domingo, 19 de dezembro de 2021

Os comediantes sem o saberem

Os comediantes sem o saberem (novembro de 1845)

Volume XI: Estudos de Costumes: Cenas da Vida Parisiense

Personagens: Léon de Lora (Mistigris de Uma estreia na vida), Silvestre Palfox-Castel-Gazonal, Bixiou, Claúdio Vignon, Massol, Carabina (Serafina Sinet), Teodoro Gaillard (gerente de jornal), Suzana Gaillard, Fromenteau (cobrador de dívidas), Vital (fabricante de chapéus, sucessor de Finot, sra. Nourrison (espécie de "banco" para mulheres, Jacqueline Collin de  Esplendores e Misérias das Cortesãs),, sra. Mahuchet (sapateira de mulheres), Revenouillet (porteiro), Vavinet (usurário), Ridal, Jenny Cadine, Marius V (Mougin, cabeleireiro), Régulo (auxiliar de Marius), Dubourdieu (pintor, fourierista), sra. Fontaine (cartomante), Publícola Masson (pedicuro, republicano radical), Conde de Rastignac, Máximo de Trailles, Canalis, Giraud. Du Tillet, Nuncigen, Du Bruel, Málaga. 
Vital e Gazonal

A história se passa em 1845. 

Os Comediantes sem os saberem é uma viagem de descoberta a Paris, na qual o pintor León de Lora e cartunista Bixiou apresentam à cidade ao primo de Lora, Gazonal. O primo, da região dos Pirineus orientais, dirige uma manufatura de tecido na província. Está em Paris em razão de um processo contra a prefeitura de sua cidade que foi transferido à jurisdição do Conselho de Estado. Está desesperançado quando procura Léon. 

Pois León de Lora e Bixiou, sabendo que quem preside a sessão onde se encontra o processo é Massol e o que o relator é Cláudio Vignon, prometem que a decisão será favorável a Gazonal, desde que eles compareçam a uma festa logo mais à noite na casa da cortesã Carabina. Mas até lá, eles querem apresentar Parais a Gazonal. 

Então desfilam pelas páginas da Comédia Humana vários tipos pitorescos: Fromenteau, que cobra dívidas de todas as formas possíveis, Vital, fabricante de chapéus, a sra. Nourrison, que socorre com dinheiro as mulheres necessitadas,  Revenouillet, o porteiro que agencia dinheiro, Vavinet, o usurário elegante, Marius, o cabeleireiro empreendedor, Dubourdieu, o artista fourierista, a sinistra cartomante Fontaine, com sua galinha preta e seu sapo Astarot, o pedicuro Masson, defensor do terror revolucionário. 

No final, utilizando caminhos não administrativos ou judicias, Gazonal ganha seu processo. 

É um texto rápido, uma espécie de galeria de personagens. Repetindo Paulo Rónai na Introdução, é em Os Comediantes sem o Saberem que Balzac dá, na voz de Bixiou, sua famosa definição de Paris: "um instrumento que é preciso saber tocar". Os cicerones dão uma lição de como "tocar" Paris a Gazonal. Nós que nos divertimos. 


Sra, de Nourrison

Imagens: Oeuvres illustrées de Balzac, 1851-1853. https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k116911k/f232.item Acesso em 19 de dezembro de 2021. 

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Os funcionários

Os funcionários (julho de 1836)

