sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Adolphe

Adolphe (French Edition) Benjamin Constant. [Kindle Edition].

 

Lido em junho de 2011.

Meu conhecimento sobre Benjamin Constant se limitava à leitura, na época da faculdade, do ensaio Sobre a liberdade dos antigos comparada a dos modernos. Foi Balzac quem me levou ao Benjamin Constant escritor de ficção.
Na obra A Musa do Departamento, Balzac cita diversas vezes a novela Adolphe. Ele faz do romance entre Diná e Losteau uma reedição do caso de Adolphe e Ellenore.  A obra me interessou e, graças ao Kindle, obtive o texto original na hora em que decidi lê-lo.
Me surpreendi com a riqueza e profundidade da novela que trabalha um tema difícil: o fim do amor -  não o fim abrupto, mas o fim gradual, durativo, cansado.
Adolphe era um jovem de 22 anos que havia terminado seus estudos na Universidade de  Gotinghan. Ele então instalou-se no principado de D. Levando uma vida frívola, sem um objetivo definido, Adolphe tornou-se confidente de um jovem que, depois de idas e vindas, conquistou uma dama da sociedade. Os relatos do amigo aguçaram a curiosidade de Adolphe. Neste meio tempo, ele travou conhecimento com o conde de P, um homem de quarenta anos conhecido de seu pai. O conde vivia com sua amante, uma bela polonesa, há dez anos, e tinha com ela dois filhos. Adolphe considerou Ellenore “digna” de ser por ele conquistada. Depois de lutar contra a própria timidez, o jovem, aproveitando uma viagem do conde de P, escreveu uma carta se declarando para Ellenore. Recebeu uma resposta amável, mas negativa. Ellenore viajou deixando Adolphe desesperado e excitado por sua recusa. Com o retorno da amada, ele conseguiu marcar um encontro. “Eu me sentia, pela primeira vez, realmente apaixonado. Não era a esperança de sucesso que me fazia agir: a vontade de ver a minha amada, de desfrutar de sua presença, me dominava exclusivamente” 1 . Adolphe se submeteu às exigências de Ellenore - somente visitá-la em companhia de outros, nunca falar de amor - exigências que, já nos primeiros dias, foram fexibilizadas. Logo, os dois estavam apaixonados. “O amor é nada mais que um ponto luminoso, e, apesar disso, parece se apoderar do tempo. Em alguns dias ele ainda não existia, logo, ele não mais existirá; mas, enquanto existe ele reflete sua claridade sobre a época que o precede, bem como sobre a que o segue”2. Ellenore se entregou. “Triste o homem que, nos primeiros momentos de uma ligação amorosa, não acredita que essa ligação será eterna!” 3.
O conde de P teve de se ausentar durante seis semanas, tempo que os amantes passaram inteiramente juntos. Adolphe então começou a se incomodar com a insistência de Ellenore em controlar seus passos e temer comprometê-la. “Ellenore era, sem dúvida, um grande prazer em minha existência, mas ela não era mais um objetivo: ela se tornou um lugar” 4. Começou a ficar claro para o jovem que a ligação não poderia durar. No momento em que o conde de P já começava a suspeitar, o pai de Adolphe pediu que ele retornasse à França. Ele conseguiu, depois de Ellenore implorar, permanecer por mais seis meses. Nesse momento, eles tiveram a primeira de muitas discussões raivosas e graves. Finalmente, Ellenore deixou o Conde de P e seus dois filhos. Adolphe retornou para a França, com a promessa de se reunir a Ellenore dois meses depois. Nesse ponto, ele já estava seriamente arrependido. Ellenore foi ao seu encontro e o casal foi viver em uma pequena cidade da Boêmia. Nesse momento, Adolphe já tinha consciência de que não mais amava Ellenore. Além disso percebia que estava perdendo seu tempo, deixando de investir em uma carreira e de levar a vida de um jovem de sua idade e posição social. Mas consumia-se pela culpa, já