar Direito, mas acabou se tornando médico. Todavia, não se dedicava à medicina, mas à política. 
Na interação dos dois a maior pista dada por Machado é a comparação de dois encontros presenciados por Aires. Em 12 de setembro, ao chegar de bonde ao centro, Aires encontrou a viúva Noronha que iria tomar o carro. Ao ver o bonde partir, o Conselheiro percebeu Osório, contemplando a viúva:

"Entrei nesta dúvida — se teriam estado juntos na rua ou na loja a que ela veio, ou no banco, ou no inferno, que também é lugar de namorados, é certo que de namorados viciosos, del mal perverso. Achei que não, e compreendi que ele, se acaso a cumprimentou na rua, não ousou falar-lhe, apenas a acompanhou de longe, até que a viu meter-se no bonde e partir."

Poucos dias depois,  em 22 de setembro, outro encontro. Aires encontrou Fidélia na rua. Conversaram um pouco e se despediram. Aires, por amor aos encantos da viúva, resolveu segui-la: 

"No Largo de S. Francisco estava um carro dela, perto da igreja. Íamos da Rua do Ouvidor, a  dez passos de distância ou pouco mais. Parei na esquina, vi-a caminhar, parar, falar ao cocheiro, entrar no carro, que partiu logo pela travessa, naturalmente para os lados de Botafogo. Quando ia a voltar dei  com o moço Tristão, que ainda olhava para o carro, no meio do largo, como se a tivesse visto entrar.  Ele vinha agora para a Rua do Ouvidor, e também me viu; detive-me à espera. Tristão trazia os olhos  deslumbrados, e esta palavra na boca: 
— Grande talento! "

Aires deduziu que a estranha frase dizia respeito ao talento musical da viúva. Mas não está Machado a sugerir ter Aires presenciado um encontro íntimo dos dois frustrado pelo aparecimento do Conselheiro? Por que no primeiro encontro Fidélia tomou um bonde e no segundo um carro particular? 
Quando o casal já estava noivo, Aires escreve:

“Sabiam tudo. Parecia  incrível como duas pessoas que não se viram nunca, ou só de passagem e sem maior 
interesse, parece incrível como agora se conhecem textualmente e de cor". 

Outro ponto fica por conta da epígrafe, a qual somente dei atenção quando li o texto: 

"Em Lisboa sobre o mar, marcas novas mandei lavrar" (Cantiga de Joham Zorro)
"Para ver meu amigo
Que talhou peito comigo
Lá vou madre
para ver meu amado
Que miga peito talhado,
Lá vou madre" (Cantiga do rei Dom Dinis). 

São cantigas portuguesas dos séculos XIII. Por que Machado teria escolhido essas epígrafes? Talvez para sugerir que algo ocorreu em Lisboa, ou seja, os namorados já se conheciam e já tinham uma relação quando Tristão chegou ao Rio de Janeiro. 
Finalmente, o modo como o casal procedeu no final com respeito aos pais postiços, também levanta uma sombra sobre seu caráter, embora Aires sublinhe a tristeza de Fidélia e o esforço de ambos para que os Aguiares os acompanhasse até a Europa. 
A narrativa inicia alguns meses antes da abolição da escravidão no Brasil. O Barão de Santa Pia, antes de falecer, foi ao Rio com o objetivo de libertar seus escravos não por ser abolicionista, pelo contrário, mas para não ter o desgosto de ver o governo interferir na sua propriedade. Em 13 de maio, Aires descreve as comemorações nas ruas do Rio de Janeiro e disse estar satisfeito com o ato da Regente. É no dia seguinte, contudo, que Aires faz a ligação entre a abolição e a narrativa. Ao chegar na casa do casal Aguiar e ver que havia uma reunião e alegria geral, julgou se tratar de uma comemoração pelo fim da escravidão. Não era. O casal comemorava a chegada de uma carta de Tristão anunciando a sua breve chegada. 
"Não há alegria pública que valha uma boa alegria particular". É essa, uma das grandes frases da literatura brasileira, que dá o tom pelo qual Machado tratou a abolição. Ela pouco afetou a vida das elites, mesmo os que, como Santa Pia, eram donos de escravos. Num segundo momento, já Fidélia proprietária da fazenda ela pensa em vender a propriedade, apesar do apego dos libertos pela sinhá-moça. Um vez acertado o casamento com Tristão, os noivos decidem doar Santa Pia aos libertos para afastar as suspeitas de interesse do rapaz no casamento (mais uma sombra sobre o caráter de Tristão). 