Volume XI: Estudos de Costumes: Cenas da Vida Parisiense

Personagens: Xavier Rabourdin, Celestina Rabourdin (née Leprince), Clemente Chardin des Lupleaux, Atanásio João Francisco Miguel de La Billardière (barão Flamet de La Billardière) , sr. Saillard, sra. Saillard (née Bidaut), Isidoro Baudoyer, Isabel Baudoyer (née Saillard), sr. e sra. Badouyer (pais de Isisdoro), Padre Gaudron, Martinho Falleix, srta. Baudoyer, sr. Sorbier (tabelião, predecessor de Cardot), Gigonnet (agiota), Werbrust, Gobseck, sr. Mitral (tio de Isidoro, irmão da mãe dele), Sebastião de La Roche (extranumerário), sra. de La Roche (mãe de Sebastião), Du Bruel (autor teatral, também conhecido como Cursy, amante de Túlia que era também amante do duque de Rhétoré, subchefe), Benjamin de La Billardière, Ernesto de La Brière (secretário particular do ministro), Antônio (contínuo das repartições), Lourenço (contínuo dos dois chefes, sobrinho de Antônio), Gabriel (contínuo do diretor, sobrinho de Antônio), sr. Dutocq (oficial de gabinete da repartição de Rabourdin, sucessor do sr. Poiret). José Godard (subchefe de Rabourdin, primo de Mitral pelo lado materno, aspirante à mão da srta. Baudoyer,) Phellion (escriturário do gabinete de Rabourdin, dois filhos, uma filha e esposa leciona piano no internato das srtas. La Grave, ele também leciona história e geografia no internato), Adolfo Vimeaux (amanuense que gastava para se vestir bem), Bixiou (desenhista, da divisão Baudoyer), Augusto João Francisco Minard (amanuense), sra. Minard (Zélia Lorain), Colleville (primeiro oficial da repartição Baudoyer, primeiro clarinete da ópera cômica, fã de anagramas), Flávia Minoret (esposa de Colleville), Thuillier (primeiro oficial da repartição Rabourdin), srta. Thuillier (irmã de Thuillier), Chazelle, Paulmier, Poiret Jr. (irmão de Poiret sênior, organizava a coleção de jornais e escriturava livros em duas casas comerciais, tinha um diário), Fleury (ex capitão de regimento no período napoleônico, tinha opiniões de centro esquerda, fugia dos credores), Desroys (discreto, republicano em segredo), Marquesa d' Espard, ministro e esposa do ministro, um deputado, sr, Clergeau. 

A história se passa entre  1820 e 1825. 

A enorme lista de personagens já mostra como esse romance, pouco conhecido e comentado, é desafiador para o leitor de Balzac. No início, já cito o meu "guia", Paulo Rónai, que na introdução de "Os Funcionários" repete, ao comentar a ausência do título em textos e críticas: "E no entanto, trata-se de autêntica obra-prima que por si só bastaria a gravar o nome do autor na história das letras francesas: Balzac é assim, muitas vezes prejudicado pela sua própria riqueza: alguns livros seus de uma perfeição poderosa relegam ao desconhecimento outros, talvez não isentos de defeitos mas decerto cheios de belezas" (RÓNAI, 1991, p. 99).  

Conta-se a história e Xavier Rabourdin, chefe de gabinete em um importante ministério, que teve sua promoção a chefe de divisão preterida pelo sr. de La Billardière, "homem incapaz". Rabourdin, raríssimo homem de Estado, dedicou-se a planejar uma reforma do sistema administrativo francês. Reforma detalhada por Balzac, que envolvia a redução dos ministérios a três, e a diminuição do número de funcionários para cinco mil, com o aumento de seus salários. Entendemos que a burocracia é filha do governo constitucional pois os ministros "obrigados a obedecer aos príncipes ou às Câmaras, que lhe impõem a admissão de novos empregados, e forçados a conservar os que têm, (...) diminuíam os salários e aumentavam o número de empregos, pensando que, quanto mais gente fosse empregada pelo governo, mais este seria forte" (BALZAC, 1991, p. 114). Balzac chama esse sistema de ministerialismo, com o funcionário se comportando com o governo "como uma cortesã com um amante velho. Dava-lhe trabalho correspondente ao dinheiro que recebia" (BALZAC, 1991, p. 114). 

