Émilie, Émilie: a ambição feminina no século XVIII. Elisabeth Badinter. São Paulo: Discurso Editorial, Duna Dueto, Paz e Terra, 2003.
O que tantos livros sobre mulheres fazem na minha cabeceira, na minha bolsa, no meu leitor Kobo? Quando estava na graduação em História tinha uma certa rejeição por história das mulheres. Não queria fazer parte de uma história categorizada, separada do resto. Ingenuidade da juventude. Era como se diluir a história das mulheres na história da humanidade fosse garantir a igualdade de direitos entre mulheres e homens. Era como acreditar na concretude do caput do artigo 5º da Constituição brasileira.
Minha busca por conhecer mais sobre a história das mulheres é totalmente pessoal. Preciso entender as opções e escolhas da minha mãe, das minhas três avós (sim, tive três avós). Como essas opções e escolhas me atingiram e atingem a minha filha. Não basta saber a história delas, Teresa, Genny, Haidee, Orfila. Preciso saber o que veio antes.
Estava pensando em tudo isso, quando conheci Elisabeth Badinter. Filósofa e historiadora francesa é uma das mulheres mais influentes da França (e também mais ricas). Dedica-se à história das mulheres, do feminismo e da maternidade. Comecei pelo seu livro mais conhecido, Um amor conquistado: o mito do amor materno, sobre o qual ainda vou escrever. Me apaixonei pela clareza e racionalidade do texto. Busquei outros títulos na Estante Virtual. Comprei tudo o que encontrei. Assim, cheguei a Émilie, Émilie.
Trata-se da biografia comparada de duas mulheres do século XVIII, Gabrielle Émilie Le Tonnelier de Breteuil, marquesa de Châtelet-Laumont (1706-1749) e Louise Florence Pétronille Tardieu d´ Esclavelles d´Épinay, Madame d´Épinay (1726-1783). Elas foram contemporâneas por vinte e três anos, mas nunca se encontraram. São mais conhecidas como tendo sido amantes de Voltaire (1694-1778) e de Friedrich Melchior von Grimm (1723-1807), respectivamente. Mas foram muito mais do que isso. São suas histórias que Badinter enfrenta em 460 páginas.
As duas pertenciam a classes privilegiadas, mas eram de meios diferentes e incompatíveis na época. Émilie pertencia à alta aristocracia. Louise, à burguesia financeira. Tiveram gostos, caráter e trajetórias diversas. O que tinham em comum, todavia, prevalecia sobre as diferenças, segundo Badinter. E está no título do seu livro: a ambição. "Mulheres em um mundo que reserva a glória apenas aos homens, são estimuladas a uma mesma ambição. Uma e outra escolheram um objetivo preciso para suas vidas, desenvolveram toda a energia de que eram capazes, utilizada até suas últimas forças. Mesmo que os resultados nem sempre tenham estado à altura de suas esperanças, nunca cederam ao desânimo nem depuseram as armas. A não ser o tempo necessário para qualquer ser humano se recobrar. Se o sacrifício e a perseverança são os sinais da ambição, então Madame du Châtelet e Madame d´Épinay foram autênticas ambiciosas. E quase irmãs".
Émilie nasceu em 17 de dezembro de 1706 em Paris, em uma família privilegiada em todos os sentidos, "rica, unida e nobre". Filha de um alto magistrado de Luís XIV, que tinha 58 anos quando ela nasceu, e tinha para com ela "todas a fraquezas de um avô e a ternura de um pai". Ao contrário da maioria das crianças nobres da época, passou quase toda a juventude na casa da família.
Louise nasceu em 11 de março de 1726 na fortaleza de Valenciennes, da qual seu pai era governador. Filha única de pai quase sexagenário e de uma mãe devota, recebeu as maiores atenções dos pais, o que, segundo Badinter, lhe armaram para que sempre tivesse confiança em si mesma.
Émilie foi privilegiada em termos de educação. "Nenhum conhecimento lhe foi proibido, nenhum constrangimento pesou sobre ela por causa do seu sexo". Interessada por línguas, aprendeu latim, italiano e inglês. Aos 17 anos, lia Locke no original. Contudo, original mesmo, era seu gosto por física e matemática. "Fato raríssimo na história da educação de meninas, seu pai a fez tomar aulas dessas duas disciplinas". E foi aí que ela encontrou o foco para a sua ambição.
