quarta-feira, 29 de setembro de 2010
Modesta Mignon (julho de 1844)
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
A Bolsa (maio de 1832)
Personagens: Hipólito Schinner, Adelaide de Leisegneur, Baronesa de Rouville, cavaleiro Du Halga, conde de Kergaroüet, Francisco Souchet.
A história se passa no reinado de Luís XVIII, ou seja, entre 1815 e 1824.
A Bolsa é um conto mal acabado de Balzac. Longas descrições, uma situação de suspense e um final feliz muito forçado.
O jovem e promissor pintor de quadros Hipólito Schinner instala seu ateliê no último andar de um velho prédio. Distraído, caí de uma escada e desmaia. Ao acordar, está na presença de suas vizinhas que, ao ouvir o barulho da queda, o socorrem. Trata-se de uma bela jovem, Adelaide de Leisegneur, e de sua mãe, a baronesa de Rouville. No dia seguinte, Schinner vai ao apartamento das vizinhas agradecer pela ajuda. Eis o ponto alto do livro, a descrição do apartamento: "Para um observador, havia um não sei quê de desolador no espetáculo daquela miséria, que se assemelhava a maquilagem duma mulher velha que ainda quer se dar ares de moça". É a descrição que lança a ambiguidade sobre a vida de Adelaide e de sua mãe: eram elas simples mulheres que viviam em uma pobreza decente após um passado de riquezas? Ou eram mulheres de caráter duvidoso? Balzac aponta o tempo todo para a segunda hipótese. O nome da filha diferente do da mãe. Os cavalheiros idosos, Du Halga e conde de Kergaroüet, que frequentavam o apartamento, e as liberdades que tomavam com Adelaide que para Hipólito ora pareciam as de um pai, ora não. A avidez da baronesa pelo jogo. E, finalmente, o desaparecimento da bolsa de Hipólito com quantia considerável de dinheiro. O desfecho é decepcionante. Após alguns dias de dúvidas e sofrimento, Schinner descobre que Adelaide subtraíra sua bolsa para substituí-la por outra feita por ela. E o pintor é informado de que o conde de Kergaroüet, apiedado da difícil situação financeira da baronesa, perdia voluntariamente no jogo para ajudá-la, já que ela se recusava a aceitar dinheiro.
Balzac poderia ter deixado alguma ambiguidade no conto. Paulo Rónai chama a atenção, na introdução, para o alinhavo da história do jogo. O autor lança tantas sombras sobre o caráter da heroína, que o desenlace é totalmente insatisfatório. No início da história ele diz: "Nenhum pintor de costumes se animou, talvez por pudor, a nos iniciar na intimidade de certas existências parisienses, no segredo dessas moradias de onde saem tão frescas, tão elegantes toilletes, mulheres tão brilhantes que, exteriormente ricas, deixam em tudo os sinais de uma fortuna equívoca". Eis uma tema que Balzac trabalharia com maestria. Mas em A Bolsa ficamos só com a expectativa.
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
A Revolução de 1989 – A queda do Império Soviético

Lido entre 4 e 21 de setembro de 2010
Existe uma enorme diferença entre estudar episódios históricos dos quais temos lembranças e, dos quais não temos. Explico: Victor Sebestyen, jornalista húngaro que escreveu A Revolução de 1989 – A queda do Império Soviético, situou o seu relato entre 1978 e 1989. Assim, tenho memórias relacionadas aos personagens ou fatos dessa história. Ter a história relacionada a nossa memória pessoal faz muita diferença.
Como quase a totalidade das crianças da minha geração, cresci com medo de uma guerra nuclear. Quando tinha sete ou oito anos e estudava numa escola católica, pedia nas minhas orações antes de dormir que os presidentes dos Estados Unidos e da União Soviética não apertassem o botão. O mundo comunista, ou o pouco que chegava dele para nós, era objeto de medo e fascínio. Lembro das Olimpíadas de Moscou em 1980. Víamos pela televisão as ginastas perfeitas dos países comunistas. Os adultos nos diziam que aqueles jovem vencedores eram separados dos pais ao nascerem e o Estado definia o que eles deveriam fazer. O que poderia ser mais aterrorizante para uma criança do que a perspectiva de ser separada dos pais? Nós morríamos de medo. Lembro do funeral de Leonid Brejnev em 1982. Da beleza sinistra dos soldados marchando em passo de ganso.