O funcionário público "ocupado unicamente em se manter, em receber seus ordenados e alcançar sua aposentadoria, (...) achava que tudo era permitido para alcançar esse resultado. Esse estado de coisas acarretava o servilismo do funcionário, engendrava intrigas perpétuas no seio dos ministérios, onde os empregados pobres lutavam contra uma aristocracia degenerada que vinha pastar nas terras comunais da burguesia, exigindo postos para seus filhos arruinados. (...) Não restavam ou não vinham senão preguiçosos, incapazes ou tolos. Assim, se estabelecia lentamente a mediocridade da administração francesa" (p. 116). Rabourdin foi além, planejando também uma reforma das finanças, com a taxação do consumo em massa em vez da propriedade, com a receita do imposto vindo de uma única lista composta de diversos artigos. 

Discordo muito do romancista inglês, Arnold Bennett, citado na Introdução por Rónai  quando diz que "o começo de Os Funcionários é terrível" e "aí a gente vê que Balzac não entendia do assunto." Talvez por ser historiadora, achei o começo do romance muito interessante (lembremos que Balzac se dizia "historiador de costumes"). Ele expõe o fortalecimento da burocracia no contexto da formação de uma democracia liberal. Ao lado da nascente soberania nacional persiste a soberania monárquica, e  a aristocracia decadente disputa espaço e dinheiro com a nova burguesia. Mas além de historiadora, sou servidora pública. E é grande a atualidade das discussões de Balzac sobre o dia a dia do serviço público. Nos "funcionários" apresentados na segunda parte do romance (do elenco de funcionários poderiam sair inúmeras obras, incrível a prolificidade de Balzac!), reconhecemos muitas figuras das nossas repartições: o preguiçoso, o apadrinhado, o fofoqueiro, o certinho, o piadista, estão todos lá. 

A trama ocorre a partir da morte de La Billardière e a vacância de seu cargo. Rabourdin era o candidato natural. Mas no seu caminho se encontra o medíocre Isidoro Baudoyer, o outro chefe de gabinete. Ao lado de Baudoyer, está o clero, com poder restaurado pela ascensão de Carlos X, os agiotas, que manipulam as dívidas do secretário-geral Des Lupleaux, e vários funcionários desejosos de um chefe que mantivesse tudo como estava. A "fritura" de Rabourdin ocorreu a partir da divulgação de seu relatório para a reforma, no qual, além do número de funcionários que seriam demitidos, havia apreciação do desempenho de vários, inclusive de Des Lupleaux.  Mas havia ainda uma esperança para a promoção de Rabourdin: a paixão do secretário-geral, "remanescente de um homem bonito", por Celestina Rabourdin. "Os primeiros cabelos brancos trazem consigo as últimas paixões, as mais violentas, por estarem a cavaleiro de uma potência que se vai e de uma fraqueza que se inicia" (BALZAC, 1991, p. 148). Mas Celestina, mulher superior (o primeiro título  de "Os Funcionários" era "A mulher superior") e ambiciosa, por quem o responsável marido gastava mais do que ganhava, se manteve virtuosa, não concedendo seus favores a Des Lupleaux, o que selou o destino de Rabourdin. 

O final infeliz, tipicamente balzaquiano, ocorre com a promoção de Baudoyer a chefe de divisão e a demissão voluntária de Rabourdin. 

Impressionantes os diálogos da parte do romance que se passa na repartição, que é toda dialogada. Rónai nos diz que são superiores a todos os diálogos das peças que Balzac escreveu e que não deram certo. Dariam um bela e engraçada peça de teatro, no estilo de "O Inspetor Geral" de Gogol. 

Em "Os funcionários" Balzac nos presenteia com o quadro de nascimento da burocracia estatal contemporânea e dos ajustes sociais feitos pela chegada do capitalismo no final do século XVIII. Mas, para além da análise histórica, é um livro divertido. Torcemos por Rabourdin, mesmo sabendo que ele perderá no final, como quase todos os "bons" do mundo balzaquiano. 