que a amante deixara tudo por ele. O rapaz chegou a escrever uma carta revelando a verdade. Mas, diante de uma cena de Ellenore, ele disse que o que escrevera não era verdadeiro. O casal então foi morar em uma das propriedades do pai de Ellenore perto de Varsóvia. Lá, Adolphe encontrou o barão de T, amigo de seu pai, que o convenceu a romper a incômoda relação. Ellenore interceptou uma carta de Adolphe para o barão, revelando seus planos e sua decisão de deixá-la. Ellenore, então, adoeceu e, depois de uma longa agonia, faleceu. Antes, pediu a Adolphe que queimasse uma carta sua sem ler.  Adolphe prometeu, mas rompeu a promessa. “Por qual piedade bizarra você não ousa romper uma ligação que lhe pesa, e decidiu ser infeliz enquanto sua pena o retém? (...) O que exige? Que eu lhe deixe? Não vê que não tenho força? Ah! É você, que não ama mais, é você que tem de encontrar essa força (...)”5.
É impressionante que este texto já tenha quase duzentos anos. Uma das razões para esta atualidade é a remoção de todas as circunstâncias irrelevantes e a manipulação do essencial com o objetivo de dar relevo ao problema principal. Nesse sentido, Constant é um anti-Balzac. Balzac apresentaria Ellenore descrevendo a sua casa, o seu quarto. Em Adolphe, não há cenários, as personagens coadjuvantes são quase somente nomes, poucos dados informam que estamos no início do século XIX.
Ellenore é uma mulher de posição social insegura: é amante de um nobre, mas ele mesmo a faz lembrar de que é menos que uma esposa. E aqui, representando todas as mulheres, está em busca de segurança, de solidez. Adolphe é um jovem que perdeu a mãe quando criança e foi criado por um pai distante e cínico. E, no lugar de todos os homens, busca uma conquista fácil: uma mulher mais velha (uma mãe) de situação irregular. O conflito se instala, uma vez que Adolphe, uma vez tendo obtido a sua presa, se cansa: Ellenore deixou de ser um objetivo para ser um lugar. E Ellenore, depois de resistir, acha que encontrou o homem de sua vida. Assim ela tenta prendê-lo com sua doçura, com seus sacrifícios - ela perdeu o companheiro, deixou os filhos, abriu mão de bens. Ele fica cada vez mais incomodado com o seu assédio, com ela controlando seus horários, seus passos. Ao mesmo tempo se sente culpado: ele nada pediu, mas ela tudo deu. A solução do conflito é a morte de Ellenore. E sua carta deixa implícito que ela estaria pronta a aceitar a separação de Adolphe se este tivesse sido honesto com ela.
Pesquisando sobre Adolphe, descobri que no tempo em que a novela foi publicada, houve grande especulação para saber quem era quem na história. Constant até publicou um prefácio destacando o caráter fictício do texto.
Adolphe foi publicado em 1816 quase simultaneamente em Paris e Londres. Benajmin Constant tinha uma vida amorosa conturbada e discutida nos círculos mais elegantes.
Ao que tudo indica, a mulher mais velha  a que Adolphe se refere no início do texto, que faleceu, foi Madame de Charrière, com quem Constant teve um caso aos 19 anos - ela tinha 46. Em 1788, Constant casou-se com Minna von Cramm. O casamento não deu certo e eles se separaram por volta de 1788. Em 1793, ele conheceu Charlotte von Marenholz. Sua história com Charlotte, com quem se casaria em 1811, foi contada na novela Cecile. Foi em 1894 que Constant conheceu a mulher cuja biografia ficou para sempre ligada à dele: Germaine de Staël. Entre idas e vindas, eles estiveram juntos até 1811, quando ele casou com Charlotte. Além do romance, eles tiveram uma fecunda parceria intelectual, tendo escrito vários textos juntos. Acredita-se que Albertine, filha de Staël que nasceu em 1797, fosse filha de Constant.  Staël era uma mulher de personalidade forte e muito dominadora. Quando Constant estava em sua propriedade, Germaine controlava os horários de saída e chegada do amante e muitas vezes saía de carruagem à procura dele, cena descrita em Adolphe.
