
Lido entre 11 e 18 de junho de 2011.
Livro fundamental para quem, como eu, gosta de história da Segunda Guerra Mundial, especialmente da União Soviética.
O escritor Vasily Grossman acompanhou o exeŕcito vermelho entre agosto de 1941 e maio de 1945 como correspondente do jornal Krasnaya Zvezda. Escreveu centenas de artigos que eram atenciosamente acompanhados tanto pelos soldados, quanto pelas autoridades. Também manteve um caderno de notas cujo conteúdo, para a sua sorte, só era conhecido pelo amigo Ilya Ehrenburg. Nesses cadernos, havia anotações que teriam custado a Grossman um lugar no gulag até o final de sua vida: a incompetência dos oficiais soviéticos; o desprezo das autoridades pela vida dos soldados; o colaboracionismo da população, especialmente dos ucranianos, com os nazistas; a inutilidade da burocracia; a crueldade dos soldados do exército vermelho quando da retomada dos territórios ocupados (e não somente contra alemães).
Esse volume foi cuidadosamente preparado pelo historiador Antony Beevor, que tomou conhecimento das anotações de Vasily Grossman quando escrevia Stalingrado, livro por mim aqui resenhado. Além das anotações, alguns artigos e algumas cartas escritas por Grossman (a maior parte para seu pai), o livro conta com uma contextualização, já que as notas são fragmentadas.
Quem lê as anotações de Grossman e não conhece Vida e Destino, terá informações interessantes sobre alguns dos principais cenários da guerra na União Soviética. Ele escreveu em seus cadernos sobre o terrível desastre que foi a invasão alemã em 1941, embora tenha suavizado isso em seus artigos. Descreveu a realidade dos soldados nas frentes de batalha, os problemas a serem administrados pelos comandantes e o terror da população civil fugindo da iminente invasão alemã.
Stalingrado é ponto alto das anotações. Grossman permaneceu na cidade durante toda a batalha e, apesar das críticas em seus cadernos, apresenta uma perspectiva totalmente patriótica: a vitória foi o resultado de uma explosão de patriotismo, nos moldes da vitória sobre o exército francês em 1812. Sua ênfase é no soldado comum. Ele critica a vaidade dos oficias que, após a vitória, se gabavam de seus feitos, ignorando o sacrifício do soldado comum e da população civil.
Especialmente tocantes são as passagens relativas à descoberta do massacre de Berdichev e do campo de extermínio de Treblinka. Berdichev era a cidade natal de Grossman e lá sua mãe, Yekatarina Savelievna, morreu em um massacre perpetrado por um dos famigerados SS Sonderkommando em setembro de 1941, quando cerca de 30 mil judeus foram assassinados a tiros em clareiras e enterrados em covas coletivas. O escritor não recebia notícias da mãe desde a época de sua morte, mas somente em janeiro de 1944 descobriu o que realmente ocorrera. Descobriu também, a colaboração dos ucranianos com os nazistas.
A partir desse momento, Grossman começou a escrever artigos denunciando o que na época não tinha nome, mas que seria conhecido como o holocausto. O assassinato de judeus em Berdichev foi um dos primeiros escritos na história sobre os massacres nazistas. Foi, como também o posterior trabalho de Grossman de denúncia dos crimes nazistas, censurado pelas autoridades soviéticas. Stálin era contra enfatizar o sofrimento de uma etnia. A propaganda oficial era de que todos os soviéticos estavam sofrendo igualmente com a invasão nazista.
Em julho de 1944, Grossman chegou ao que restava do campo de Treblinka, na Polônia. Os nazistas, percebendo a reação do exército vermelho destruíram o campo e queimaram os corpos que estavam enterrados. Grossman fez um trabalho de detetive, entrevistando os poucos sobreviventes, a população local, desenhando a estrutura e descrevendo o funcionamento do campo. Seu artigo O inferno de Treblinka foi utilizado no julgamento de Nuremberg. Lá ele constatou que quem fazia o “serviço sujo” no campo - retirava os pertences das vítimas, encaminhava as vítimas para a câmara de gás, cortava os cabelos, extraía os dentes dos cadáveres e queimava os corpos - eram ucranianos.
No final, Grossman acompanhou unidades do exército vermelho até Berlim. Não há muitas notas desse período. Mas há registros da crueldade dos soldados russos com a população civil, e não somente população alemã. Eles saqueavam seu próprio povo e, inclusive, muitos oficiais se comportavam como ladrões. E não eram somente as “Frauleins” que sofreram nas mãos dos russos. Mulheres e meninas soviéticas também eram estupradas pelos soldados que se comportavam como animais, bêbados e selvagens.
Quem lê os cadernos de Grossman e leu Vida e Destino tem outra perspectiva. Estamos diante da pesquisa de Grossman para o trabalho de sua vida. Sua atenção aos detalhes, sua preocupação com o cotidiano dos soldados, com as piadas, com as gírias, com a comida, tudo foi “laboratório” para Vida e Destino. Até os modelos de alguns personagens estão lá.
Grossman foi um excelente jornalista de guerra, talvez um dos melhores de todos os tempos. Mas seu trabalho como escritor não fica atrás.