quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Pierrete - primeira história de Os Celibatários (novembro de 1839)

Personagens:  Jacques Brigaut, Pierrete Lorrain, Rogron, Sílvia Rogron, senhor Tiphaine, senhora Tiphaine, senhora. Lesourd, senhora Martener, senhor Martener (médico),senhora Auffray, senhor Auffray (tabelião), senhor Galardon, senhor e senhoraJulliard, Julliard (filho), senhor Desfrondrilles (arqueólogo), coronel Gouraud, Vinet (advogado), senhora Vinet (née Chargeboeuf), Adélia (criada), viúva Lorrain (avó de Pierrete) , senhora Celeste Habert (irmã do vigário), padre Habert, Frappier (empregador de Brigaut), Bathilde de Chargeboeuf, senhora de Chargeboeuf (mãe de Bathilde).

A história se passa entre 1827 e 1830.

Pierrete é, assim como Pai Goriot,  uma análise do mal. Nessa história, Balzac usou sua experiência na advocacia e em um tabelionato. Ele relatou em cartas a enorme quantidade de injustiças que presenciou em contato com o sistema legal. Há um processo na história. E Pierrete reflete também, pois foi escrita na mesma época, o envolvimento de Balzac na defesa de um advogado conhecido seu, Sébastien Peytel, que fora acusado de assassinar a esposa e um criado. Apesar dos esforços de Balzac, que chegou a escrever a Lettre sur le procés de Peytel,  o acusado foi condenado e executado. É um Balzac sombrio, portanto, que escreveu a história, caracterizada por ele, em carta para a condessa Hanska como “uma pérola suada no meio das minhas dores”.
Pierrete Lorrain era uma órfã bretã que após a morte precoce dos pais ficou aos cuidados dos avós em um asilo. Seus únicos parentes eram os primos Rogron, filhos de um hoteleiro de Provins, que, ainda bem jovens, foram enviados a Paris para trabalhar no comércio. Depois de alguns anos de trabalho, Sílvia e Rogron receberam a herança do pai e resolveram retornar a Provins e viver como burgueses. Nesse meio tempo, receberam uma carta questionando se não queriam ficar com Pierrete, já que a prima não tinha meios e estava vivendo com os avós em situação precária. Os Rogron, ao chegarem em Provins, reformaram a casa e fizeram esforços no sentido de integração com a sociedade local, dominada pelos Tiphaines. Considerados pouco refinados e desagradáveis, foram repelidos pelas famílias mais importantes. Isolados e levando uma vida vazia, resolveram “adotar” a prima. O coronel Gouraud e Vinet, liberais interessados no dinheiro dos Rogron, se aproximaram dos irmãos. Conseguiram convencer Rogron a financiar um jornal liberal para fazer oposição aos Tiphaine, que apoiavam os Bourbon. Pierrete chegou e logo percebeu que o motivo de sua adoção não fora afetivo. Os irmãos, e especialmente a solteirona Sílvia, a tratavam com frieza. A frieza logo se transformou  em crueldade. A criada Adélia foi despedida e Pierrete passou a fazer todo o serviço da casa. A menina já não era muito saudável e, aos poucos, ficava mais doente. A certa altura, Sílvia, que estava pretendendo casar com o coronel Gouraud, começou a desconfiar que ele estava interessado em Pierrete. Numa ocasião, surpreendeu um homem tentando se comunicar com Pierrete pela janela. Era o jovem Brigaut, companheiro de infância de Pierrete que viera da Bretanha. Mas a solteirona julgou que era o coronel e passou a perseguir e maltratar ainda mais a menina. A doença de Pierrete já era notada por todos. Mas Sílvia se recusava a chamar o médico. Vinet, querendo dominar os Rogron, arranjou o casamento de Bathilde de Chargeboeuf, prima de sua mulher, com o solteirão.
Brigaut, ao notar o estado lastimável de Pierrete, foi atrás de sua avó. A viúva Lorrain havia recebido um dinheiro que havia sido furtado de seu marido. Foi para Provins e retirou Pierrete da casa dos Rogrons. O caso se transformou numa disputa política. Os Tiphaine promoveram um processo contra Sílvia. Vinet, atuando como advogado, utilizava todos os subterfúgios do mundo jurídico (diligências, adiamentos, consignações, tudo bem conhecido de Balzac) para tornar o processo inútil. Pierrete morreu, apesar da vinda de Paris do nosso conhecido doutor Horácio Bianchon.
Em 1830, Vinet foi eleito deputado e os Tiphaine aderiram a Luís Felipe, passando então a frequentar o mesmo grupo. O processo não resultou em nada. O caso Pierrete foi esquecido e a história deturpada. Somente o Major Jacques Brigaut e o doutor Martener, que cuidou da menina, ainda lembravam da órfã.
Balzac mostrou em Pierrete novamente o seu talento de desenhar o caráter pela descrição. A descrição da decoração da casa dos Rogron em Provins evidencia a sua estupidez, a sua falta de personalidade e o vazio de sua existência. Igualmente se destacam na obra as intrincadas intrigas provincianas que Balzac conhecia tão bem.
O autor utiliza, além de sua experiência no mundo jurídico, uma dolorosa experiência pessoal. Os burgueses, nos séculos XVIII e XIX, enviavam seus filhos recém-nascidos para serem amamentados por camponesas. As crianças ficavam por vários anos morando nas casas de suas amas, algumas em outras cidades. Balzac explica isso como uma hábito das mulheres durante o Império: “As mulheres disputavam os heróis do império, e 99% da mães entregavam os filhos às amas-de-leite”. Balzac passou os primeiros anos da infância no povoado de Saint-Cyr, do outro lado do rio Loire, na cidade de Tours. Retornou à casa dos pais com quatro anos.  Ele escreve sobre os Rogron: “Amamentados no campo mediante baixa remuneração, as infelizes crianças voltaram para casa com a terrível educação aldeã: habituadas a gritar demoradamente, muitas vezes pelo seio da ama, que saía para o campo e os deixava encerrados num desses quartos escuros, úmidos e baixos que servem de moradia ao camponês francês”. Ele estava familiarizado com esses quartos.
Ao que tudo indica, Pierrete deveria ter um final feliz. A recuperação da fortuna pela avó encaminhava um desfecho favorável com a órfã vivendo ao lado dela e futuramente desposando Brigaut. Além disso, a história era um presente de Balzac para a menina Anna Hanska, filha de Eveline. Foi  a morte de Peytel na guilhotina em 28 de outubro de 1839 que conferiu ao romance o acento pessimista.
Todavia, não esqueçamos que o pessimismo é uma característica de Balzac. Os bons e inocentes sofrendo e os maus e interesseiros triunfando aparecem em toda a Comédia Humana. É a justiça maniqueísta, como em Alberto Savarus,  que parece sempre forçada vindo da pena de Balzac.

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