Houve ainda Anna Lindsay, que o escritor conheceu em 1800. Ela era cinco anos mais velha que ele (tinha 38 anos) e vivia com um amante há onze anos com que tivera dois filhos. Anna quis deixar o companheiro e filhos para viver com Constant.
Percebemos assim que Ellenore é uma amálgama de Anna, Charlotte e Staël. Sua biografia era a de Anna. A história da aproximação e do idílio amoroso correspondia ao seu romance com Charlotte. E as brigas, as reconciliações passionais, as promessas, correspondiam ao seu relacionamento conturbado com Staël.  Ele de fato quis deixar Germaine muitas vezes e até teve oportunidades, mas acabava voltando atrás.
A obra de Bejnamin Constant me recordou uma outra paixão trágica da literatura: Anna Kariênina e o conde Vrónski. A história da crise que levou Anna ao suicídio é muito semelhante à de Adolphe e Ellenore. A diferença é que Tólstoi trabalha com o contexto e com uma galeria extensa de personagens, ao passo que Constant isola o problema.
Depois que Anna deixou o marido, ela e o conde foram viajar pela Europa juntos. “Vrónski (...) apesar da plena realização daquilo que tanto havia desejado, não era inteiramente feliz. (...) Nos primeiros tempos, logo depois de se unir a Anna e adotar trajes civis, sentiu todo o encanto da liberdade em geral, que antes não conhecia, e também da liberdade do amor, e ficou satisfeito, mas não por muito tempo. Logo sentiu que em sua alma se esguiam os desejos de desejos: o tédio”. Anna percebeu e logo começou a angústia pelo medo que Vrónski deixasse da amá-la. “E, embora estivesse convencida de que a frieza começava, mesmo assim ela nada podia fazer, era impossível alterar por pouco que fosse suas relações com Vrónski. Exatamente como antes, só por meio do amor e do encanto ela podia segurá-lo. E, assim como antes, graças aos afazeres durante o dia e à morfina durante a noite, ela conseguia abafar os pensamentos terríveis sobre o que aconteceria se ele deixasse de amar”. A sequência foram as cenas de ciúmes, as reconciliações, o arrependimento de Vrónski simultâneo ao seu sentimento de culpa e o suicídio. Será que Tólstoi conhecia Adolphe?
O encanto de Adolphe está justamente em descrever tão bem uma situação que não é muito explorada pela literatura - como é não estar apaixonado numa situação de romance. Benjamin Constat, ao que parece, entendia do assunto. 

As citações de Tólstoi são da edição da Cosac Naify de 2005, com tradução de Rubens Figueiredo. 

Je me sentais, de la meilleure foi du monde, véritablement amoreaux. Ce n’était plus l’espoir du succês qui me faisait agir: le besoin de voir celle que j’amais, de joir de sa prësence, me dominait exclusivement.
L’amour n’est qu’un point lumineux, et néanmoins il semble s’emparer du temps. Il  y a peu de jours qu’il n’existait pas, bientôt il n’existera plus; mais, tant qu’il exist il répand sa clairté sur l’époque que l’a précédé, comme sur celle qui doit le suivre.
3 Malheur à l’homme qui, dans les premiers moments d’une liason d’amour, ne croit pas que cet liason doit être éternelle!
4 Ellenore était sans doute um vif palisir dans mon existence, mais elle n’était plus un but: elle était devenue un lien. 
5 Par quelle pitié bizarre n’osez-vous rompre un lien qui vous pêse, et déchirez vous l’être malheureux près qui votre pitié vous retient? (,,,) Qu’exigez vous? Que je vous quitte? Ne voyez-vous pas que je n’en ai pas la force? Ah! c’est à vous, qui n’aimez pas, c’est à vous à la trouver, cette force (...). 


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