O Gabinete das Antiguidades (julho de 1837) - segunda história de "As rivalidades"
Personagens: Carlos-Vitor-Ângelo-Carol (Marquês d'Esgrignon); senhorita Armanda d'Esgrignon; Chesnel (tabelião); senhor du Ronceret (presidente do Tribunal); Fabiano du Ronceret (filho do Presidente do Tribunal); senhor du Croiser (o mesmo senhor du Bousquier); senhora du Bousquier (a Solteirona); Virtuniano (filho do Marquês); Cavaleiro de Valois; de Marsay; Rastignac, Emílio Blondet; senhora de Mafrigneuse (Diana); Camusot (juiz de instrução); senhora Camusot (Maria Cecília Amélia Thiron); senhor Blondet (juiz).
A história se passa entre 1822 e 1830.
Gabinete das Antiguidades é uma história gêmea de A Solteirona. Em A Solteirona conhecemos o salão burguês de Alençon, a residência de du Bousquier e de Rosa-Maria-Vitória. Aqui conhecemos o salão nobre, o palacete do marquês d'Esgrignon, alcunhado de “gabinetes das antiguidades”. Incompreensível - e Paulo Rónai - o menciona na introdução - é a troca do nome de du Bousquier por du Croisser, já que se trata da mesma personagem.
A história explora a desatrada educação de Virtuniano, o único herdeiro da antiquíssima casa d'Esgrignon. Criado na província com a convicção de seu velho pai de que representava a fina flor da nobreza francesa e paparicado pela tia Armanda, que lhe fazia todas as vontades, o jovem tinha tudo para produzir um desastre na família. Um desastre que é anunciado já nas primeiras páginas. Ocorre que havia alguém em Alençon interessado nesse infortúnio: o invejoso burguês du Croiser, que fora rejeitado por Armanda e jamais fora aceito no gabinete das antiguidades. Du Croiser percebe que Virtuniano seria o veículo de sua vingança.
O rapaz, em 1822, foi enviado para fazer sua estreia em Paris. Levava cartas de recomendação para nobres a ele aparentados. Contudo, a ideia de nobreza vigente no “gabinete das antiguidades” era muito diferente da ideia de nobreza da Restauração: “Entregara, na véspera, uma carta de seu pai ao Duque de Lenoncourt, um dos fidalgos franceses mais favorecidos pelo Rei; encontrara-o no seu magnífico palácio, no meio de aristocráticos esplendores; no dia seguinte tornou a vê-lo no Bulevar, a pé, com um guarda-chuva na mão, sem nenhuma distinção exterior, sem seu cordão azul de que um cavaleiro das ordens, outrora, jamais se separava. Esse duque e par, Primeiro Gentil-Homem Camareiro do Rei, não tinha podido, apesar de sua alta polidez, reter um sorriso, enquanto lia a carta do marquês, seu parente. Esse sorriso explicara a Virtuniano que havia mais de sessenta léguas entre os Gabinete das Antiguidades e as Tulherias: havia uma distância de vários séculos”.
O dinheiro era pouco, já que o marquês perdera seus bens durante a Revolução e não os recuperara. A ajuda vinha do fiel tabelião Chesnel, que usava sua renda pessoal para ajudar a família d'Esgrignon.
Em Paris, Virtuniano entregou-se à boa vida, gastando em jantares, trajes, jogo. Tornou-se o favorito de uma mulher da moda, a duquesa de Mafrignouse, o que produziu gastos ainda mais vultosos. Necessitando de dinheiro, Virtuniano assinou letras a serem descontadas justamente pelo banco de du Croiser. O burguês deu-lhe crédito ilimitado, de modo que a sua dívida ia aumentando. Quando o valor estava já bastante elevado, du Croiser foi cobrar a dívida de Chesnel. Nesse meio tempo, Virtuniano, desesperado, falsificou uma letra para conseguir mais dinheiro.
Chesnel, então, organizou uma operação de guerra para salvar a honra da família d'Esgrignon. Para isso contou com a ajuda do juiz Camusot, cuja esposa desejava que o marido fosse promovido para Paris, e do senhor Blondet, que desejava que o filho José fosse nomeado juiz suplente para que pudesse desposar uma herdeira rica. Diana Mafrignouse também ajudou, tendo até se deslocado a Alençon.
Assim, o jovem Virtuniano passou somente algumas horas na prisão e seu velho pai não ficou sabendo de nada.
No final, Chesnel e o marquês faleceram. E Virtuniano casou com a senhorita Duval, sobrinha e única herdeira de du Croiser.
Esse romance tem características típicas de Balzac. A principal são as descrições. Quando estamos no auge da ação e queremos saber o que irá acontecer com Virtuniano, há páginas e páginas descrevendo em detalhes as moradias dos senhores Blondet e Camusot!