"— Lá se foi Santa Pia para os libertos, que a receberão provavelmente com danças e com lágrimas; mas
também pode ser que esta responsabilidade nova ou primeira..." 

Essa frase incompleta encerra o assunto, demostrando o descaso da elite para com o destino dos negros após a abolição. Não era mais problema deles, nem mesmo de Fidélia, que havia "cativado" os escravos - Machado brinca aqui com os significados da palavra cativar. 
Haveria muito mais para falar dessa obra tão rica: o amor sensual do ancião Aires pela viúva, a reflexão sobre a velhice e a morte, os possíveis paralelos biográficos Aires-Machado. Mas deixo isso para os especialistas. 
O post tem por objetivo fazer justiça a um livro  menos conhecido do mestre de Cosme Velho, encoberto por sua genialidade. 

terça-feira, 19 de março de 2013

A Duquesa de Langeais

A Duquesa de Langeais (25 de janeiro de 1834) - segunda história da História dos Treze

Personagens: Antonieta de Navarreins (Duquesa de Langeais ou irmã Teresa), Armando de Montriveau, Princesa de Blamont-Chauvry, vidama de Pamiers, Duque de Navarreins, Duque de Grandlieu, Juliano, Madre.

A história se passa entre 1818 e 1823. 


Em agosto de 1832, depois de passar um mês em Angoulême em casa de Zulma Carraud, Balzac partiu em uma jornada difícil de oito dias, que lhe custou ainda um corte na perna, para Aix-les-Bains. Lá encontraria uma mulher com quem se correspondia desde o ano anterior. Era ela Claire-Clémence-Henriette-Claudine de Maillé de La Tour-Landry, a Marquesa de Castries. Ela tinha 36 anos e uma história trágica. Fora condenada ao ostracismo pelo Faubourg Saint-Germain por seu envolvimento com o filho de Metternich, o chanceler austríaco. O amante faleceu com tuberculose e Henriette sofreu um acidente que a deixou com um problema na perna. Ela era a nova paixão de Balzac e o romancista gastou o que não possuía para ir juntar-se ao seu grupo em Aix. 
Veja-se a carta que Balzac escreveu à Zulma descrevendo sua paixão:

"Tenho que ir a Aix no ducado de Savóia, correndo atrás de alguém que muito provavelmente procura me fazer de bobo. Trata-se de uma daquelas mulheres aristocráticas que você possivelmente detesta, uma daquelas beldades angelicais que a gente gosta de imaginar com um bom coração - a duquesa por excelência, muito arrogante, amorosa, sagaz, espirituosa, coquete - como nada que eu já tivesse visto! Um daqueles fenômenos dos quais restam hoje poucos exemplos. E ela diz que me ama e quer me trancar num palácio veneziano (...) e deseja que no futuro eu escreva só para ela. Uma daquelas mulheres que se deve adorar de joelhos, quando assim elas desejam, e que é um prazer conquistar".