Victor Sebestyen faz uma reportagem histórica, ou seja, ele não analisamuito os fatos: narrou em ordem cronológica os acontecimentos mais importantes. E se ate maos países da famosa cortina de ferro: Polônia, Hungria, Tchecoeslováquia, Romênia, Bulgária, Alemanha Oriental e, naturalmente, a União Soviética. Ele sublinhou as diferenças entre o comunismo implantado nos países e como essas diferenças se refletiram na sua queda.
Também há uma ênfase nas biografias. O Papa Joâo Paulo II, Ronald Reagan, Lech Walesa, Mikhail Gorbachev, Nicolai Ceuscescu, Vaclav Havel são protagonistas, com uma queda explícita do autor por Reagan e Gorbachev. Reagan é apresentado como um idealista, um homem cujo maior desejo era acabar com a guerra fria. Sebestyen diz que ele não revelava o que realmente pensava e que tinha ferrenhos embates com seus assessores linha-dura. Chega a dizer que Reagan não revidaria em caso de ataque soviético, o que é muito difícil de acreditar. Gorbachev é apresentado como um inteligente soldado do comunismo que ocultou por muito tempo suas ideias liberalizantes para colocá-las em prática ao chegar ao poder. Não queria, de forma alguma, acabar com o comunismo, mas reformá-lo. Por outro lado, não pretendia manter mais a zona de influência soviética, de modo que nem cogitou intervir em nenhuma das revoluções de 1989. Aparece como uma personalidade cativante, inspirada, mas um pouco inseguro e nada organizado. Selbestyen revelou algo que pode ser adivinhado por aqueles que conhecem o que aconteceu com a União Soviética após 1989: Perstroika e Glasnost eram só palavras, não havia um plano por trás.
O ano de 1989 é narrado praticamente mês a mês. Um dos destaques é para a queda do muro de Berlim em 9 de novembro de 1989 que foi motivada por um erro de Günter Schabowski em uma entrevista coletiva. O funcionário do partido comunista foi anunciar uma lei que permitia a saída dos alemães orientais pelos postos de fronteira. Era uma medida de urgência para solucionar o êxodo de alemães pela Hungria e Techecoeslováquia que vinha ocorrendo. Peguntado por um jornalista americano quando a regra passaria a valer, Schabowski respondeu "imediatamente". Isso gerou a enorme aglomeração nos postos junto ao muro que provocou a sua queda no início da madrugada.
Os eventos na Romênia dão o tom dramático. Lá, praticamente não havia oposição organizada. O ditador Nicolai Ceuscescu era temido e reverenciado, embora odiado pela maioria da população. A revolução foi desencadeada por incidentes na cidade de Timisoara, na Transilvânia. A repressão e os boatos espalhados levaram o ditador a organizar um comício em Bucareste para mostrar que estava no poder e que nada iria mudar. Quando discursava, as vaias começaram e Ceuscescu saiu dali praticamente em fuga. Foi formada uma frente de Salvação Nacional. Em todo país, oficiais da Securitate, polícia secreta do regime, passaram a atacar: foram 1104 mortes em toda a Romênia. A solução foi o julgamento e a condenação a morte de Ceuscescu e de sua esposa, Elena. Em 25 de dezembro de 1989, o casal mais temido do país foi julgado, de forma totalmente irregular, e enfrentou o pelotão de fuzilamento.
Victor Sebestyen não esconde seu profundo ódio ao comunismo. Sua análise das personalidades é um tanto maniqueísta: comunistas maus/anti-comunistas bons. Figuras como Vaclav Havel e Lech Walesa aparecem somente com qualidades. Ele chega a dizer que as acusações de infidelidade conjugal contra Walesa eram fofocas, que ele era fiel a sua esposa Danuta! Como Sebestyen sabe?
Mas o autor consegue, com um relato cronológico, prender a atenção do leitor do início ao fim. É uma leitura obrigatória para quem gosta de história recente ou quer testar sua memória afetiva.
terça-feira, 14 de setembro de 2010
Memórias de Duas Jovens Esposas (1841)
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
Na pior em Paris e Londres

Lido entre 28 de agosto de 3 de setembro de 2010.
Nunca mais vou entrar em um restaurante sem pensar em George Orwell.