Imagem retirada de: Alcide Théophile Robaudi. Honoré de Balzac, The Civil Service. Philadelphia: Gebbie Publishing Co., 1899. 
https://fr.wikipedia.org/wiki/Les_Employ%C3%A9s_ou_la_Femme_sup%C3%A9rieure. Acesso em 14 de dezembro de 2021. 




terça-feira, 30 de março de 2021

Gaudissart II

 Gaudissart II (novembro de 1844)


Volume XI: Estudos de Costumes: Cenas da Vida Parisiense

Personagens: gerente de loja (Gaudissart II), Du Ronceret, Bixiou, uma inglesa.

Quando comecei a escrever esse post, cometi um ato falho que resume esse curtíssimo texto (Balzac o chama de "pequeno vaudeville") . Em vez de "estudos de costumes", escrevi "estudos de consumo". Gaudissard II é sobre isso: a sociedade de consumo que se estabeleceu na França no século XIX com centro em Paris. 

O texto mostra as manobras dos caixeiros e vendedores, alguns donos de lojas muito ricos, para vender seus produtos a uma clientela variada, predominantemente de mulheres (embora muitos homens, Balzac inclusive, sejam muito consumistas). Eles são sucessores do nosso já conhecido Ilustre Gaudissart. Portanto, todos são Gaudissart II. 

Um desses Gaudissart consegue vender um xale, que vale muito menos do que o cobrado,  a uma reclacitrante inglesa, utilizando a psicologia típica dos vendedores. 

Referência da ilustração. Honoré de Balzac. Gaudissart II. Philadelphia: Gebbie Publishing Co., 1899.

Um príncipe da boêmia

Um príncipe da boêmia (1839-1845)

Volume XI: Estudos de Costumes - Cenas da Vida Parisiense

Personagens principais: sra. de Baudraye (Diná Piédefer), Marquesa de Rochefide (Beatriz), Nathan, Carlos Eduardo Rusticoli (Conde de la Palférine), Claudina du Bruel  (Túlia),  Du Bruel (De Cursy), Bianchon, Lousteau. 

A história se passa entre 1834 e 1837. 

Paulo Rónai nos diz, na introdução de Um príncipe da boêmia, que a história é confusa e a leitura, árdua. Pois, discordo. Achei a leitura muito agradável. Se sabemos que se trata da história do romance do Conde de la Palférine com Claudina/Túlia contada por Nathan à Marquesa de Rochefide e escrita pela sra. de Baudraye, não há confusão (!). 

Lembremos que  a sra. de Baudraye é Diná Piédefer, a Musa do Departamento. Ela está em Paris vivendo com Estevão Lousteau em dificuldades financeiras. E pede a Nathan que lhe dê algum trabalho literário. O resultado é Um Príncipe da boêmia. E a amante de Nathan, Marquesa de Rochefide, é Beatriz

Conhecemos a história de amor não correspondido de Claudina pelo nobre empobrecido Carlos Eduardo Rusticoli, De la Palférine. Famoso pelos chistes e por não pagar dívidas, Carlos Eduardo torna-se amante de Claudina. Ela é a mais dedicada das mulheres: faz todas as vontades do amante, aparece nos horários por ele determinados, escreve longas cartas de amor. Tudo o que ela houve do amado é "És uma boa rapariga". Então sabemos que Claudina é a dançarina Túlia, que se aposentou dos palcos em 1829 para tornar-se a senhora Du Bruel. Du Bruel é o nome verdadeiro do dramaturgo De Cursy. Depois de vários anos trabalhando com Túlia no teatro, a desposou. O casamento não foi anunciado. Túlia rompeu sua ligações mundanas e se reinventou como uma burguesa casada e respeitável. Então, Túlia/Claudina apaixonou-se pelo frívolo Carlos Eduardo De la Palférine. Cansado da amante, apesar dela se submeter a todos os seus caprichos, o rapaz colocou uma condição: "Deves ter uma carruagem, lacaios, uma libré". Pois a obstinada Claudina cumpriu as condições em três anos. No final, ela se apresenta a Carlos Eduardo com tudo o que ele demandou. O desenlace: o interesse da Marquesa de Rochefide pelo frívolo nobre. 