Passou as próximas semanas tentando conquistar a marquesa. Isso envolvia, além da lábia, gravatas, camisas brancas, botas, luvas, pomadas para o cabelo vindas de Paris. Em 14 de outubro, o grupo rumou para Genebra a caminho da Itália. Tinha certeza que no país da paixão, teria seu prêmio. Mas se precipitou em Genebra. Levou a marquesa à Villa Diodatti, onde partiu para o ataque. 
A marquesa recebeu a investida entre incrédula e incomodada. Considerava Balzac um amigo divertido e lamentava que ele a tomasse por uma mulher que colecionava amantes.  Balzac, humilhado e profundamente ofendido, retornou a Paris. 
Quando escreveu a Duquesa de Langeais, essa história ainda estava viva para Balzac. Balzac descreveu o jogo de que fora vítima, reservando um fim trágico à sua algoz. 
O romance, perturbado por alguns traços de romantismo exagerado, como o convento e a intervenção Dos Treze, é primorosamente construído. 
A história começa com a chegada do Marquês de Montriveau a um convento na costa da Espanha. Ele faz parte da expedição francesa que fora ao país para restabelecer a autoridade de Fernando VII. Mas o marquês tem outro objetivo: há cinco anos procura pelo mundo sua amada que desapareceu de Paris em 1818. Ao assistir uma missa, ouve a voz de uma das freiras, da ordem das carmelitas descalças, e reconhece Antonieta de Navarreins, a antiga Duquesa de Langeais. Utilizando pressão política, Montriveau consegue uma entrevista com a irmã, que se chama agora Teresa. Na entrevista,  que é acompanhada pela Madre, Antonieta diz que não deixará o convento.
Aí Balzac recua na história. Cinco anos antes, a Duquesa de Langeais era uma das rainhas da moda do Faubourg Saint-Germain. Em um casamento de conveniências com o Duque de Langeias, que nunca aparece na história, vivia nos bailes e salões, sendo cortejada pelos elegantes. Ao ver o Marquês de Montriveau, Antonieta se interessou. Era um heroi do período napoleônico que recentemente participara de uma expedição científica pela África, o lhe conferia uma aura de sabedoria e mistério em meio à sociedade frívola de Paris. 
Antonieta decide conquistá-lo: "A Duquesa de Langeais aprendera, jovem ainda, que uma mulher pode deixar-se amar ostensivamente sem ser cúmplice do amor, sem o aprovar, sem o contentar senão com os mínimos adiantamentos do amor e mais de uma sonsa lhe revelara os meios de representar essas perigosas comédias". Contudo, Montriveau não era um dos dândis superficiais aos quais Antonieta estava acostumada. 
Os dois iniciam um duelo verbal de avanços e recuos, no qual a duquesa tenta preservar o amor de Montriveau sem se dar, e ele tenta consumar a paixão. Até que uma série de eventos, que contam com a participação da Confraria dos Treze, levam à separação definitiva dos amantes, justamente quando estão de comum acordo com respeito à paixão. 
Voltando ao convento, Montriveau tentou, com a ajuda dos confrades, resgatar Antonieta, mas encontrou a amada morta em seu claustro. 
O ponto alto do romance é o embate verbal entre Montriveau e Antonieta. 
Na verdade, Balzac apresenta pelas palavras da heroína uma reflexão bem acertada sobre a moral feminina da época, ou seja, a moral que se esperava de uma mulher honesta: "Está apaixonado, ah! eu creio! Deseja-me e me quer para amante, eis tudo. Pois bem, não, a Duquesa de Langeais não descerá até aí (...). Nada me assegura o seu amor. Fala da minha beleza, posso me tornar feia em seis meses, como a princesa minha vizinha. Está encantado com o meu espírito, com a minha graça; meu Deus, há de acostumar-se com eles como se acostumaria ao prazer. (...) Perdida, um dia não me dará outra razão de sua mudança, além das palavras decisivas: não amo mais." Outras heroínas da Comedia Humana como Lady Brandon de O Romeiral e Clara de Beauseant de A Mulher Abandonada entregaram-se e pagaram um alto preço. 
Um aspecto interessante de A Duquesa de Langeais é uma série de comentários de natureza política, que revelam um Balzac reacionário. O escritor dá uma espécie de lição aos conservadores que perdiam terreno na política: " Em lugar de deitar fora as insígnias que chocavam o povo [referindo-se aos aristocratas] e conservar secretamente a sua força, deixou aumentar a força da burguesia, agarrou-se fatalmente às insígnias, e esqueceu invariavelmente, as leis que lhe impunha a sua fraqueza numérica. Um aristocracia que se compõe apenas de um milésimo da sociedade deve, hoje em dia, como outrora, multiplicar os seus meios de ação para opor, nas grandes crises, um peso igual ao das massas populares". 
Paulo Rónai nos conta que essas manifestações eram fruto do despeito e endereçadas à Marquesa de Castries e ao seu tio, Duque de Fitz James, que era líder da oposição monarquista de Luís Felipe. Rónai comenta divertido: "Resistindo às insistências de Balzac, longe estava a marquesa de imaginar que, assim agindo, abalava o futuro do legitimismo e, portanto, da própria França". 

