
Lido em setembro de 2011.
Nunca pensei em ler uma biografia de Simone de Beauvoir. Mas duas
coincidências me levaram a fazê-lo. Assisti, em agosto, a peça Viver
sem Tempos Mortos na qual Fernanda Montenegro apresenta um monólogo a
partir de textos das obras e a correspondência de Simone. Gostei muito
de algumas passagens, a ponto de pensar como seria bom ter o texto da
peça para ler. Algumas semanas depois, fui à biblioteca localizada no
clube que frequento. É um biblioteca organizada com doações dos sócios,
de modo que há muitos livros antigos. Encontrei o livro e abri na
primeira página: “Nasci, às quatro horas da manhã, a 9 de janeiro de
1908, num quarto de móveis laqueados de branco e que dava para o
Bulevar Raspali.” Quem resiste a esse início?
Simone escreveu esse primeiro volume da sua autobiografia (houve diversos
outros depois) aos quarenta e oito anos. Ouso dizer que se trata de uma
biografia de “formação”. Como nos romances de formação, existe um ponto
de partida e um ponto de chegada: esse último é a vida adulta.,
Os primeiros anos são dominados pela família: classe alta, mas não ricos;
católicos, o pai , formalmente, a mãe, devota. Simone atribui muito
mais influência ao pai do que à mãe em sua personalidade. Ele era um
homem culto, gostava de literatura - organizava um caderno com
recomendações de livros para Simone - e tinha uma paixão: representar.
Simone comenta que ele não desprezaria os preconceitos do seu meio para
abraçar uma carreira de ator. Desse modo, se realizava participando de
montagens amadoras na casa dos amigos. A mãe era uma católica severa e
devota. Simone dá a impressão de viver um clima de animosidade com
Françoise desde muito pequena. Ela atribui às diferenças entre seus
pais a origem de seus pendores intelectuais: “(...)o individualismo de
papai e sua ética profana contrastavam com a severa moral
tradicionalista que mamãe me ensinava. Esse desequilíbrio que me
impelia à contestação explica em grande parte que tenha me tornado uma
intelectual.”
A religião católica ocupava um local importante na vida de Simone. Ela
era devota e participava de todos os rituais: comunhão, novenas,
retiros. Chegou a formular um plano secreto de se tornar freira. Mas
um sermão do padre de sua igreja que contava que uma menina que lera
livros inadequados, ficou confusa e se suicidou perturbou sua fé. Mais
tarde ela relata a naturalidade da perda de sua fé. A Simone de
quarenta e oito anos que escreveu, filosofou a respeito, mas a garota
de quinze um dia deu-se conta de que deus não existia.
A partir desse ponto, a vida de Simone vai se diferenciando da das
mulheres de sua geração. Mas não sem percalços. O principal talvez
tenha sido a paixão pelo primo Jacques e o sonho acalentado por anos
de casar com ele. Aqui a Simone madura hesita em revelar que tenha
cultivado tanto esse sonho. Mas a recorrência com que Jacques aparece
no relato e o final demonstram que por pouco um dos casais mais
famosos do século XX não teria existido. Na última parte do livro
Simone declara querer tirar a limpo suas relações com Jacques. Quando
ainda estava em um estranho namoro e após uma viagem de Jacques para a
Argélia, Simone foi surpreendida pela notícia de que ele havia ficado
noivo de uma moça que mal conhecia. Então ela conta que o casamento não
deu certo e que Jacques passou por uma enorme decadência financeira. Encontrou-o
vinte anos depois, envelhecido, doente em função do alcoolismo, vestido
como um mendigo e vivendo de favores. Ela nos conta que faleceu com
quarenta e seis anos.
Tudo bem que o leitor da biografia precisava
saber do namoro de Simone com o primo e do desfecho. Mas a narrativa
parece mais uma desforra: viram, ele casou com outra (não me quis) e
vejam o que lhe aconteceu?! As feministas são mulheres como todas as
outras.
Teria muito para contar. A biografia é rica, densa. Há a decisão de estudar
filosofia, a amiga Zaza, que faleceu aos vinte anos, uma incursão de
nossa moça bem comportada pela vida boêmia na Paris dos anos 1920 e,
bem no final, o encontro com Jean-Paul Sartre, que será desenvolvido no
próximo volume.
Gostei muito da leitura, pois me identifiquei com alguns pontos. Eu também
tive uma educação católica e pensei em ser freira. E, por volta dos
doze ou treze anos, deixei de acreditar em deus de uma forma natural.
Não li nada, ninguém me falou nada, só passei a sentir que aquilo não
fazia sentido. Eu também construí a minha identidade através da leitura
e até hoje tenho uma paixão feroz por aprender. Muito do que ela falou
sobre isso tem a ver comigo.
Belo post, gostei. Você já terminou a leitura?
ResponderExcluirEu estive por algum tempo procurando por este livro e, ontem, por sorte, descobri que um sebo a poucas quadras da minha casa, aqui em Porto Alegre, tem este livro. Já liguei e reservei :)
Agora é começar a leitura.
Obrigada, Leonardo. Eu terminei de ler. Gostei muito, não só da parte propriamente biográfica, mas também como testemunho da época em que ela viveu. Também sou de Porto Alegre. Obrigada pelo comentário e um abraço. Cíntia.
ExcluirMaravilhosa a sua analise!!
ResponderExcluirNao consigo encontra-lo aqui em sebos, sabe se consigo por meio de Downloads?
Grande beijo.
Olá, Beatriz. Obrigada. Creio que tu encontras na Estante Virtual, na internet.
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