segunda-feira, 14 de março de 2011

Stalingrado - o Cerco fatal


Lido entre 3 e 8 de março de 2011.

Stalingrado de Antony Beevor é um livro descritivo. O autor inicia com a operação Barbarossa em junho de 1941 e logo se fixa na ação do grupo sul do exército alemão: como eles rapidamente se dirigiram ao Rio Don e, logo após, ao Rio Volga, às margens do qual se situava a cidade que, em nenhum plano prévio, era um objetivo na guerra.
O exército alemão entrou na Rússia em 21 de junho de 1941. Apesar da movimentação nas fronteiras, das inúmera informações do serviço de espionagem e da atitude dos diplomatas alemães em Moscou, Stalin se recusava a acreditar que Hitler romperia o pacto. Sua letargia custou a vida de milhares de soldados e de civis, despreparados, nas regiões de fronteira e o bombardeio no solo de quase toda a força aérea soviética.
Os alemães, depois de um início promissor, enfrentaram o primeiro inverno na Rússia. O comando alemão, julgando que seria possível reproduzir o sucesso da frente ocidental, não preparou o exército para o frio. O resultado foram milhares de mortes, perdas de oficiais e de equipamento. No início de 1942 já estava claro para os soldados que não voltariam logo para casa. Logo que terminou o inverno, os alemães reagiram, lançando a Operação Azul. Seus objetivos eram isolar o Volga e destruir as indústrias de guerra de Stalingrado. Foi um sucesso: em 23 de julho de 1942, ambos foram atingidos. Mas Hitler tomava decisões de forma errática e impulsiva. Em agosto, decidiu que a captura de Stalingrado era um importante objetivo. “Hitler, que jamais quisera que suas tropas se envolvessem em luta de rua em Moscou ou Leningrado, decidiu capturar essa cidade a qualquer preço”. Em setembro, ocorreu um macivo ataque. Mas não foi suficiente para a captura da cidade. Foi quando começou o inferno alemão às margens do Volga.
“O combate na própria Stalingrado não poderia ter sido mais diferente. Representava uma nova forma de guerra, concentrada nas ruínas da vida civil. Os detritos de guerra - tanques destruídos pelo fogo, cápsulas de granadas, instalações elétricas de telégrafos e sinalização e caixas de granadas - misturavam-se com os destroços de casas de família - camas de ferro, abajures e utensílios domésticos (...). Os generais alemães parecem não ter imaginado o que aguardava suas divisões na cidade em ruínas. Perderam as grandes vantagens da Blitzkrieg [guerra relâmpago] e foram em muitos aspectos lançados de volta às técnicas da Primeira Guerra Mundial embora seus teóricos militares houvessem afirmado que a guerra de trincheiras fora ´uma aberração da arte marcial`. (...) À sua maneira, o combate em Stalingrado foi ainda mais apavorante do que o massacre impessoal em Verdun. O combate à queima roupa nos prédios em ruínas, casamatas, porões e esgotos foi logo apelidado de ´Ratenkrieg` pelos soldados alemães. Proporcionava uma intimidade selvagem, estarrecedora para seus generais, que sentiam estar perdendo rapidamente o controle dos acontecimentos. ´Emboscadas saídas de porões, restos de parede, casamatas escondidas e ruínas de fábricas causam muitas baixas entre nossas tropas`”.
Em 9 de novembro de 1942, o inverno chegou. A temperatura baixou para 18 graus abaixo de zero. Em 11 de novembro, ocorreu o ataque final alemão. Os russos sofreram pesadas baixas complicadas pelas banquisas no Volga congelado (o qg russo ficava na margem oriental do Volga). Mas Stalingrado não caiu.
Desde setembro, o soviéticos preparavam em segredo a sua ofensiva, denominada operação Urano. A ideia, dos generais Jukov e Vasilevski, era criar novos exércitos e unidades blindadas e cercar o 6º Exército alemão. Hitler não acreditava que a União Soviética dispusesse de exércitos de reserva e que os russos pudessem empreender uma ofensiva na região. A ideia de que lançariam um ataque em duas frentes, pelo norte e pelo sul, não era crível, mesmo depois de começarem a detectar a movimentação das tropas. Em 19 de novembro iniciou o ataque. Alguns dias depois, ficou claro que o Sexto Exército seria cercado. O abastecimento dos alemães estava cada vez mais difícil. As rações foram