Dica de cinema: A belíssima adaptação para o cinema da Duquesa de Langeais de Jacques Rivette de 2007, Ne touchez pas la hache, não foi distribuída no Brasil. É extremamente fiel ao livro reproduzindo os diálogos e ambientes com maestria. O destaque é para o excelente desempenho da dupla Jeanne Balibar e Guillaume Depardieu, esse em um de seus últimos trabalhos. 
Existe outra adaptação de 1942, La Duchesse de Langeais, de Jacques de Baroncelli, com roteiro de Jean Giraudoux. Esse não consegui ver ainda. 

O episódio da vida de Balzac e a carta são de ROBB,  Graham. Balzac - uma biografia. Sâo Paulo: Cia das letras, 1995. 

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Ferragus ou o Chefe dos Devoradores

Ferragus ou o Chefe dos Devoradores (fevereiro de 1833) - primeira história da História dos Treze

Volume VIII: Estudos de Costumes - Cenas da Vida Parisiense (lido entre 12 de fevereiro de 2013 e setembro de 2015)

Personagens: Augusto de Malincourt, vidama de Pamiers, baronesa de Malincourt, Clemência Desmarets, Júlio Desmarets, Justino, Ida Gruget, Viúva Gruget, Ferragus (Henrique), Jacquet.

A história se passa na década de 1820 do século XIX. 

Ferragus é o primeiro de três episódios de História dos Treze. O que essas histórias têm em comum são "os treze", ou seja, treze indivíduos que participavam de uma espécie de confraria, estando associados para ajudar uns aos outros. No prefácio, extremamente enfadonho, Balzac menciona que esses treze homens tinham posições diferentes na sociedade, mas se encontravam unidos por uma espécie de juramento que obrigava os outros doze a auxiliar, de qualquer forma, o irmão que se encontrava com algum problema.
A época que precedeu as revoluções liberais de 1830 e 1848 foi o período áureo das sociedades secretas. Há, na Comédia Humana, referência a diversos grupos desse tipo, como os usurários em Gobseck ou os Cavalheiros da Malandragem em Um Conchego de Solteirão
Pois Ferragus é um dos membros dessa sociedade dos treze, os Devoradores. Segundo Balzac, no prefácio, Devoradores era o nome de uma das tribos de "Companheiros" oriundas da grande associação mística formada entre os obreiros da cristandade para reconstruir o Templo de Jerusalém. 
Sabemos pouco sobre ele. É idoso, já esteve nas galés e tem um filha, por quem está disposto a tudo. Quando a história começa, Ferragus está prestes a obter uma falsa identidade, a do senhor de Funcal, conde português, para poder aparecer na sociedade com a moça. Ela, Clemência Desmarets, era casada com Júlio, corretor de câmbio que enriquecera, mas que desconhecia a origem de sua esposa. 
Todavia, o barão Augusto de Malincourt, jovem aristocrata, apaixona-se por Clemência e passa a segui-la. Uma tarde a surpreende entrando numa casa suspeita e passa a investigar. Descobre então sua relações com Ferragus, que julga serem adulterinas. A partir desse momento, Augusto sofre duas tentativas de assassinato. Acaba alertando Júlio, que passa a suspeitar da esposa. 
No final, quando tudo se esclarece - Júlio descobre que Ferragus é pai de Clemência - é tarde demais. Clemência adoece e morre. E Augusto morre envenenado. Júlio, desesperado, abandona os negócios e passa a viver recluso, assim como Ferragus.
É espantoso saber, por Paulo Rónai, que essa história fez um enorme sucesso. É tediosa  e cheia artifícios que a fazem irrealista como a carta que Ferragus derruba no chão e é encontrada por Augusto, os atentados contra o barão, o casamento de Júlio com Clemência, de uma felicidade que não se encontra nem nos contos de fada (isso quando conhecemos os juízos de Balzac sobre o casamento burguês). Segundo Rónai, as fontes de Balzac aqui são o romance negro inglês e o romance popular francês, que ele utilizou como modelos na sua estreia. 
A alusão ao romantismo é explícita: Balzac dedica as três novelas da História dos Treze a Hector Berlioz, Franz Liszt e Eugène Delacroix, três expoentes do romantismo. 
Mas, apesar de não ser o melhor de Balzac, ele está lá. Veja-se essa passagem em que ele compara Paris com um ser vivo:
"Monstro completo, aliás. Suas águas-furtadas são-lhe a cabeça cheia de ciência e gênio; os primeiros andares, estômagos felizes; suas lojas, verdadeiros pés; deles saem todos os transeuntes e todos os ocupados. E que vida ativa tem o monstro! Apenas o último rodar das últimas carruagens de baile lhe cessa o coração, já os braços se agitam nas barreiras e ele se espreguiça lentamente. Todas as portas bocejam, giram sobre os gonzos, como as membranas de uma imensa lagosta, invisivelmente manobradas por trinta mil homens ou mulheres, cada um dos quais vive num espaço de seis pés quadrados, onde tem uma cozinha, um ateliê, um leito, filhos e um jardim, onde não vê claro e onde tudo deve ver." 