Louise, segundo Badinter, se assemelhava a Émilie aos dez anos, em disciplina e vontade de saber. Todavia, foi nessa época que faleceu seu pai. Sua mãe tinha uma visão tradicional sobre a educação de meninas: bastava aprender a ler e a escrever. Louise foi confiada a uma tia rica rica, na casa da qual sofreu as humilhações habituais da prima pobre. Conseguiu acompanhar as aulas que a prima tomava com uma governanta, o que logo foi proibido pela tia, que julgava que uma mulher erudita era naturalmente pedante.
"Do século XVII até o fim do século XIX, a mulher erudita é constantemente ridicularizada e tudo se faz para que ela não exista. Quando, no fim do século XIX, as mulheres adquiriram progressivamente o direito de acesso às universidades, são solicitadas a utilizar seu saber para fins altruístas e não egoístas. Para agradar a seus maridos, para serem melhores professoras dos seus filhos, mas nunca para fins pessoais. Uma mulher que ame os estudos por si mesmos comete uma heresia".
Louise voltou a morar com a mãe e, entre 1737 e 1739, foi enviada a um convento, onde prevalecia a educação religiosa e habilidades como costura e dança. Isso foi tudo o que Madame d´Épinay teve em termos de educação. Aos treze anos, ainda tinha dificuldade para escrever.
Ambas passaram por todas as etapas da vida de uma mulher da época: casaram, tiveram filhos e tiveram amantes. "Entretanto, o século XVIII constitui uma espécie de paradoxo na história das mulheres privilegiadas. Ao mesmo tempo que mantinham para estas a obrigação de casar e de ter filhos, a ideologia dominante lhes concedia direito à negligência. A inconstância conjugal não era um vício. Pode-se mesmo dizer que a fidelidade era considerada um valor fora de moda, quase ridículo, e os cuidados da maternidade não eram considerados dignos das preocupações de uma mulher da alta sociedade".
Para remediar a insignificância da vida feminina, muitas mulheres das classes privilegiadas investiriam na vida social e mundana. "Outras, principalmente depois de 1750, tentaram voltar a dar vida e interesse às preocupações familiares". Madame du Châtelet pertenceu ao primeiro grupo. Madame d´Épinay, ao segundo.
Émilie fez um casamento de conveniência. Louise casou por amor com um primo irmão. "A mais satisfeita das duas foi, no entanto, a primeira. O Sr. du Châtelet revelou-se um marido muito gentil, discreto, cortês e amigo, enquanto o Sr. d´´Epinay foi uma caricatura de esposo execrável. Mas, ambos, não puderam, ou não quiseram, satisfazer suas esposas." Quem o fez foram Voltaire e Grimm, com quem elas formaram pares ligados por sentimentos e interesses. "É incontestável que esses dois homens deram às duas Émilies os trunfos necessários, mas não suficientes, para a realização da ambição delas: a estabilidade afetiva e o respeito do homem admirado, o que lhes dava confiança em si mesmas".
Badinter não foge da questão que nos ocorre nessa altura do texto. Não estamos aqui fazendo o mesmo de sempre, valorizando Émilie e Louise pela sua ligação com homens célebres? "Se fosse preciso expor a ambição masculina no século XVIII e particularmente a de Grimm e de Voltaire, deveríamos evocar suas relações afetivas e delas fazer a condição necessária à sua ambição?". A resposta é não. Voltaire e Grimm já eram conhecidos antes de se ligarem a elas. Não tiveram necessidade de admiração e reconhecimento das companheiras para investir em suas ambições. Já Émilie e Louise nasceram para desempenhar o papel tradicional de esposa, mãe e presença mundana nos salões da elite da época. "O amor, longe de ser uma fonte de alienação, foi a condição de emancipação e autonomia delas. Desde de que se sentiram amadas e respeitadas, elas cessaram de sentir a necessidade de correr atrás do reconhecimento dos outros". Podiam ser elas mesmas e se dedicar a sua ambição.
Émilie foi amante de Voltaire entre 1733 e 1741. Louise foi amante de Grimm entre 1754 e 1773. Ambas foram muito apaixonadas e foram correspondidas. Viveram com seus amantes uma comunhão intelectual, com estudo, leituras e trabalhos conjuntos. Deixaram de ser correspondidas em função de outras paixões, no caso de Voltaire, e, da ambição, no caso de Grimm. Mas nunca romperam a relação de amizade e companheirismo com eles. Ambos sobreviveram a elas.