Não é um grande texto literário, mas é uma leitura agradável. 

Dois pontos interessantes. A obstinação de Claudina com o amor não correspondido que Paulo Rónai considera um estudo de psicologia. Persistir em algo tão penoso se transforma em uma verdadeira missão de vida. Podemos, inclusive, imaginar que, caso o rapaz cedesse e se mostrasse apaixonado, o interesse de Claudina declinaria. 

Mais instigantes são os sinais trocados nas relações Carlos Eduardo/Claudina e Du Bruel/Claudina. No casamento, ela está no comando e submete o atordoado marido aos seus caprichos. Não somente isso. Ela manobra a carreira de Du Bruel, que se torna par de França e conde. Um homem que teria de contentado em permanecer como autor de vaudevilles de qualidade duvidosa e frequentador da boêmia parisiense. Ou seja, há aspectos psicológicos nessa novela que recomendam muito  a sua leitura. 

Referência da ilustração. Honoré de Balzac. A prince of Bohemia and other stories. Philadelphia: Gebbie Publishing Co. 1899. 


terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Um homem de negócios

Um homem de negócios (Paris, 1845)

Volume XI: Estudos de Costumes - Cenas da Vida Parisiense (lido entre 16 de fevereiro de 2021 e 26 de março de 2022)

Personagens principais: Margarida Turquet (Málaga), Cardot, Desroches, Bixiou, Nathan, Lousteau, La Palférine, Máximo de Trailles, Claparon, Cérizet, sra. Chocardelle (Antonia), Ida Bonamy, Croizeau, sr. Denisard (Cérizet), Hortênsia, Nuncingen. 

A história se passa em algum momento entre 1840 e 1845.

Maxime Dastugue. Retrato de Balzac (1886), Museu de Versalhes

Um homem de negócios é um conto ao estilo de história dentro da história, como Gobseck e Outro Estudo de Mulher. Um grupo de personagens conhecidos da Comédia Humana se encontra na casa da cortesã ou lourette Málaga, amante do tabelião Cardot. Desroches conta a disputa entre Máximo de Trailles e Cérizet, devedor e credor. Cérizet se faz passar por um diretor de aduana, Denisard, para cobrar uma dívida de Máximo de Trailles. O mulherengo, bon vivant e devedor inveterado, De Trailles, está na faixa dos cinquenta anos. Já o encontramos em Gobseck e O Pai Goriot, sempre explorando e arruinando mulheres.
 

Lembremos que Balzac vivia devendo dinheiro e conhecia todas as manhas do assunto. O tema desse pequeno texto, o dinheiro, é também uma dos temas da vida do nosso mestre. 


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

O Primo Pons

O Primo Pons (julho de 1846-maio de 1847) - Os Parentes Pobres

Volume X: Estudos de Costumes - Cenas da Vida Parisiense (lido entre 25 de junho de 2020 e 10 de fevereiro de 2021 )
 
Personagens principais: Silvano Pons, Schmucke, sra. Cibot, sr. Cibot, Gaudissart, sr. Camusot de Merville (presidente da Câmara na corte real de Paris) , sra. Camusot-Merville (presidenta), srta. Cecília Camusot, Madalena Vivet (criada da presidenta), Rémonencq, sra. Fontaine (cartomante), Wilhelm Schwab (flautista da orquestra), Heloísa Brisetout (bailarina), Fritz Brunner, Berthier (tabelião), dr. Poulain, Elias Magus, Fraisier, sr. Leboeuf, Trognon (tabelião), Leopoldo Hannequin (tabelião), sr. Tabareau (tabelião), vigário Duplanty, sra. Sauvage, sra. Cantinet, corretor da casa Sonet, Villemot (primeiro escrevente de Tabareau), Topinard, sra. Topinard (Lolotte), Vitel (juiz de paz).