Na Pior em Pais e Londres enquadra-se hoje na categoria jornalismo literário. Todavia, na época em que foi publicado, 1933, não se enquadrava em coisa nenhuma. Tanto que seu autor, Eric Arthur Blair, após ver seu manuscrito rejeitado por duas vezes, mandou que uma amiga o jogasse fora. Essa sábia mulher, a brasileira Mabel Sinclair Fierz, enviou o material a um agente literário e salvou Na Pior em Pais e Londres para a posteridade.
O jovem Blair, filho de um funcionário do império britânico na Índia, apesar de não ser rico, foi educado nos melhores colégios da Inglaterra. Aos 19 anos, ingressou na polícia colonial britânica na Birmânia. Tomado de ódio ao imperialismo, abandonou o emprego e resolveu conhecer a pobreza de perto. Viveu quase dois anos em Paris trabalhando como plongeur, lavador de pratos, em um hotel de alto padrão e, após, em um restaurante. Depois, rumou para Londres onde viveu como mendigo nas ruas e em albergues públicos.
É essa experiência que está relatada em Na Pior em Pais e Londres. Blair poderia somente contar suas desventuras e o livro já seria interessante. Mas ele é um analista, um pensador. Reflete sobre o que observa, busca o que está por trás da miséria, da fome, do desespero que vivenciou.
Para mim, o ponto alto do livro é a descrição do trabalho no Hotel X. Blair foi lavador de pratos lá e descreveu como um antropólogo o ambiente e as relações de trabalho. Havia uma hiererquia rígida entre os funcionários e um código não escrito seguido estritamente por todos. Da mesma forma, Blair identificou a dignidade ligada ao trabalho, mesmo aos pior remunerados e mais vis. " Não obstante, por mais que estejam por baixo, os plongeurs também demonstram um tipo de orgulho. É o orgulho do burro de carga – o homem que suporta qualquer quantidade de trabalho. Nesse nível, o mero poder de trabalhar como um boi é a única virtude alcançável".
A parte engraçada (e para quem vai a restaurantes, de humor negro) é a descrição da sujeira da cozinha e da falta de higiene com que as caras refeições servidas aos fidalgos no salão eram preparadas. Algumas passagens são nauseantes. "Por exemplo, quando um bife é levado para a inspeção do cozinheiro-chefe, ele não o manuseia com um garfo. Ele pega a carne com os dedos e joga-a de volta no prato, passa o polegar ao redor do prato e o lambe para experimentar o molho (...), depois o empurra carinhosamente para o lugar com seus dedos gordos e rosados, os quais já lambeu cem vezes naquela manhã. Quando se dá por satisfeito, pega um pano e limpa as suas digitais do prato e o passa para o garçom. E o garçom, claro, mergulha os seus dedos no molho – os dedos asquerosos e engordurados que está sempre passando pelos seus cabelos cheios de brilhantina. Sempre que alguém paga mais do que, digamos dez francos por um prato de carne em Paris, pode ter certeza de que ele foi manuseado dessa maneira". E há coisa piores. Blair diz que a sujeira é inerente aos hotéis e restaurantes, pois a comida saudável é sacrificada em nome da pontualidade e apresentação.
Na parte referente a Londres, é bastante interessante a descrição sobre a rotina dos mendigos que circulavam nos albergues públicos. As leis contra a vadiagem impediam que se pernoitasse dois dias seguidos no mesmo local, o que obrigava os indigentes a caminharem quilômetros em busca de outro local para dormir e receber uma reação que mal garantia a sobrevivência. E a óbvia observação sobre o desperdício de energia e dinheiro que a circulação de um exército de mendigos pelo país representava.
Há também no livro uma deliciosa galeria de tipos: o garçom russo, o culto grafiteiro inglês, o mendigo Paddy e muitos outros.
Ao final, diz Blair: "Ainda assim, posso apontar duas ou três coisas que definitivamente aprendi vivendo duro. Nunca mais vou pensar que todos os vagabundos são patifes bêbados, nem esperar que um mendigo se mostre agradecido quando eu lhe der uma esmola, nem ficar suspreso se homens desempregados carecem de energia, nem contribuir para o Exército da Salvação, nem empenhar minhas roupas, nem recusar um folheto de propaganda, nem me deleitar com uma refeição em um restaurante chique. Já é um começo."
Quando foi acertada a publicação do livro, Blair resolveu escolher um pseudônimo: "Não tenho uma reputação a zelar, e se o livro fizer sucesso, poderei usar o pseudônimo novamente". Eric Arthur Blair escolheu George Orwell.