Lido entre 17 de agosto e 12 de setembro de 2011.
Gosto muito de biografias. E não me importa muito se a história é da vida de alguém conhecido ou desconhecido. Sei, pois trabalho como historiadora, o quanto uma biografia pode ser distorcida, especialmente uma autobiografia. Mesmo assim gosto, ainda que reconheça que, via de regra, o que lemos é uma versão do que realmente aconteceu.
A Língua Absolvida me despertou a atenção, pois, além de uma biografia (é o primeiro volume de três), é originalmente escrito em alemão. Mas o que me fez levá-lo para casa, foi um detalhe: Elias Canetti, Prêmio Nobel de Literatura de 1981, era búlgaro de nascimento e sua língua materna não era o alemão, mas o ladino, língua dos judeus sefaradins. Considero um mistério um escritor tornar-se um mestre num idioma que não é o seu. Fiquei assombrada quando soube que Joseph Conrad aprendeu inglês depois dos vinte anos. Canetti aprendeu alemão ainda menino, mas, mesmo assim é algo fascinante
A Língua Absolvida cobre o período de 1905, ano de nascimento de Canetti, a 1921.
O autor nasceu em Buschuk na Bulgária em uma grande família de judeus sefaradins. Da infância mais tenra se destacam as lembranças dos dois avós, o Canetti e o Arditti, a casa comunal com as empregadas búlgaras, a visão assustadora e irresistível dos ciganos e a “língua mágica”. Seus pais, quando não queriam ser compreendidos, falavam em alemão, que Canetti considerava uma língua mágica. Foi seu primeiro contato com a língua adotada que se tornaria a sua.
Quando tinha seis anos, seus pais se mudaram para Manchester na Inglaterra. Foi uma decisão de seu pai que queria escapar do jugo paterno. Resolveu ir tabalhar com um cunhado que tinha uma empresa na Inglaterra. O avô Canetti não aceitou a decisão e, ao perceber que era irreversível, amaldiçoou o filho diante de toda a família. O pai de Elias, Jacques, quando jovem, desejou tornar-se ator. Mas o velho Canetti impôs a ele um destino de comerciante.
Eis que agora, aos trinta anos, com esposa e três filhos, ele iria viver por sua conta. Cerca de um ano depois, um dia, depois do café da manhã, Jacques Canetti teve um infarto e caiu morto na sala de jantar - a maldição se concretizara.
A família foi, então, residir em Viena. Na verdade, Elias ficou com a mãe, e os irmãos menores foram para um escola na Suíça. A mãe, Mathilde, que segundo Elias, até a morte do pai, não tinha muita importância, passou a ser a figura chave de sua infância. Ela ensinou-lhe alemão, a língua mágica, de forma brutal, mas funcionou. Eles passavam os serões discutindo obras literárias, especialmente teatrais. Elias relata algumas lembranças da guerra - os versinhos ofensivos que os colegas diziam sobre os russos e o quanto isso irritava sua mãe, uma pacifista ferrenha, o racionamento, as filas, o pão feito de estranhas mistura., um triste trem de refugiados.
Em 1916, foram para a Suíça. Lá a mãe trouxe os filhos para a casa e assumiu a rotina sem ajuda. Isso durou dois anos e então ela adoeceu - não tinha estrutura para criar três crianças sozinha.
Então, em 1919, Elias foi morar em uma pensão administrada por solteironas em Tiefenbrunnen na Suíça. Nesse período apaixonou-se por ciência e escreveu sua primeira obra literária. Faz um retrato riquíssimo de seus professores e de alguns colegas. Em maio de 1921, a mãe preocupada com o caráter do filho foi buscá-lo na escola para enviá-lo à Alemanha. Elias não queria ir, mas a mãe estava irredutível.
Se destaca nesse primeiro volume o retrato vívido e honesto de Mathilde. Ela aparece com todas as complexidades: como a mulher que despertava ciúme no marido; pacifista, extremamente afetada pela guerra, mãe recalcitrante, que queria, mas não conseguia cuidar dos filhos sozinha; leitora apaixonada e voraz; vaidosa; frustrada; agressiva. A passagem em que ele revela a fantasia de Mathilde de que um suposto famoso pintor que eles encontraram num hotel queria pintá-la faz com que mulher saia das páginas do livro e saia andando na nossa frente. O homem maduro que escreve a biografia compreendeu que a mulher que sua mãe foi abrira mão de uma vida própria pelos filhos - ela enviuvou jovem, poderia ter se casado novamente, se dedicado aos estudos. Ela se sacrificou, mas não conseguia esconder a frustração.
A história do pai que desejava ser ator, mas tornou-se comerciante, dá o tom do conflito vivido por Elias nesse período da vida. Ele estava se tornando um intelectual e a frase do pai ecoava em seu pensamento: “Você será aquilo que quiser ser. Você não precisará ser comerciante como eu e os tios. Você estudará e escolherá aquilo que mais lhe agradar”. Mas a mãe, também filha de comerciantes, após incentivar nele a leitura e a busca de conhecimento, o chama para a vida prática: “Quem lhe dará dinheiro para isso? (estudar)”. O conflito da vida do pai, chegou à do filho aos dezesseis anos
Muito bom seu resumo!
ResponderExcluirObrigada, Tania. É sempre bom ter um retorno. Um abraço.
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