A história se passa entre outubro de 1844 e 1846.

Imagem de Théophile Robaudi

Aqui vou ter a ousadia de discordar de Paulo Rónai. Ele prefere O Primo Pons. Eu prefiro A Prima Bete. Rónai destaca a conexão do segundo com o resto da Comédia Humana, considerando que "representa como que o fecho da abóbada de todo o edifício". De fato, há desfechos e entreatos para diversos personagens. Mas isso, em alguns momentos, deixa a história confusa. Sem falar que se confirma a falta de vocação de Balzac para criar a bondade. Pons e Schmucke são menos interessantes que a Cibot e Fraisier. 
Os músicos, Pons e Schmucke, trabalhavam juntos em um teatro popular, administrado por nosso já conhecido Gaudissart. Talentos medíocres e já na terceira idade, resolveram dividir a solidão morando juntos. Mas Pons, que chegou a ensaiar uma carreira promissora no período do Diretório, tinha duas paixões maiores que a música: a boa comida e as obras de arte. São elas que impulsionam a ação. 
Com seu modesto salário e com o hábito dispendioso de adquirir obras de arte, Pons fila jantares na casa de parentes melhor aquinhoados. Uma dessas casas é a da presidenta Camusot de Merville, sua prima distante. Com frequência é humilhado pelos empregados, pela parenta e por sua filha, mas releva para não abrir mão da boa mesa. Querendo agradar a família Camusot, arranja um bom partido para a jovem Cecília Camusot, o alemão Fritz Brunner. O casamento não se concretiza e Pons cai em desgraça, sendo afastado e difamado pelos parentes ricos. 
Aí entra a personagem mais importante da obra, que não está na lista do início: a coleção. Pons, ao longo da vida, acumulou um verdadeiro museu, que ficava em duas salas do seu apartamento. Quadros, esculturas, objetos decorativos, belas molduras. A vida discreta que levava fazia com que a maioria das pessoas desconhecesse a coleção e, principalmente, seu valor. Aqui, um dado biográfico. Balzac, em seus últimos anos, se entregou ao colecionismo como se entregava a tudo na vida, sem limites. Os resultados foram muitas dívidas e alguns logros, compra de peças falsas ou de objetos de pouco valor a ele empurrado como valiosos. Zwieg comenta que, quem lê as cartas de Balzac desse período, sem saber quem ele era, vai julgar tratar-se de um colecionador ou comerciante de artes, pois há mais referências a isso do que à literatura. Assim, na coleção de Pons, há muitos quadros que eram de Balzac. 
Pons adoece e incia a trama pérfida da porteira Cibot, do advogado picareta e desonesto Fraisier e da presidenta para roubar a herança do músico, que deveria ficar para Schmucke. Quem conhece Balzac pode adivinhar que o conluio deu certo. Pons morreu e a coleção ficou com Camusot-Merville. Fraisier obteve um cargo público e a Cibot, uma boa quantia em dinheiro. O pobre Schmucke teve que sair do apartamento e contou somente com a ajuda de Topinard, empregado do teatro, o único que se preocupava com os dois quebra-nozes, como os dois velhos amigos eram conhecidos. O pianista Schmucke não viveu muito mais do que o companheiro. 
Um dos pontos interessantes é a indústria da morte na Paris do século XIX. Todo um conjunto de pessoas, funcionários, tabeliães, advogados, marmoreiros, cocheiros, mestres de cerimônias, cujo sustento depende da morte e que infestam os primeiros momentos da perda de um ente querido. São tantos tabeliães que fiquei confusa e tive de fazer uma lista. 
Enfim, é um bom romance, é bem escrito, foi o último trabalho totalmente escrito por Balzac. Mas não tem a vibração da Prima Bete, que largamos tudo para não parar de ler. Questão de "gosto pessoal", como diz o mestre Paulo Rónai. 