Na foto, vemos a nova edição da Comédia Humana que está sendo publicada desde o final de 2012 pela Biblioteca Azul, um divisão da editora Globo. Uma inciativa louvável já que a obra se encontrava esgotada dede o final da década de 1980. 










quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Ilusões Perdidas


Ilusões Perdidas (1835-1853)

Volume VII: Estudos de Costumes - Cenas da Vida Provinciana (Lido entre 16 de julho de 2011 e 19 de dezembro de 2012)

Personagens: Jerônimo Nicolau Séchard, David Séchard, Luciano Chardon ou Luciano de Rubempré, senhora Chardon, Eva Chardon, senhora de Bargeton (Maria Luísa Anais de Negrepelisse), senhor de Bargeton, Padre Niollant, barão Sixto du Châtelet, senhor Postel, Amélia de Chandour, Estanislau de Chandour, Astolfo de Saintot, Elisa de Saintot, Adriano de Bartas, Josefina de Bartas, Alexandre de Brebain, Carlota de Brebian, Conde Jaques de Sénoches, senhora Zefirina de Sénoches, Francis de Hautoy Francisca, Marquês de Pimentel, Marquesa de Pimentel, Barão e Baronesa de Rastingnac (pais de Eugênio de Rastignac), senhora du Brossard, senhorita du Brossard, Gentil, Albertina, senhora d´Espard, senhor de Marsay, Felix de Vandenesse, general Montriveau, Canalis, Eugênio de Rastignac, Estevão Losteau, Florina, Finot, Feliciano Vernout, Emílio Blondet, Nathan, Dauriat, Camusot, Corália, D´Arthez, Bianchon, Leão Giraut, Miguel Chrestien, Girondeau, Cláudio Vignon, Condessa du Montcornet, senhorita des Touches (Camilo Maupin), Fendant, Cavalier, Courtois, senhora Courtois, Cérizet, irmãos Cointet, Kolb, Marion, Pedro Petit-Claud, Vitor Doublon, reverendo Carlos Herrera. 

A história se passa entre 1819 e 1842.