Mas o que essas mulheres fizeram de extraordinário?
Émilie du Châtelet foi uma das primeiras, senão da primeira mulher Física de história. Escreveu Instituições da Física em 1740, no qual difunde a física newtoniana, pouco conhecida na França da época. E se distingue dos seus pares do século das luzes ao tentar conciliar Newton (1643-1727) com Descartes (1596-1650) e com a metafísica de Leibniz (1646-1716). A partir de 1744, ela se dedicou a traduzir os Principia de Newton para o francês em uma edição comentada. Sua morte precoce em 1749 a impediu de terminar o trabalho, que foi concluído pelo amigo Alexis Claude de Clairaut (1713-1765). Até hoje é a tradução de Newton que os franceses leem. Voltaire escreveu no prefácio:
"Essa tradução, que os mais talentosos homens da França deveriam ter feito e que os outros devem estudar, um mulher a empreendeu e terminou, para o espanto e a glória do seu país. Gabrielle-Émilie (...) é a autora desta tradução que se tornou necessária a todos que queiram adquirir os profundos conhecimentos que o mundo deve ao grande Newton. (...). Tem-se aí dois prodígios: o primeiro, que Newton tenha escrito estas obra; o outro, que uma mulher a tenha traduzido e esclarecido".
Louise, que foi anfitriã de Rouseeau (1712-1778), se dedicou a escrever sobre educação. Sua obra, Conversações com Émilie de 1774, escrita para a educação de sua neta, Émilie, subverte as instruções de Rousseau no seu Émile. Jean-Jacques, um dos grandes responsáveis pela submissão da mulher na era burguesa, recomendava à Sophie, companheira de Émile:
"Todos os estudos ociosos não levam a nada de bom (...). Que necessidade tem um menina de aprender a ler e escrever tão cedo? Terá ela logo uma casa para administrar? Muito poucas há que, ao invés de apenas abusar, fazem um bom uso dessa ciência fatal (...). ".
Pois nas suas Conversações, Louise construiu uma anti-Sophie: "Quando vós vos empenhais em cultivar a vossa razão, em orná-la com conhecimentos úteis e sólidos, estais abrindo para vós mesmas tantas novas fontes de prazer e de satisfação, tantos meios de embelezar vossa vida, de ter recurso contra o tédio e consolo durante a adversidade, quando conhecimentos e talentos. São bens que ninguém pode roubar-vos, que vos livram da dependência dos outros (...) que, ao contrário, tornam os outros dependentes de vós; pois quanto mais talentos e luzes temos, mais nos tornamos úteis e necessárias à sociedade.". Nas palavras de Badinter: "Rousseau pode prender as mulheres no lar quanto quiser, Madame d´Épinay lhes dá a receita para escapar". Louise escreveu outras obras, mas foram as Conversações que a tornaram célebre. Em 1783, foi premiada pela Academia Francesa.
Hoje as mulheres seguem os caminhos abertos por Émilie e Louise. São cientistas, pedagogas, políticas, intelectuais. Escolhem ter filhos ou não. Mas o baixo número de mulheres que escolhem carreiras científicas e a sombra dos ensinamentos de Jean-Jacques sobre a educação das meninas indicam que as Émilies ainda tem muito o que ensinar.
As duas pertenciam a classes privilegiadas, mas eram de meios diferentes e incompatíveis na época. Émilie pertencia à alta aristocracia. Louise, à burguesia financeira. Tiveram gostos, caráter e trajetórias diversas. O que tinham em comum, todavia, prevalecia sobre as diferenças, segundo Badinter. E está no título do seu livro: a ambição. "Mulheres em um mundo que reserva a glória apenas aos homens, são estimuladas a uma mesma ambição. Uma e outra escolheram um objetivo preciso para suas vidas, desenvolveram toda a energia de que eram capazes, utilizada até suas últimas forças. Mesmo que os resultados nem sempre tenham estado à altura de suas esperanças, nunca cederam ao desânimo nem depuseram as armas. A não ser o tempo necessário para qualquer ser humano se recobrar. Se o sacrifício e a perseverança são os sinais da ambição, então Madame du Châtelet e Madame d´Épinay foram autênticas ambiciosas. E quase irmãs".
