O avesso da história contemporânea (agosto de 1848)
Volume XI: Estudos de Costumes: Cenas da Vida Parisiense
Personagens: Godofredo, sra. de La Chanterie (Barbe Philiberte de Champignelles), sr. Millet, Manon (criada), Frederico Mongenod, Luís Mongenod, sra. Mongenod (mãe de Frederico e Luís), padre de Vèze, sr. Alain, Nicolau (Marquês de Montauran), sr. José ( Lecamus, Barão de Tresnes), Henrique (marido de La Chanterie), Henriqueta Bryond des Tours-Miniere (filha de La Chanterie), Bernardo Bryond (marido de Henriqueta, também conhecido como Contenson), Rifoel du Vissard, Bordin (advogado), Dr. Berton, sr. Bernardo (Barão de Bourlac), Nepomuceno, sr. Barbet, Felicidade, sra. Vauthier, Augusto, Dr. Moisés Halpersohn, sr. Cartier, Vanda,
A história inicia em 1836
O segundo episódio de O avesso da história contemporânea, O iniciado, é o último texto escrito por Balzac. Ele foi escrito em dezembro de castelo de Wierzchownia (Verkhivnia) na Ucrânia, propriedade de Eveline Hanska. Isso explica os personagens poloneses. O Barão de Bourlac era casado com uma polonesa com quem teve uma filha que usa um nome polonês, Vanda. O médico judeu polonês, Moisés Halpersohn, foi provavelmente inspirado no médico de Eveline, o dr. Knothe.
Aqui nosso historiador dos costumes entra em um terreno no qual tem mais dificuldade: falar da virtude, no caso, a caridade cristã. A pena de Balzac é soberba para narrar os vícios de Paris. Em O avesso da história contemporânea - o título já é alusivo, está se contando o contrário do que se espera - descobrimos a existência de uma confraria de pessoas que, mesmo tendo sofrido terríveis injustiças, se dedicam a fazer o bem sem esperar contrapartida. No mesmo espírito da História dos Treze, mas aqui de forma mais organizada.
O personagem principal é Godofredo, jovem de origem humilde, mas com pretensões burguesas que, após uma série de atitudes equivocadas, se vê sem perspectiva de futuro. Acabou encontrando uma moradia peculiar onde vivia a sra. de La Chanterie e seus companheiros. Apoiados pelos banqueiros Mongenod eles se ocupavam em procurar pessoas que precisavam de ajuda e ajudá-las financeiramente e com outros meios. Esperavam que essas pessoas, tendo melhorado de vida, restituiriam à confraria o dinheiro utilizado. A sra. de La Chanterie revelou a Godofredo que somente metade do dinheiro era recuperada.
A história de La Chanterie é baseada nos episódios dos chauffeurs na época da Revolução Francesa. Chauffeurs eram bandos organizados que assaltavam casas e queimavam os pés das vítimas para que elas revelassem onde estavam seus bens escondidos. A senhora teria se envolvido com o grupo através da sua filha, Henriqueta, e não sabia de seus propósitos criminosos. Henriqueta foi condenada à morte e guilhotinada e a mãe, apesar de inocente, passou vinte anos na prisão, tendo sido libertada por Luís XVIII. Passou então a presidir o grupo de benfeitores para praticar a caridade.
Godofredo se uniu ao grupo e recebeu sua primeira missão: ajudar um pai, sr. Bernardo, cuja filha, Vanda, sofria de uma doença desconhecida e incapacitante. Ele o o neto viviam em grande pobreza, ainda que proporcionassem à moça uma série de luxos. Godofredo conseguiu que o médico Halpersohn tratasse à jovem. E estava em vias de conseguir que uma obra escrita por Bernardo, Espírito das Leis Modernas, fosse publicada. É quando Godofredo descobriu que Bernardo era o Barão Bourlac, o procurador-geral de Rouen, que condenara a sra. de La Chanterie e a filha. No final, o Barão, com a filha curada e a vida refeita, implorou o perdão da senhora, que o perdoou.
Não gostei. A história dos crimes que condenaram La Chanterie é confusa, com personagens que possuem mais de um nome e uma série de reviravoltas. O personagem Godofredo não convence. É um jovem ressentido e ambicioso e se torna, rapidamente, um homem piedoso e devotado a La Chanterie. Ela é uma verdadeira santa, sendo modelo de todas as virtudes. A doença de Vanda é totalmente bizarra, parece mais uma espécie de possessão demoníaca. Como nos diz Paulo Rónai, na Introdução, no romance "o leitor facilmente surpreende os defeitos das primeiras obras - grandes concessões aos romantismo, caracteres excessivamente simplificados, estrutura fragmentada - agravados pela presença constante da tendência moralizadora" (BALZAC, 1991, p. 528). O perdão final da sra. La Chanterie não economiza na pieguice: "Por Luís XVI e Maria Antonieta, aos quais vejo no cadafalso, pela sra. Elizabeth, por minha filha, pela sua, por Jesus, perdoo-lhe" (BALZAC, 1991, p. 5).
Mas Balzac é Balzac. Sempre encontramos trechos interessantes. Veja-se esse: "A solidão tem seduções comparáveis à vida selvagem, que nenhum europeu abandonou depois de a ter provado. Isso poderá parecer estranho numa época em que cada um vive tão bem para os outros que todos se preocupam com cada um, e em que a vida privada em breve não existirá mais, de tal forma os olhos do jornal, Argos moderno, se avantajam em ousadia, em avidez" (BALZAC, 1991, p. 558). Eis nosso historiador de costumes antecipando as redes sociais!
BALZAC, Honore de. A Comédia Humana. vol. XI. São Paulo: Globo, 1991.
Imagem de Adrien Moreau em Honoré de Balzac, The Other Side of Contemporaneous History. Philadelphia: George Barrie & Son, 1897. Não havia identificação, mas eu vejo a sra. de La Chanterie, e Godofredo se curvando na frente dela.
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