Ilusões Perdidas foi a primeira obra de Balzac que li, aos 22 anos. Não sabia quase nada sobre o autor, tampouco sobre a Comédia Humana. Gostei muito do livro e foi a partir daí que nasceu a ideia de ler toda a Comédia Humana
Ilusões Perdidas é uma espécie de síntese da Comédia Humana. É só ver a galeria de personagens acima que não é exaustiva. Além disso, Balzac transita da província para Paris e de Paris para a província, com aquelas caracterizações ambientais tão tipicamente balzaquianas. 
Apesar do imenso número de personagens, Ilusões Perdidas conta a história de um único: Luciano de Rubempré. Paulo Rónai considera Luciano uma das criações mais completas de Balzac, não tanto pelo personagem  mas por representar um tipo característico de uma época: os jovens que entre 1820 e 1840 foram inspirados pelo exemplo de Napoleão Bonaparte. Datam dessa época diversas narrativas de ascensão e queda, com as de Luciano e Rastiganc ou Julien Sorel, de Stendhal. 
A obra está dividida em três partes: Os dois poetas, Um grande homem da província em Paris e Os sofrimentos do Inventor.
Em Os dois poetas conhecemos o nosso herói em seu meio, a cidade de Angoulême. Filho de um boticário falecido, Luciano sonha com a glória literária. O outro poeta é David Séchard, também personagem notável. Com tendências à invenção, David herda uma tipografia de seu pai, o avarento Jerônimo Séchard, que praticamente vende a empresa ao filho, deixando-o em sérias dificuldades. Aqui Balzac nos apresenta o mundo das tipografias, que ele conhecia muito bem, com todos os seus costumes, vocabulário e problemas. David é o melhor amigo de Luciano e ao longo do romance se casará com sua irmã, Eva. David, Eva e a senhora Chardon, mãe de Luciano, nee de Rubempré, julgam o rapaz um grande talento literário e estão dispostos a fazer sacrifícios para que ele tenha sucesso em Paris. 
Mas o primeiro sucesso de Luciano é no salão da senhora de Bargeton. Maria Luísa Anais de Negrepelisse é quase uma "irmã" de Diná Piédefer, a Musa do Departamento. Culta, educada e casada com um homem bem mais velho, ela brilha na sociedade provinciana de Angoulême. E apaixona-se pelo poeta, "belo como um deus grego". Atento à relação dos dois, está o Barão Sixto du Châtelet, há muito interessado em Luísa. 
Luísa arrisca seu casamento levando seu protegido a Paris, onde pretende introduzi-lo à sociedade através de sua parente, a Marquesa d´Espard. Inicia-se a parte mais importante da história, Um grande homem da província em Paris
Uma das melhores passagens é quando Luciano, comparando Luísa com as parisienses, dá-se conta que ela é uma provinciana, e Luísa, comparando seu amado com os dândis de Paris, percebe que ele parece mesmo o filho de um boticário de província. Logo, Luísa, incentivada pela Marquesa, percebe o equívoco e passa a ignorar Luciano. É esse desprezo que motiva Luciano a vencer na cidade grande. Nesse ponto, ele encontra nosso já conhecido Estevão Lousteau (de Beatriz, Um Conchego de Solteirão e Musa do Departamento), jornalista em Paris. Aqui Balzac nos apresenta aos primórdios do jornalismo, nas palavras de Rónai "o escritor pegou in statu nascendi uma das instituições essenciais do século XIX, quando ninguém lhe percebia ainda a importância transcendental". Balzac era um crítico feroz da imprensa e se gabava de não dever favores a jornalistas. E a crítica que faz ao jornalismo em Ilusões Perdidas é deliberada.
"Os costumes do Jornal constituem um desses assuntos imensos que exigem mais de um livro e de um prefácio. Aqui o autor pintou os começos da doença que atingiu nos dias de hoje o seu completo desenvolvimento. Em 1821, o Jornal encontrava-se em suas vestes de inocência comparado com o que é em 1839. Se, porém, o autor não pode abraçar a chaga em toda a extensão, tê-la-á, pelo menos, enfrentado sem medo" (Balzac no prefácio da primeira edição de Um grande homem da província em Paris). 
