segunda-feira, 20 de julho de 2015

César Birotteau

A História da grandeza e da decadência de César Birotteau, perfumista, adjunto do Maire do segundo distrito de Paris, cavaleiro da Legião de Honra, etc (escrito em novembro de 1837)

Personagens: César Birotteau, Constança  Birotteau,  Cesarina, Alexandre Crotat (Xandrot), Cláudio José Pilleraut, Anselmo Popinot, sr. e sra. Ragon, Ferdinando Du Tillet, sr. e sra. Roguin, Sara Gobseck (A Bela Holandesa), Carlos Claparon, João Batista Molinaux, sr. Grindot (arquiteto), sra. Madou, sr. Vauquelin, Celestino, Gaudissart, Androche Finot, sr. Lourdois, Francisco  Birotteau, Cayron (comerciante de guarda chuvas), José Lesbas, Francisco Keller, Adolfo Keller, Padre Loraux. 

A história se passa entre 1819 e 1823.

Em uma carta para a escritora Margarete Harkness, escrita em abril de 1888, Friedrich Engels declarou que aprendera mais com Balzac do com todos os historiadores, economistas e estatísticos a respeito do nascimento da sociedade burguesa. Essa observação parece digrida especialmente a César Birotteau, que Paulo Rónai qualifica como um dos romances balzaquianos mais perfeitos. A "burguesia" termo do qual nós, professores de história, abusamos nas aulas, caracteriza algo fluido no tempo e no espaço. Um burguês na França de Balzac não é o mesmo que um burguês no Brasil de hoje. Mas o uso do mesmo termo aproxima e confunde a percepção. Pois Balzac nós dá o burgês de carne e osso, com nome, sobrenome, gostos, conceitos e preconceitos. Assistimos a nova classe tomar conta das relações sociais da França da Restauração, enquanto as demais classes e grupos se acomodam como é possível. 
Nosso burguês se chama César Birotteau. De origem camponesa (é irmão de Francisco Birotteau, o nosso Cura de Tours), foi para Paris aos catorze anos trabalhar como caixeiro na casa dos senhores Ragon, comerciantes de perfumes. Trazia somente seus pobres pertences pessoais e a disposição para o trabalho duro. Apesar do temperamento pacato, envolveu-se na conspiração de 13 vendemiário contra a Convenção, tendo a honra de lutar com Napoleão nas escadarias da Igreja de São Roque. "Se o ajudante de campo de Barras (Napoleão), saiu da obscuridade, Birotteau foi salvo por ela". Acabou esquecido e não foi punido. 
Assumiu a perfumaria dos Ragon e desposou a bela Contança Pilleraut, primeira caixeira da loja Pequeno Marinheiro. Juntos foram fazer fortuna. 
Encontramos os Birotteau, em 1819, como comerciantes prósperos e estabelecidos no mercado. Graças a algumas invenções como a "Dupla Pomada das Sultanas" e a "Água Carminativa", não faltavam pedidos e clientes. Mas faltava um certo glamour, incompatível com a vida no comércio. Então, Birotteau foi condecorado como Cavaleiro da Legião de Honra, em agradecimento a seus serviços à causa realista. Ele resolveu reformar a casa para dar um baile em comemoração à desocupação da França. Para pagar a extravagância, César entrou em um negócio de especulação de terrenos com alguns sócios, dentre os quais Roguin, dono de um cartório. Ocorre que, por detrás de Roguin, estava um dos típicos vilões balzaquianos, Ferdinando Du Tillet. Du Tillet nutria um grande desejo de vingança contra César. Fora seu caixeiro e furtara três mil francos do caixa. Birotteau descobriu e o despediu, mas sem fazer publicidade do caso.  Além disso, cortejara Constança e fora repelido por ela. Pois Du Tillet aproximou-se de Roguin, descobriu-lhe a fraqueza (uma amante dissipadora) e armou um plano para levar César Birotteau à falência. Após o baile na casa de Birotteau, o perfumista enfrentou uma sucessão de quedas que o levaram à falência. Com a ajuda da família e dos amigos, Birotteau conseguiu se reabilitar completamente pagando todos os seus credores, algo tão raro que foi até assinalado em sessão no tribunal pelo procurador do Rei. 
Um resumo, todavia, não dá conta da magnífica construção do romance. O início com o sonho premonitório de Cosntança. O meio, com o acontecimento central, o baile, que marca o auge do perfumista e o início da sua ruína. E no final, o novo baile, esse quase fantasmagórico, ao qual nosso heroi não resistiu. 
Mas o que pode haver de genial na história da falência de uma casa burguesa? Segundo Paulo Rónai, Balzac é genial ao construir personagens em nada extraordinários (para não dizer medíocres) e captar neles a vida real: "Birotteau, repetindo vinte vezes as mesmas palavras para explicar sua distinção com a Cruz da Legião de Honra e julgando-se, mesmo do fundo de sua miséria, superior a Popinot, que foi seu aprendiz; a sra. Birotteau, heroica e amorosa companheira de César, resistindo virtuosamente à sedução de Du Tillet, e, no entanto, guardando-lhe as cartas no seu cofrezinho; (...) Molinaux, tipo monstruoso de proprietário, não tendo outro medo do que ser julgado insuficientemente esperto pelos proprietários do Café David; Cesarina e Anselmo Popinot, os jovens amantes, incapazes, embora solidários com o sofrimento de César, de se arrancarem ao egoísmo do seu amor - eis alguns rasgos de intuição genial que faria Balzac idear um caráter num só bloco e tirar dele tudo o que podia dar". 
Outro feito notável, já conhecido dos leitores da Comédia Humana, é o conhecimento de Balzac sobre os pormenores dos processos e técnicas narrados.Fala da especulação de imóveis como se fosse um corretor ou um especulador. Discorre sobre a falência como um advogado (aqui a sua experiência como auxiliar de tabelião), diz-se que os advogados consultavam César Birotteau quando tratavam de falências. Conhece detalhes da fabricação de produtos de perfumaria. Conhece o funcionamento dos tribunais de comércio. Opina sobre os anúncios de produtos em jornais, uma novidade da época que mudou o comércio no século XIX. Segundo Rónai, dez especialistas seriam necessários para escrever César Biroteau. "mas os dez especialistas e o escritor genial têm o mesmo nome: Balzac". 
Não sei se Engels comentou algo específico sobre César Birotteau, mas algo me diz que era um dos romances no qual ele pensava quando escreveu à senhora Harkness. Segundo Brunetière (citado por Paulo Rónai), em todo livro não se passa quase nada, mas nele cabe a Restauração inteira.