Um caso tenebroso (janeiro de 1841)
Volume XII: Estudos de Costumes: Cenas da Vida Política, Cenas da Vida Militar
Personagens: Michu, Marta Michu, mãe de Marta, Francisco Michu, Gaucher (criado de Michu), Mariana (criada de Michu), Marion, Malin (conselheiro de Estado, Conde de Gondreville), Grévin (tabelião em Arcis), Corentin, Peyrade, Violette (granjeiro), Lourença de Cinq-Cygne, Paulo Maria e Maria Paulo Simeuse, sr. e sra. d´Hauteserre, Catarina, Gontardo, padre Goujet, srta. Goujet, Durieu (cozinheiro), Goulard (maire), Roberto d´Hauteserre, Adriano d´Hauteserre (Marquês de Cinq-Cygne), José Fouché, Marquês de Chargeboeuf, Beauvisage (granjeiro de Bellache), juiz Lechesneau, Pigoult (juiz de paz), Bordin (procurador), sr. de Grandville (advogado), príncipe Talleyrand, Marcehal Duroc, Napoleão Bonaparte, Berta de Cinq-Cygne, Paulo de Cinq-Cygne, Princesa de Cadigan, Marquesa d´Espard, De Marsay, De Rastignac, Jorge de Maufrigneuse.
A história se passa entre 1803 e 1833.
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No Castelo de Cinq-Cygne |
Neste romance, que Paulo Rónai acertadamente caracteriza como magnífico e opulento, temos uma amostra do que Balzac teria feito se tivesse vivido mais. Um caso tenebroso é uma história que se passa no período do Consulado (10 de novembro de 1799 a 18 de maio de 1804). Não por acaso, ele está, na Comédia Humana, após Um episódio do Terror ambientado na época da Revolução. Balzac nos deixou títulos não escritos como Os soldados da República, Os Franceses no Egito e Moscou. Sofrimento para o leitor balzaquiano não poder ler essas histórias!
Um caso tenebroso compõe a pré-história da Restauração e da
Monarquia de Julho. Segundo Rónai, a história interessava a Balzac como repositório
dos germes da época em que ele vivia. Lá ele buscava explicações para o que via
e o que retratava.
Em setembro de 1800, o senador Dominique Clément de Ris foi
raptado em seu castelo em Beauvais por um bando de ladrões. Dezenove dias
depois foi libertado sem ter sofrido nenhum dano. José Fouché, Talleyrand e
Clément de Ris haviam tramado um golpe contra Bonaparte, caso ele não fosse bem-sucedido
na Itália. Com a vitória de Marengo, Fouché mandou seus homens resgatarem
documentos comprometedores no castelo de Beauvais, que, por cautela, raptaram o
senador. Porém, Napoleão ordenou a investigação e a punição dos culpados.
Fouché fez com que um grupo de jovens realistas, desafetos seus, fossem
acusados e executados. Balzac conhecia bem a história, pois o senador fora
protetor de seu pai, Bernard-François Balssa.
No romance o senador Clément de Ris é Malin. Os acusados são
os gêmeos Simeuse, os irmãos Roberto e Adriano d´Hautserre, e o empregado
Michu. Eles, de fato, haviam conspirado contra Napoleão, mas, com o perdão do Cônsul,
retornaram à França e, juntamente com o sr. e a sra, d´Hautserre e Lourença de
Cinq-Cygne, torciam contra o futuro imperador, mas sem agir. A trama, que
contou com a participação dos nossos conhecidos Corentin e Peyrade foi muito
bem executada, de modo que os acusados, mesmo com a excelente defesa do
advogado Grandville, foram condenados. Os nobres tiveram a pena convertida em ingresso no
serviço militar e Michu foi condenado à guilhotina. Paulo Maria, noivo de Lourença,
Maria Paulo e Roberto D´Hautserre morreram nas guerras napoleônicas. Uma
melancólica Lourença casou com Adriano e teve dois filhos, Paulo e Berta.
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Lourença e Napoleão |
Fazia algum tempo que não lia Balzac com tanta ansiedade, sem conseguir parar! Muito interessante os matizes que o autor apresenta dentro do espectro político pós-revolucionário. Temos realistas que se disfarçaram de jacobinos para sobreviver e prosperar, radicais que se acomodaram, realistas que aguardavam a volta do Antigo Regime, conspiradores, conformados, indiferentes - os nossos isentões - enfim - e em um quadro móvel. Com respeito ao Império, vários matizes de atitudes, especialmente da nobreza, da luta armada até a colaboração. Dá para entender por que Balzac recuou no tempo para melhor entender a Restauração.
Temos uma amostra da justiça durante o Consulado, um sistema inquisitorial no qual "o diretor do júri era, ao mesmo atempo agente da polícia judiciária, procurador do Rei, juiz de instrução e corte real" (BALZAC, 1991, p. 155). Balzac critica o júri com o mesmo argumento que já vi membros do Ministério Público utilizarem: "Por isso, é bem possível que os juízes ofereçam aos acusados mais garantias que os jurados. O magistrado não se fia senão nas leis da razão, ao passo que o jurado se deixa impelir pelas vagas do sentimento" (BALZAC, 1991, p. 155). "A inocência nada mais tem por si do que o raciocínio; e o raciocínio que pode impressionar os juízes é muitas vezes impotente sobre o espírito prevenido dos jurados" (BALZAC, 1991 ,p. 172).