Luciano mergulha, então, no mundo dos jornalistas, que negociam artigos, entradas para os teatros, atrizes. Aqui o mundo do jornal encontra-se com o mundo das editoras, dos teatros, enfim, "do dinheiro agindo desavergonhada e impiedosamente". O poeta torna-se amante de uma jovem atriz, Corália, passa a escrever artigos sob encomenda, consegue publicar seus livros, As boninas e O archeiro de Carlos IX, passa a se vestir na última moda parisiense e andar em companhia  de Emílio Blondet, de Nathan, de  Felix de Vandenesse, enfim, dos homens da moda. 
A advertência vem de Daniel D´Arthez, o escritor devotado ao seu ideal, que recusa a vender sua pena em troca de glória. Segundo Stefan Zweig, Luciano e D´Arthez formam um par que encerra a dupla natureza de Balzac: "Nessa obra Balzac apresenta em duas personagens o que será ou poderá ser um escritor se este persistir rigorosa e fielmente em si e em sua obra ou se ceder à tentação de uma celebridade rápida e indigna. Luciano de Rubempré é seu perigo mais íntimo, e Daniel D´Arthez, o seu mais íntimo ideal. Balzac conhece a duplicidade de sua natureza, sabe que nele existe latente um escritor que inviolavelmente aspira ao máximo, recusa a si toda a concessão, repele todo o acordo e está inteiramente só no meio da sociedade. Mas igualmente reconhece a sua segunda natureza, reconhece em si o folgazão, o pródigo, o aristocrata,  o escravo do dinheiro, o indivíduo que constantemente incorre nas seduções do luxo". 
Mas Luciano prossegue e consegue chamar a atenção de Luísa, que promete conseguir junto ao rei que Luciano possa adotar o nome nobre de sua mãe. Mas tudo dá errado. Luciano faz uma aposta política equivocada, Corália cai em desgraça no teatro, adoece a acaba morrendo, os pretensos amigos jornalistas o abandonam e ele se vê obrigado a voltar incógnito para a província. 
Na terceira parte, Os sofrimentos do Inventor, é David Séchard o personagem principal. Aqui Balzac explora mais um aspecto de sua personalidade, a de inventor desastrado. David lutava com dificuldades para manter a sua tipografia, antiquada em comparação com as outras da época, e tentava descobrir uma fórmula para fabricar papel branco mais barato. Balzac explica em detalhes as suas experiências. Ao mesmo tempo, os inescrupulosos irmãos Cointet, tipógrafos concorrentes de David, fazem de tudo para roubar suas descobertas e para dificultar a sua vida. Balzac aqui envereda para o direito comercial, narrando com minúcias o protesto de uma letra. 
Luciano, derrotado, é ainda assim homenageado pelos seus conterrâneos. Volta e encontrar Luísa, agora casada com Sixto du Châtelet, que tornou-se prefeito de Charente. Mas, acaba, por um golpe do traidor Cérizet, empregado de David, sendo responsável pela prisão do cunhado. 
No final, David é libertado, abandona as invenções, e com a herança recebida do pai, passa a ter uma vida tranquila com Eva a os filhos. 
Luciano vai embora arrasado de Angoulême e encontra em seu caminho o misterioso reverendo espanhol Carlos Herrera.
Paulo Rónai considera Ilusões Perdidas o mais balzaquiano dos romances da Comédia Humana e aponta que ele foi subestimado  pelos contemporâneos do escritor, pelo fato de Balzac ter, como era seu costume, apresentado várias versões da obra: "Aparecem, pois, nesse livro imenso, quase todos os ambientes de Balzac, e não é pouco. Quase todos os assuntos também: a ambição; a monomania; o amor sob várias formas (o da mulher madura ao adolescente, o da cortesã ao rapaz bonito, o da esposa ao marido); as lutas do gênio com o ambiente; a conspiração da sociedade contra o indivíduo saído de sua esfera; as alegrias e as misérias da glória; a luta de gerações; a vingança do amor-próprio ferido; o grande tema de Paris; a chaga enorme devorando a França...".