segunda-feira, 4 de julho de 2011

Bom-Crioulo

Bom-Crioulo de Adolfo Caminha foi publicado em 1895. Adolfo Caminha foi oficial da Marinha e faleceu precocemente, aos 30 anos, de tuberculose. Dos três romances que deixou, Bom-Crioulo é o mais conhecido e, segundo os críticos, o melhor.
Conta a história de Amaro, um escravo fugido, que se alistou na Marinha do Brasil. Era extraordinariamente forte, simpático e capaz para o trabalho, ao ponto de receber a alcunha de “Bom-Crioulo”. Apesar de já ter trinta anos havia tido pouca experiência com mulheres e nada promissoras. Na corveta em que servia, ingressou um grumete catarinense de apenas quinze anos, louro, de olhos azuis, um efebo, nas palavras do narrador. Bom-Crioulo passou a proteger Aleixo, o grumete, fazendo-lhe favores e defendendo-o em caso de disputas. Passou a desejar fisicamente ao rapaz, e após algum tempo, tornaram-se amantes.
Bom-Crioulo, então, mudou seu comportamento. Passou a descuidar do trabalho e beber, o que o deixava descontrolado e violento. Arranjou, então, um quarto para viver com o grumete em terra, em uma pensão na rua da Misericórdia. A dona da casa era uma portuguesa de 38 anos chamada Carolina. Fora prostituta no passado e agora vivia do aluguel de quartos e da ajuda de um açougueiro, que era seu amante. Ela logo percebeu o caráter das relações entre Bom-Crioulo e o grumete.
O marinheiro foi então transferido para um couraçado, onde dispunha de poucos dias de folga, de modo que passou a se encontrar com menos frequência com o rapaz. Nesse meio tempo, a portuguesa seduziu o grumete, tornando-se sua amante. Ele, já cansado de Bom-Crioulo, passou a desprezá-lo.
Bom-Crioulo desertou do navio e envolveu-se em uma briga, sendo punido com muitas chibatadas e enviado ao hospital. Lá emagrecia e via crescer em si o despeito e o desejo pelo adolescente. Encontrou um marinheiro da corveta que lhe disse que Aleixo encontrava-se amigado com uma mulher em terra. Fugiu do hospital e na padaria, em frente à pensão de Carolina, descobriu que amante de Aleixo era a portuguesa. Ao encontrar Aleixo, matou-o com uma faca e foi recolhido à prisão.
Adolfo Caminha é classificado pelos críticos literários como naturalista. Sergius Gonzaga considera-o o segundo nome do naturalismo brasileiro, depois de Aluísio de Azevedo. As cenas são muito vivas e ricas. E as descrições das relações homossexuais entre Bom-Crioulo e Aleixo são um tanto explícitas: “Um cousa desgostava o grumete: os caprichos libertinos do outro. Porque Bom- Crioulo não se contentava em possuí-lo a qualquer hora do dia ou da noite, queria muito mais, obrigava-o a excessos, fazia dele um escravo, uma 'mulher-a-toa` propondo quanta extravagância lhe vinha à imaginação,(...) Estava satisfeita a vontade de Bom-Crioulo. Aleixo surgia-lhe agora em pleno e exuberante nudez, muito alvo, as formas roliças de calipígio ressaltando na meia sombra voluptuosa do aposento, na penumbra acariciadora daquele ignorado e impudico santuário de paixões inconfessáveis... pujante;(...) Sodoma ressurgia agora numa triste e desolada baiúca da Rua da Misericórdia (...) A brancura láctea e maciça daquela carne tenra punha-lhe frêmitos no corpo, abalando-o nervosamente de um modo estranho, excitando-o como uma bebida forte, atraindo-o, alvoroçando-lhe o coração. Nunca vira formas de homem tão bem torneadas, braços assim, quadris rijos e carnudos como aqueles... Faltavam-lhe os seios para que Aleixo fosse uma verdadeira mulher!... Que beleza de pescoço, que delícia de ombros, que desespero!... Dentro do negro rugiam desejos de touro ao pressentir a fêmea...”.
Também há ricas descrições da vida no mar, bem conhecida do escritor. Os castigos físicos brutais a que eram submetidos os marinheiros, que alguns anos depois, em 1910, deram causa à Revolta da Chibata são descritos minuciosamente: “E solto agora dos machos, triste e resignado, Herculano sentiu sobre o dorso a força brutal do primeiro golpe, enquanto uma voz cantava, sonolenta e a arrastada: Uma!... e sucessivamente: duas!... três!... vinte e cinco!
Herculano já não suportava. Torcia-se todo no bico dos pés, erguendo os braços e encolhendo as pernas, cortado de dores agudíssimas que se espalhavam por todo o corpo, até pelo rosto, como se lhe rasgassem as carnes. A cada golpe escapava-lhe um gemido surdo e trêmulo que ninguém ouvia senão ele próprio no desespero de sua dor. Toda gente assistia aquilo sem pesar, com a fria indiferença de múmias. —Corja! regougou o comandante brandindo a luva. Não se compenetram de seus deveres, não respeitam a autoridade! Hei de ensiná-los: ou racho-os.”
Encerro com a respeitável opinião do professor Sergius Gonzaga: “Somando-se à morbidez do amor homossexual de Amaro, seu ciúmes, seu tormento íntimo e seus ímpetos criminosos à descrição precisa da vida no mar, às cenas terríveis de sadismo dos oficiais da Marinha de Guerra no brasil, Bom-Crioulo deve ser considerado o romance brasileiro de atmosfera mais sufocante e opressiva do século XIX. Há nele um clima expressionista de sombras ameaçadoras e de deformação dos carácteres. Trata-se, com certeza de uma pequena obra-prima”. (GONZAGA, Sérgius. Curso de Literatura Brasileira. Porto Alegre: editora Leitura XXI, 2010, p. 215.)
O audiolivro que ouvi, da editora Luz da Cidade é narrado pelo ator Pedro Paulo Rangel. No início não gostei da dicção dele, com um sotaque carioca muito carregado. Depois, me acostumei. No final já estava gostando.

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