domingo, 21 de agosto de 2011

Úrsula Mirouët (junho-julho de 1841)

Volume V: Estudos de Costumes:Cenas da Vida Provinciana (lido entre 8 de de agosto e 25 de novembro de 2010)

Personagens: Minoret-Levraut (chefe da posta); Zélia ; Desidério; doutor Dionísio Minoret; Úrsula (filha de José Mirouët que era filho de Valentim, pai de Úrsula;falecida esposa do doutor Dionísio); Bougival; padre Chaperon; senhor e senhora Massin; senhor Crémière-Dionis (tabelião de Nemours); Goupil (primeiro amanuense do tabelião Crémière-Dionis); senhor Crémière (exator de Nemours); senhor Jordy; senhor Bougrand (juiz de paz); doutor Bouvard; Saviniano; senhora de Portuenduère.

A história inicia em 1829 e termina em 1841.

Úrsula Mirouët não é Balzac na sua melhor forma. A heroína é, nas palavras de Paulo Rónai, um retrato balzaquiano da virgem francesa: não muito esperta, de uma virtude a qualquer prova e que nasce para vida no momento em que se apaixona.
A história contrapõe a órfã Úrsula, criada pelo doutor Dionísio Minouret, viúvo muito rico, e os herdeiros do doutor, Minouret-Levraut, Crémière-Dionis e Massin, na pequena cidade de Nemours. O doutor Minouret se estabeleceu em Nemours depois de uma promissora carreira em Paris. Lá dedicou-se a criar Úrsula e ao seu pequeno círculo de amigos formado pelo padre Chaperon, senhor Jordy e doutor Bougrand. Os herdeiros aguardavam a morte do doutor e temiam que ele comprometesse sua herança beneficiando Úrsula. Sua apreensão aumentou quando Minouret, ateu convicto, converteu-se ao cristianismo e passou a frequentar a missa na companhia da pupila. Julgavam que tal mudança devia-se à enorme ascensão de Úrsula sobre o doutor. Ignoravam que a conversão devia-se a uma experiência mística. Minouret foi a Paris visitar um antigo colega, Bouvard, e comprovou a eficácia do magnetismo de Mesmer, teoria mística complexa que professava que existe separação entre corpo e espírito.
Nesse meio tempo, Úrsula se apaixonou pelo vizinho Saviniano, personagem mal acabada de Balzac. Ele aparece na história preso por dívidas após uma temporada de desmandos em Paris e transformou-se num sujeito honesto, esforçado e desprendido. Sua mãe, a senhora de Portuenduère, nobre empobrecida, mas muito orgulhosa, jamais concordaria no casamento do filho com uma moça de origem duvidosa. Assim, a saída para Úrsula era a herança do doutor Minouret.
Com a morte do doutor, iniciou-se uma sequência de ação: Minouret-Levraut, o desprezível chefe da posta, descobriu o testamento deixado pelo tio e o destruiu. Não houve testemunhas e Úrsula ficou sem nada. Foi expulsa de casa e teve de contar com a caridade dos poucos amigos. Aí entra o misticismo novamente na história. O falecido doutor apareceu-lhe em sonhos e revelou toda a ação de Minouret-Levraut. Ela contou ao padre Chaperon, que interpelou o criminoso. Simultaneamente, o cínico e pérfido Goupil, corrompido por Minouret-Levraut, começou uma campanha para difamar Úrsula com cartas anônimas para que ela deixasse Nemours. Finalmente, o doutor apareceu a Úrsula e disse que caso Minouret-Levraut não reparasse a injustiça, seu filho único, Desidério, iria perecer. O criminoso tentou se redimir, mas era tarde. Desidério sofreu um acidente numa carruagem e morreu. No final, o mal foi reparado e Úrsula, após receber sua herança, casou-se com o amado. Minouret-Levraut tornou-se piedoso e passou a se dedicar à caridade.
O único ponto interessante a comentar sobre essa história é aparecimento nela do misticismo de Balzac. Nosso autor foi contemporâneo de diversas teorias místicas e era delas adepto. Frequentava cartomantes, participava de sessões de hipnose e cria em transmissão de pensamento. Esses temas aparecerão em outra histórias, mas Úrsula Mirouët, na ordem dada pelo autor da Comédia Humana, marca a sua estreia.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Tudo o que tenho levo comigo

Tudo o que tenho levo comigo. Herta Müller. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. Tradução: Carola Saavedra.

Lido entre 28 de junho e 10 de julho de 2011.