reduzidas e os soldados passaram a morrer de fome. O general Manstein apresentou um plano a Hitler para romper o cerco soviético e deixar Stalingrado. O Führer recusava o abandono da cidade. Em 10 de janeiro ocorreu o último ataque russo. A partir daí, a única saída para os alemães era por avião. Os aviões partiam com feridos sob bombardeio russo. O último partiu em 23 de janeiro de 1943. Hitler, já decidido a abandonar o Sexto Exército, promoveu Paulus, seu comandante, a marechal (imaginava que Paulus iria se suicidar, tornando-se mártir), e incitou aos soldados a lutarem até o fim. Em 31 de janeiro, Paulus e outros oficias alemães importantes foram presos pelos russos.
Beevor conta essa história com muitos detalhes militares. Podemos acompanhar nos mapas as movimentações dos exércitos. Igualmente, acompanhamos Hitler, Stalin, Chuikon, Jujov, Vasilevski, Paulus, Manstein. Mas o autor também explora fonte interessantes, como cartas dos soldados de ambos os lados para as suas esposas (algumas, tristemente, nunca chegaram a seu destino), diários e até grafites nos muros de Stalingrado. Detalhes prosaicos, como as casamatas alemãs, gélidas e miseráveis, enfeitadas para o Natal de 1942 e um oficial que tocava Beethoven em um piano dentro de sua casamata. A parte feia da guerrra, a fome que assolou o exército alemão, os piolhos que infestavam seus corpos desnutridos, os feridos deixados para morrer, os os dedos dos pés caindo congelados.
Em termos de barbárie, há empate. Os alemães deportavam os judeus pelo caminho e esses eram assassinados em massa. Os prisioneiros russos eram mandados para campos que consistiam em em cercado no meio do gelo. Lá, trabalhavam até a morte, muitos carregando cargas, como cavalos. A população civil tinha suas casas queimadas e era posta na rua, quase sem roupa. No fim do cerco, os russos deram vazão à vingança. Os hospitais com feridos alemães foram abandonados, os presos era fuzilados sem motivo. Dos soldados alemães presos em Stalingrado, somente 5% sobreviveram.
O autor também menciona temas desconfortáveis para ambos os lados. Um deles é a grande quantidade de Hiwis, soviéticos que lutaram ao lado dos alemães. Muitos foram leais até o fim. Uma das estatísticas (há diversas e não são seguras) calcula que entre os cercados havia 232 mil alemães, 52 mil Hiwis e 10 mil romenos. Outro tema é o preconceito dos alemães em relação a seus aliados: romenos, austríacos e italianos. Havia pouco empenho em armá-los e socorrê-los em caso de perigo. Havia ainda as deserções. Soviéticos e alemães faziam intensa propaganda com panfletos e auto-falantes na língua do inimigo incitando a deserção. Em princípio, o desertor era fuzilado por seus pares e o que não o fizesse poderia ser morto também. Mas com o avançar da batalha, com a fome, o frio e o desânimo, houve certa leniência para com os desertores.
Stalingrado caiu no final de janeiro de 1943 e se transformou num símbolo da vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial. Para os alemães, marcou o “point of no return”. Antony Beevor faz um relato interessante e bastante imparcial.

Para quem gosta de cinema, há dois filmes interessantes sobre Stalingrado. Stalingrad, de 1993, do diretor alemão Joseph Vilsmeier, conta a história de um batalhão de soldados do Sexto Exército. Realista e muito fiel à história. Enemy at the Gates (em português com o título rídiculo de Círculo de Fogo), de 2001, do direitor francês Jean-Jacques Annaud. Filme mais no padrão hollywodiano com Jude Law, Ed Harris e Rachel Weisz. Conta a história do franco-atirador Vasili Zeitzev, jovem dos Urais, alçado à condição de herói da União Soviética. Há romance, disputa da mocinha e um final feliz na medida do possível para os amantes. Mas mostra situações interessantes e reais, como a batalha entre os escombros com os dois exércitos ocupando pavimentos diversos dos prédios (há cenas na famosa loja de departamentos), a importância e o prestígio dos franco atiradores, os civis morando nas ruínas, o uso da propaganda na guerra. Vale à pena, mas se tiver que escolher um, escolha o alemão.

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