Creio que o diferencial do Gabinete das Antiguidades, em conjunto com A Solteirona, é explicar o significado da Restauração. Passagens como o jantar de Virtuniano com os burgueses da moda, no qual Blondet afirma: “Não há mais guerra contra o cardeal, nem há mais o campo do Drap d'Or. Enfim, você Conde d'Esgrignon, está ceando com um senhor Blondet, filho segundo de um miserável juiz de província, a quem você, lá, não estendia a mão e que, dentro de dez anos, poderá sentar-se ao seu lado, entre os pares do reino. Depois de tudo isso, que os nobres creiam em si mesmos se puderem!”. Diana é ainda mais objetiva, escandalizando os nobres da província: “Estão todos loucos aqui? (...) Querem então ficar no século XV quando já estamos no século XIX? Meus caros filhos, não há mais nobreza; o que há agora é apenas aristocracia. O código civil de Napoleão matou os pergaminhos como o canhão já matara o feudalismo. Fica-se muito mais nobre do que se é, quando se tem dinheiro. Casa-se com quem quiser, Virtuniano; enobrecerá sua mulher, e eis o mais sólido dos privilégios que ainda restam à nobreza da França”.
Balzac explica melhor do que qualquer professor de história como o espírito da Restauração chegou ao interior da França e como a Revolução Francesa mudou o mundo para sempre.
Paulo Rónai aponta as semelhanças entre O Gabinete das Antiguidades e Beatriz: “a atmosfera anacrônica das casas du Guénic e d'Esgrignon, os dois velhos chefes de família igualmente veneráveis e fossilizados; a santidade das mulheres que os assistem: a sra. du Guénic e a srta. d'Esgrignon; o fato de ambos terem um filho único, fruto de um casamento tardio entre pai velho e mãe moça, e de esse filho, mimado e viciado, ser belo, encantador e sem nenhuma força moral; a conspiração que se forma em ambos os ambientes para salvar esse filho predileto. (...) Tantas analogias não podem ser fortuitas: para Balzac, Calisto e Virtuniano eram, evidentemente, duas encarnações do mesmo tipo social. As divergências entre os dois romances mostrarão, entretanto, toda a riqueza de recursos de Balzac: em Beatriz, a conspiração é mundana, aqui, jurídica; a decadência de Calisto é efeito de uma paixão, a de Virtuniano, de uma vingança; o solar dos du Guénic está em luta com um salão literário, o gabinete de antiguidades, com um salão burguês etc." Como curiosidade, existe uma personagem comum entre as duas histórias: Fabiano du Ronceret, filho do presidente do Tribunal. Em O Gabinete das Antiguidades, ele é o cínico amigo de Virtuniano que passa informações do jovem para du Croiser. Em Beatriz, mais velho, ele aceita casar com a senhora Schontz, amante de Arttur de Rocehfilde, que assim volta para a esposa Beatriz, que deixa Calisto.
Quem me acompanha deve ter percebido a diminuição das minhas postagens.
Estou fazendo doutorado e o tempo para a literatura está reduzido. Mas o blog continuará ativo, somente com posts mais espaçados.
Estou preparando As Ilusões Perdidas, obra que é uma síntese da Comédia Humana. Imperdível.
Quem me acompanha deve ter percebido a diminuição das minhas postagens.
Estou fazendo doutorado e o tempo para a literatura está reduzido. Mas o blog continuará ativo, somente com posts mais espaçados.
Estou preparando As Ilusões Perdidas, obra que é uma síntese da Comédia Humana. Imperdível.
E então? Onde estão os outros livros, o resto do Balzac?
ResponderExcluirNão desanime, nem deixe de escrever, principalmente de ler.
Abraços
Oi, Marques-Rodrigues:
ExcluirOs outros romances virão. Entrei no doutorado esse ano e o tempo ficou muito reduzido. Mas agora terminei os créditos e vou retomar as postagens. Ainda bem que meu orientador não é muito chegado em literatura!
Obrigada pelo incentivo e um abraço
Cíntia
Blog muito bom. Começarei a ler comédia humana pela edição nova da biblioteca azul. Mas não há consenso em lugar algum sobre a sequencia correta que deve ser lida considerando o desenvolvimento dos enredos, não o ano de publicação. Seria (pela ordem) Pai Goriot, Ilusões Perdidas, Esplendores e Misérias das Cortesãs? E depois, coronel chabert, missa do ateu, eugenie Grandet, historias dos treze, prima bete, primo pons? Quais historis não valem a pena: mulher de trinta anos, gaudissat, Ursula e o que mais? Desculpe tomar seu tempo, TO PERDIDO!!!!!
ResponderExcluirOlá:
ResponderExcluirEu decidi ler pela ordem em que eles eram apresentados pela edição da editora Globo da década de 1990, que é a que eu tenho. Em qualquer ordem, sempre haverá histórias em que sabes do fim antes do início. E acho que era isso mesmo que Balzac queria, estava no plano da Comédia Humana.
Quanto a histórias que não valem a pena: acho que todas valem. Há histórias mais fracas, como A mulher de trinta anos, mas até dizer que a leitura não vale a pena...Essas histórias são importantes até para que possamos comparar com as sublimes como Pai Goriot e Missa do Ateu.
Boa leitura!
Cíntia
Valeu Cintia,seguirei a ordem apresentada pela nova edição. Obrigado
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