Émilie nasceu em 17 de dezembro de 1706 em Paris, em uma família privilegiada em todos os sentidos, "rica, unida e nobre". Filha de um alto magistrado de Luís XIV, que tinha 58 anos quando ela nasceu, e tinha para com ela "todas a fraquezas de um avô e a ternura de um pai". Ao contrário da maioria das crianças nobres da época, passou quase toda a juventude na casa da família.
Louise nasceu em 11 de março de 1726 na fortaleza de Valenciennes, da qual seu pai era governador. Filha única de pai quase sexagenário e de uma mãe devota, recebeu as maiores atenções dos pais, o que, segundo Badinter, lhe armaram para que sempre tivesse confiança em si mesma.
Émilie foi privilegiada em termos de educação. "Nenhum conhecimento lhe foi proibido, nenhum constrangimento pesou sobre ela por causa do seu sexo". Interessada por línguas, aprendeu latim, italiano e inglês. Aos 17 anos, lia Locke no original. Contudo, original mesmo, era seu gosto por física e matemática. "Fato raríssimo na história da educação de meninas, seu pai a fez tomar aulas dessas duas disciplinas". E foi aí que ela encontrou o foco para a sua ambição.
Louise, segundo Badinter, se assemelhava a Émilie aos dez anos, em disciplina e vontade de saber. Todavia, foi nessa época que faleceu seu pai. Sua mãe tinha uma visão tradicional sobre a educação de meninas: bastava aprender a ler e a escrever. Louise foi confiada a uma tia rica rica, na casa da qual sofreu as humilhações habituais da prima pobre. Conseguiu acompanhar as aulas que a prima tomava com uma governanta, o que logo foi proibido pela tia, que julgava que uma mulher erudita era naturalmente pedante.
"Do século XVII até o fim do século XIX, a mulher erudita é constantemente ridicularizada e tudo se faz para que ela não exista. Quando, no fim do século XIX, as mulheres adquiriram progressivamente o direito de acesso às universidades, são solicitadas a utilizar seu saber para fins altruístas e não egoístas. Para agradar a seus maridos, para serem melhores professoras dos seus filhos, mas nunca para fins pessoais. Uma mulher que ame os estudos por si mesmos comete uma heresia".
Louise voltou a morar com a mãe e, entre 1737 e 1739, foi enviada a um convento, onde prevalecia a educação religiosa e habilidades como costura e dança. Isso foi tudo o que Madame d´Épinay teve em termos de educação. Aos treze anos, ainda tinha dificuldade para escrever.
Ambas passaram por todas as etapas da vida de uma mulher da época: casaram, tiveram filhos e tiveram amantes. "Entretanto, o século XVIII constitui uma espécie de paradoxo na história das mulheres privilegiadas. Ao mesmo tempo que mantinham para estas a obrigação de casar e de ter filhos, a ideologia dominante lhes concedia direito à negligência. A inconstância conjugal não era um vício. Pode-se mesmo dizer que a fidelidade era considerada um valor fora de moda, quase ridículo, e os cuidados da maternidade não eram considerados dignos das preocupações de uma mulher da alta sociedade".
Para remediar a insignificância da vida feminina, muitas mulheres das classes privilegiadas investiriam na vida social e mundana. "Outras, principalmente depois de 1750, tentaram voltar a dar vida e interesse às preocupações familiares". Madame du Châtelet pertenceu ao primeiro grupo. Madame d´Épinay, ao segundo.
Émilie fez um casamento de conveniência. Louise casou por amor com um primo irmão. "A mais satisfeita das duas foi, no entanto, a primeira. O Sr. du Châtelet revelou-se um marido muito gentil, discreto, cortês e amigo, enquanto o Sr. d´´Epinay foi uma caricatura de esposo execrável. Mas, ambos, não puderam, ou não quiseram, satisfazer suas esposas." Quem o fez foram Voltaire e Grimm, com quem elas formaram pares ligados por sentimentos e interesses. "É incontestável que esses dois homens deram às duas Émilies os trunfos necessários, mas não suficientes, para a realização da ambição delas: a estabilidade afetiva e o respeito do homem admirado, o que lhes dava confiança em si mesmas".