A imagem é de Honoré de Balzac. Cousin Pons. Philadelphia: George Barrie & Son, 1897. 



sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

A Prima Bete

A Prima Bete (dezembro de 1846) - Os Parentes Pobres
Volume X: Estudos de Costumes - Cenas da Vida Parisiense (lido entre 25 de junho de 2020 e 10 de fevereiro de 2021 )

Barão e baronesa de Hulot (Ágata) 
Personagens principais: Barão Heitor Hulot d´Ervy, baronesa Adelina Hulot, Hortênsia Hulot, Vitorino Hulot, Celestino Crevel, Celestina Hulot (neé Crevel),  general Hulot (conde de Forzheim), Lisbeth Fischer, Josefa Mirah, Jenny Cadine, André Fischer (pai de Adelina), Johann Fischer, Marechal Cottin (príncipe de Wissemburgo), Venceslau Steinbock, Valéria Marneffe, sr. João Paulo Stanislas Marneffe, duque d` Hérouville, sr. Remannivet, Stidmann, barão de Nuncingen, barão Henrique Montès de Montejanos. Cláudio Vignon, Ágata Piquetard . 


A história se passa entre o período napoleônico e fevereiro de 1846

Ler A Prima Bete suscita o espanto que nos causa os grandes romances de Balzac. Como ele conseguiu escrever uma história com tantos personagens, diversas tramas paralelas, em poucos meses, concomitantemente com outros textos? O livro foi escrito entre junho e novembro de 1846 e foi o primeiro texto totalmente original escrito por ele desde 1843. 
Eu tenho um ranking pessoal que categoriza os romances da Comédia segundo o meu gosto, à medida que vou lendo. A Prima Bete passou para o primeiro lugar. Minha impressão foi tão forte que pausei a minha leitura, terminada em julho de 2020, para ler simultaneamente duas biografias de Balzac: a de Graham Robb (Companhia das Letras, 1985) e a clássica, de Stefan Sweig (Editora Guanabara, 1951). Já lera a de Robb, mas estava então no começo do meu projeto de ler e escrever sobre toda a Comédia Humana, e não aproveitei a leitura como deveria. Em outro momento falarei mais das biografias. 
O romance tem três personagens principais: Lisbeth Fischer, a vingativa prima Bete; o barão Heitor de Hulot, o simpático ancião libertino; e Valéria Marneffe, a bela de classe média baixa, que se vende a quem der mais. A trama gira em torno da vingança de Bete -  prima de Adelina Hulot, a  baronesa -  da parenta, melhor aquinhoada com beleza e fortuna e, de sua família. A família Hulot prosperou no período do Império, mas se encontrava em decadência sob Luís Felipe, muito em função dos gastos do barão com suas conquistas amorosas. 
No início da trama, em uma abertura balzaquiana típica, o rico burguês Crevel, visita a pudica baronesa Adelina e propõe se casar com Hortênsia e salvar a família de ruína, se a baronesa se entregasse a ele. Aqui, mais uma vingança: Heitor roubara a amante de Crevel. Adelina, talvez a personagem menos interessante da trama, suas bondade e virtude excessivas são pouco críveis, o expulsa horrorizada. 
Logo, Bete conhece Venceslau Steinbock, escultor polonês, que, apesar da ascendência nobre vive na miséria. A diligente Bete se apaixona pela beleza e pela aura artística do rapaz e se propõe a financiá-lo e ajudá-lo na carreira, com futuras intenções. Mas o indolente Venceslau - sobre ele Balzac "formula as grandes leis do trabalho artístico" (Paulo Rónai) - conhece, se apaixona e se casa com Hortênsia. Diante desse revés, que se soma aos ressentimentos e humilhações de toda uma vida, Bete incia seu plano de vingança. Utilizando a vizinha, a terrível e sedutora Valéria Marneffe, e as fraquezas de suas vítimas, Bette se vinga da família Hulot em grande estilo. 
Valéria Marneffe
Não é possível reproduzir aqui a complexa trama. Destacarei dois aspectos.
Bete é uma das solteironas de Balzac e já sabemos que ele detestava solteirões. Ela termina mal, mas sua maldade não é descoberta pelos Hulots, que choram a sua morte. Mas Bete é filha de Balzac no sentido em que compartilha com ele a obstinação e a tenacidade. Essa mesma força levou Balzac a produzir o que produziu em sua carreira, a grandiosidade do plano da Comédia Humana, as noites em claro desenhando esse mundo de ficção. Em certo momento, a vingança de Bete parece não fazer mais sentido, mas mesmo assim ela persiste. Quantas vezes Balzac se prejudicou na vida por causa de sua perseverança em certas atitudes? Um traço que um psiquiatra hoje classificaria como obsessivo e que aparece em  outros personagens da Comédia, mas se destaca em Bete (e também nessa humilde leitora, talvez seja por isso a minha  "obsessão"pela a Comédia Humana). 

