segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Um Homem Apaixonado

Lido entre 6 e 18 de agosto de 2010.

Martin Walser é um escritor muito conhecido na Alemanha, não só por sua obra de ficção, mas também como ensaísta. Aos oitenta e três anos, ainda se mantém ativo. É espantoso que somente agora, em 2010, um título seu tenha sido lançado no Brasil: Um Homem Apaixonado, pela editora Planeta.

Walser envolveu-se numa grande polêmica em 1998, quando, ao discursar na cerimônia de entrega do Prêmio da Paz dos Livreiros Alemães, desabafou a respeito da instrumentalização da culpa alemã em relação ao Holocausto para causas do presente e desvinculadas da preservação da memória. O líder da comunidade judaica da Alemanha, Ignatz Bubis, acusou Walser de descaso para com a memória dos judeus e ambos debateram publicamente a questão por um tempo. Walser, todavia, era insuspeito. Em 1960 ele assistira aos denominados "julgamentos de Auschwitz" que ocorreram em Frankfurt, quando funcionários nazistas foram julgados sob a resposabilidade do governo da República Federal Alemã. Em 1965, ele escreveu Unser Auschwitz, um interessante ensaio sobre os julgamentos.

Walser possui uma produção literária sólida que remete à década de 1940.

Um Homem Apaixonado, de 2008, destoa um pouco do conjunto da sua obra. O homem apaixonado em questão é ninguém menos do que Johann Wolfgang von Goethe. É um romance baseado em um fato real: a paixão do Goethe, aos 73 anos, pela jovem Ulrike Von Levestzow, de 19. O ano era 1823, e Goethe, uma celebridade mundial, reencontra na estação de verão de Marienbad a viúva Amalie Von Levestzow com as três filhas, Amalie, Bertha e Ulrike. Goethe, que já conhecia Ulrike dos três verões enteriores, apaixona-se por ela, chegando a pedi-la em casamento. Ele passa os dias esperando para vê-la, naquele estado irreal dos apaixonados, que Walser descreve com maestria. Aqueles nadas que podem fazer da vida do enamorado um deleite ou um inferno. O deleite é a promenade com a jovem, à vista de todos, as conversas espirituosas, o baile à fantasia no qual, sem combinar, comparecem caracterizados como Werther e Lotte. O inferno é a consciência da diferença de idade, tornada concreta quando Goethe cai ao tentar acompanhar o passo rápido da moça. E a presença de um senhor De Ror, rico comerciante de jóias que corteja Ulrike. O verão termina. A viúva Von Levestzow recusa polidamente a mão da filha. Ulrike retorna para o internato em Estrasburgo e Goethe para a vida de celebridade em Weimar. Escreve cartas para Ulrike, fictícias, e a Elegia de Marienbad, considerada um de seus poemas mais pessoais. E Goethe luta para esquecer um amor não correspondido como o mais comum dos mortais.

Houve um rumor na imprensa alemã, quando do lançamento de Um Homem Apaixonado, de que a obra refletiria uma experiência pessoal de Martin Walser com uma mulher mais jovem. Ele nunca falou sobre o tema.

O livro me lembrou, embora distante no tempo e espaço, Fantasma sai de Cena, de Philip Roth. Numa Nova Iorque pós 11 de setembro, Nathan Zuckermann, escritor famoso, luta contra o câncer e apaixona-se por uma jovem. Goethe e Zuckermann (e Walser?) enfrentando o envelhecimento físico diante da vitalidade espiritual. Um link interessante.

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