Badinter não foge da questão que nos ocorre nessa altura do texto. Não estamos aqui fazendo o mesmo de sempre, valorizando Émilie e Louise pela sua ligação com homens célebres? "Se fosse preciso expor a ambição masculina no século XVIII e particularmente a de Grimm e de Voltaire, deveríamos evocar suas relações afetivas e delas fazer a condição necessária à sua ambição?". A resposta é não. Voltaire e Grimm já eram conhecidos antes de se ligarem a elas. Não tiveram necessidade de admiração e reconhecimento das companheiras para investir em suas ambições. Já Émilie e Louise nasceram para desempenhar o papel tradicional de esposa, mãe e presença mundana nos salões da elite da época. "O amor, longe de ser uma fonte de alienação, foi a condição de emancipação e autonomia delas. Desde de que se sentiram amadas e respeitadas, elas cessaram de sentir a necessidade de correr atrás do reconhecimento dos outros". Podiam ser elas mesmas e se dedicar a sua ambição.
Émilie foi amante de Voltaire entre 1733 e 1741. Louise foi amante de Grimm entre 1754 e 1773. Ambas foram muito apaixonadas e foram correspondidas. Viveram com seus amantes uma comunhão intelectual, com estudo, leituras e trabalhos conjuntos. Deixaram de ser correspondidas em função de outras paixões, no caso de Voltaire, e, da ambição, no caso de Grimm. Mas nunca romperam a relação de amizade e companheirismo com eles. Ambos sobreviveram a elas.
Mas o que essas mulheres fizeram de extraordinário?
Émilie du Châtelet foi uma das primeiras, senão da primeira mulher Física de história. Escreveu Instituições da Física em 1740, no qual difunde a física newtoniana, pouco conhecida na França da época. E se distingue dos seus pares do século das luzes ao tentar conciliar Newton (1643-1727) com Descartes (1596-1650) e com a metafísica de Leibniz (1646-1716). A partir de 1744, ela se dedicou a traduzir os Principia de Newton para o francês em uma edição comentada. Sua morte precoce em 1749 a impediu de terminar o trabalho, que foi concluído pelo amigo Alexis Claude de Clairaut (1713-1765). Até hoje é a tradução de Newton que os franceses leem. Voltaire escreveu no prefácio:
"Essa tradução, que os mais talentosos homens da França deveriam ter feito e que os outros devem estudar, um mulher a empreendeu e terminou, para o espanto e a glória do seu país. Gabrielle-Émilie (...) é a autora desta tradução que se tornou necessária a todos que queiram adquirir os profundos conhecimentos que o mundo deve ao grande Newton. (...). Tem-se aí dois prodígios: o primeiro, que Newton tenha escrito estas obra; o outro, que uma mulher a tenha traduzido e esclarecido".
Louise, que foi anfitriã de Rouseeau (1712-1778), se dedicou a escrever sobre educação. Sua obra, Conversações com Émilie de 1774, escrita para a educação de sua neta, Émilie, subverte as instruções de Rousseau no seu Émile. Jean-Jacques, um dos grandes responsáveis pela submissão da mulher na era burguesa, recomendava à Sophie, companheira de Émile:
"Todos os estudos ociosos não levam a nada de bom (...). Que necessidade tem um menina de aprender a ler e escrever tão cedo? Terá ela logo uma casa para administrar? Muito poucas há que, ao invés de apenas abusar, fazem um bom uso dessa ciência fatal (...). ".
Pois nas suas Conversações, Louise construiu uma anti-Sophie: "Quando vós vos empenhais em cultivar a vossa razão, em orná-la com conhecimentos úteis e sólidos, estais abrindo para vós mesmas tantas novas fontes de prazer e de satisfação, tantos meios de embelezar vossa vida, de ter recurso contra o tédio e consolo durante a adversidade, quando conhecimentos e talentos. São bens que ninguém pode roubar-vos, que vos livram da dependência dos outros (...) que, ao contrário, tornam os outros dependentes de vós; pois quanto mais talentos e luzes temos, mais nos tornamos úteis e necessárias à sociedade.". Nas palavras de Badinter: "Rousseau pode prender as mulheres no lar quanto quiser, Madame d´Épinay lhes dá a receita para escapar". Louise escreveu outras obras, mas foram as Conversações que a tornaram célebre. Em 1783, foi premiada pela Academia Francesa.
Hoje as mulheres seguem os caminhos abertos por Émilie e Louise. São cientistas, pedagogas, políticas, intelectuais. Escolhem ter filhos ou não. Mas o baixo número de mulheres que escolhem carreiras científicas e a sombra dos ensinamentos de Jean-Jacques sobre a educação das meninas indicam que as Émilies ainda tem muito o que ensinar.
Ótimo texto! senti a necessidade imperiosa de ler sobre essas mulheres e o que escreveram. Abraço.
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