Outro ponto é a nostalgia do mundo perdido do Império. A Comédia Humana retrata o mundo da Restauração. Balzac era, politicamente, um conservador monarquista. Mas em A Prima Bete, a integridade se localiza nos valores republicanos do período napoleônico. O general Hulot e o príncipe de Wissemburgo são a reserva de caráter nesse romance cheio de vícios. Até o barão, que comete até crimes, não o faz pela mesquinharia do dinheiro, mas pela paixão incontrolável por mulheres jovens e bonitas. 
Balzac sabia que escreveu "uma grande obra-prima, que se destaca entre os meus melhores trabalhos". Zweig considera A Prima Bete, juntamente com O Primo Pons, as maiores produções de Balzac. 
"No auge de sua vida atinge Balzac nelas o nível mais alto de sua arte. Nunca a sua visão foi mais clara, a sua mão mais criadora, mais firme e mais irreverente. (...) Foram escritos por um homem a quem nada mais fascina, a quem nada mais impressiona, para quem nem os êxitos exteriores, para quem nem o luxo, nem a elegância significam alguma coisa. (...) Nesses últimos romances foi alcançado um realismo, uma veracidade do sentimentos, uma dissecação das paixões, que nunca mais foram ultrapassados na literatura francesa" (Zweig, 1951, p. 404-405). 
Exageros à parte, pois ainda teremos Proust. A Prima Bete é uma leitura vibrante e apaixonante. Tem um ritmo teatral e algumas cenas muito engraçadas, como a em que cinco homens diferentes - o barão, Crevel, Vensceslau, João Paulo Marneffe e o barão de Montejamos - à mesa de um  jantar, creem, todos vaidosos, serem pais do filho que Valéria espera. E termina com uma nota de amargura, quando a boa Adelina, depois de perdoar o marido e resgatá-lo da desgraça social, vê uma luz no quarto da empregada: era o barão com a nova ajudante de cozinha, Ágata. Adelina houve a conversa: "Minha mulher não viverá mais muito tempo, e, se quiseres, poderá ser baronesa.". Adelina morreu três dias depois e Hulot casou-se com Ágata Piquetard em 1º de fevereiro de 1846. 
Pois vamos ao Primo Pons. 

A prima Bete cuidando de Venceslau


As duas primeiras imagens são de: 

Oeuvres Completes de Honore de Balzac Vol. 17: Etudes de Moeurs: Scenes de la Vie Parisienne, V: Les Parents Pauvres: 1. La Cousine Bette. New York: Brentano's Libraries, 1914. p. 497. 

A terceira imagem é de: 

Georges Cain - Honoré de Balzac, Cousin Bette. Philadelphia: George Barrie & Son, 1897.