Gosto de descobrir autores novos. Novos aqui têm o significado egoístico de que ainda não li. Até porque é prepotência minha classificar uma autora que ganhou o prêmio Nobel de literatura em 2009 e é muito conhecida nos países de língua alemã de nova. Mas para mim e no Brasil, Herta Müller é uma autora nova. Tudo o que tenho levo comigo é seu segundo livro traduzido para o português e a tradução é desse ano.
Além da novidade, me interessei pelo livro por ser em alemão - e eu estudo alemão - e por tratar de um tema que me atrai: a União Soviética no século XX.
O ano era 1945 e a Romênia, país natal da escritora, que estivera ao lado dos nazistas até agosto de 1944, estava agora ao lado dos aliados. O acordo do novo governo com os soviéticos previa a deportação de todos os indivíduos entre 17 e 45 anos da minoria alemã para um campo de trabalho na Rússia: já que eram nazistas, agora iriam ajudar na reconstrução da União Soviética.
O personagem que narra em primeira pessoa é Leopold Auberg, homossexual de 17 anos. Ele foi levado da sua cidade natal de Hermannstadt para gulag de Nowo-Gorlowka, na Ucrânia. A ideia de ir para a Rússia até o agradava no início. O homossexualismo era crime na Romênia o o rapaz tinha certeza da rejeição de sua sexualidade pela a família.
A viagem durou 12 dias,  dias de uma certa inconsequência, nos quais os viajantes até desperdiçaram comida. A realidade se apresentou em uma parada, já em território soviético, quando todos tiveram que saltar do trem, baixar as calças e fazer suas necessidades em público e coletivamente: “Talvez naquela noite não eu, mas o horror em mim tenha se tornado adulto de repente. Talvez a unidade só se torne real dessa forma. Pois todos, sem exceção, ao fazer nossas necessidades, dirigíamos nosso rostos automaticamente em direção ao leito do trem. Todos tínhamos a lua nas costas, não tirávamos os olhos da porta aberta do vagão de animais, dependíamos dela como da porta de um quarto. Tínhamos o medo insano de que a porta se fechasse e o trem partisse sem nós”.
A partir daí o narrador descreve o dia a dia no gulag: a fome onipresente, o trabalho escravo, a desumanização, que fez com que com o tempo os prisioneiros perdessem as suas identidades sexuais, a morte dos companheiros.
O campo funcionava como uma cidade. Havia Tur Prikulitsch, o romeno que atuava como preposto dos russos em troca de vantagens. Bea Zakel, amante de Tur pelas mesmas vantagens. Trudi Pelikan, a moça que perdeu os dedos do pé num acidente e foi trabalhar na enfermaria. Konrad Fonn, o acordeonista. Paul Gast, o advogado que comia a sopa de sua esposa até que ela morreu de fome. Oswald Enyeter, o barbeiro, que por sua profissão conseguia sobreviver melhor. Kati-plantão, a alienada mental que passou os cinco anos no campo sem saber onde estava. Dos russos, a únca que merece atenção do narrador é Fenja, a moça feia responsável paor distribuir a ração diária de pão, momento no qual iniciava o grande dilema do dia: seria possível guardar pão para a noite?
Ao final do quarto ano, a situação melhorou. Os prisioneiros passaram a receber salários e mais comida, uma tentativa de encobrir a realidade no retorno.
A única notícia que Leo recebeu de casa foi um cartão postal anunciando o nascimento de um irmão. Ele interpretou isso como um sinal da família de que ele não precisava voltar: havia outro em seu lugar.
Leo retornou então para casa, mas como todos que passam por esse tipo de experiência, não conseguia comunicá-la. Distanciava-se da famíla. Continuava tendo encontros furtivos com homens, mas casou-se com uma moça e mudou-se para Bucareste. Após onze anos, a deixou e mudou-se para a Áustria.
A experiência de Leo Auberg é baseada na do poeta Oskar Pastior. Ele teve diversos encontros com Herta que resultaram em cadernos com anotações. Pretendiam escrever um romance juntos, mas Oskar morreu em 2006, de modo que Herta resolveu escrever o livro sozinha. O tema era importante para a escritora. Sua mãe passou cinco anos em um campo de trabalho na União Soviética e nunca conseguiu falar no assunto.
Marcelo Backes, em artigo no Estado de São Paulo, de 7 de maio de 2011 comentou: “Recentemente, descobriu-se que Oskar Pastior teria espionado outros escritores para a Securitate, um dos quais, Georg Hoprich, acabou se suicidando. Pastior foi chantageado pelo sistema, mas Herta também foi, e ainda assim resistiu. Mircea Dinescu, poeta romeno que pensou sob o mesmo sistema, defendeu Pastior e disse que era bom que ele estivesse morto, não vivenciando seu desmascaramento. Herta Müller se proclamou horrorizada, alegando que se soubesse do fato não teria colaborado com Pastior. Se foi só o acaso que permitiu Tudo o Que Tenho Levo Comigo, nós ganhamos com o acaso mais uma vez...”.
O estilo de Herta é poético e há muitas brincadeiras e jogos de palavras. Talvez o estilo não tenha me agradado, pois é o tipo de texto que só podemos sentir na língua original, embora o trabalho da tradutora seja cuidadoso (e difícil).
E talvez o tema não se preste à poesia (aqui vão me dizer que qualquer tema se presta à poesia). Mas Primo Levi, em É isso um homem? com seu texto direto e tradicional transmitiu a mim muito mais o horror e a singularidade da sua experiência.

sábado, 6 de agosto de 2011

Outro estudo de mulher (junho1839-1842)

Personagens:diversos, mais de cinquenta personagens da Comédia Humana que se reúnem em casa da senhorita de Touches.

A história se passa depois de 1830.

Outro Estudo de Mulher é, como A Mulher de Trinta Anos, uma obra na qual Balzac reuniu vários contos dispersos em uma história só. Daí a profusão de personagens, vários dos mais importantes da Comédia Humana, que participam com uma ou duas frases.
Um grupo se encontrou para conversar em casa da senhorita de Touches, Camilo Maupin, após um baile. Foram então contadas quatro histórias.
Henrique de Marsay contou sua paixão, aos dezessete anos, por uma mulher que simultaneamente namorava um duque.
Após, Emílio Blondet discorreu sobre a “femme comme il faut”, a mulher naturalmente elegante, distinguindo-a da burguesa.
Depois, o general Montriveau contou uma passagem ocorrida durante a campanha de 1812, quando um capitão italiano matou a esposa e o coronel com quem ela o traía.
Finalmente, Horácio Bianchon (em certo ponto, Balzac esquece Bianchon e narra por ele mesmo...) contou uma história ocorrida na Vendôme, na Grande Ameia. A senhora Merret traía seu marido com um espanhol. O esposo descobriu e mandou murar o gabinete no qual o amante se escondia, levando-o à morte por inanição. 
Com Outro estudo de mulher, encerramos o quarto volume da Comédia Humana