
Lido entre 28 de agosto de 3 de setembro de 2010.
Nunca mais vou entrar em um restaurante sem pensar em George Orwell.
Na Pior em Pais e Londres enquadra-se hoje na categoria jornalismo literário. Todavia, na época em que foi publicado, 1933, não se enquadrava em coisa nenhuma. Tanto que seu autor, Eric Arthur Blair, após ver seu manuscrito rejeitado por duas vezes, mandou que uma amiga o jogasse fora. Essa sábia mulher, a brasileira Mabel Sinclair Fierz, enviou o material a um agente literário e salvou Na Pior em Pais e Londres para a posteridade.
O jovem Blair, filho de um funcionário do império britânico na Índia, apesar de não ser rico, foi educado nos melhores colégios da Inglaterra. Aos 19 anos, ingressou na polícia colonial britânica na Birmânia. Tomado de ódio ao imperialismo, abandonou o emprego e resolveu conhecer a pobreza de perto. Viveu quase dois anos em Paris trabalhando como plongeur, lavador de pratos, em um hotel de alto padrão e, após, em um restaurante. Depois, rumou para Londres onde viveu como mendigo nas ruas e em albergues públicos.
É essa experiência que está relatada em Na Pior em Pais e Londres. Blair poderia somente contar suas desventuras e o livro já seria interessante. Mas ele é um analista, um pensador. Reflete sobre o que observa, busca o que está por trás da miséria, da fome, do desespero que vivenciou.
Para mim, o ponto alto do livro é a descrição do trabalho no Hotel X. Blair foi lavador de pratos lá e descreveu como um antropólogo o ambiente e as relações de trabalho. Havia uma hiererquia rígida entre os funcionários e um código não escrito seguido estritamente por todos. Da mesma forma, Blair identificou a dignidade ligada ao trabalho, mesmo aos pior remunerados e mais vis. " Não obstante, por mais que estejam por baixo, os plongeurs também demonstram um tipo de orgulho. É o orgulho do burro de carga – o homem que suporta qualquer quantidade de trabalho. Nesse nível, o mero poder de trabalhar como um boi é a única virtude alcançável".
A parte engraçada (e para quem vai a restaurantes, de humor negro) é a descrição da sujeira da cozinha e da falta de higiene com que as caras refeições servidas aos fidalgos no salão eram preparadas. Algumas passagens são nauseantes. "Por exemplo, quando um bife é levado para a inspeção do cozinheiro-chefe, ele não o manuseia com um garfo. Ele pega a carne com os dedos e joga-a de volta no prato, passa o polegar ao redor do prato e o lambe para experimentar o molho (...), depois o empurra carinhosamente para o lugar com seus dedos gordos e rosados, os quais já lambeu cem vezes naquela manhã. Quando se dá por satisfeito, pega um pano e limpa as suas digitais do prato e o passa para o garçom. E o garçom, claro, mergulha os seus dedos no molho – os dedos asquerosos e engordurados que está sempre passando pelos seus cabelos cheios de brilhantina. Sempre que alguém paga mais do que, digamos dez francos por um prato de carne em Paris, pode ter certeza de que ele foi manuseado dessa maneira". E há coisa piores. Blair diz que a sujeira é inerente aos hotéis e restaurantes, pois a comida saudável é sacrificada em nome da pontualidade e apresentação.
Na parte referente a Londres, é bastante interessante a descrição sobre a rotina dos mendigos que circulavam nos albergues públicos. As leis contra a vadiagem impediam que se pernoitasse dois dias seguidos no mesmo local, o que obrigava os indigentes a caminharem quilômetros em busca de outro local para dormir e receber uma reação que mal garantia a sobrevivência. E a óbvia observação sobre o desperdício de energia e dinheiro que a circulação de um exército de mendigos pelo país representava.
Há também no livro uma deliciosa galeria de tipos: o garçom russo, o culto grafiteiro inglês, o mendigo Paddy e muitos outros.
Ao final, diz Blair: "Ainda assim, posso apontar duas ou três coisas que definitivamente aprendi vivendo duro. Nunca mais vou pensar que todos os vagabundos são patifes bêbados, nem esperar que um mendigo se mostre agradecido quando eu lhe der uma esmola, nem ficar suspreso se homens desempregados carecem de energia, nem contribuir para o Exército da Salvação, nem empenhar minhas roupas, nem recusar um folheto de propaganda, nem me deleitar com uma refeição em um restaurante chique. Já é um começo."
Quando foi acertada a publicação do livro, Blair resolveu escolher um pseudônimo: "Não tenho uma reputação a zelar, e se o livro fizer sucesso, poderei usar o pseudônimo novamente". Eric Arthur Blair escolheu George Orwell.
Oi! Também li esse livro, e achei ótimo! Tanto que também fiz um post sobre o Na Pior no meu blog. =)
ResponderExcluirSeu post me fez lembrar que eu realmente deveria ter falado sobre a parte das cozinhas também... hehehe
Valeu!
Ótimo livro, estou viciado em seus livros, nesses dias já li três de Orwell, Dias na Birmânia, A flor da Inglaterra e Na pior..., cara como seus personagens são apaixonantes, sempre esmagados por uma sociedade mesquinha e hipócrita. Estou vivendo um período em minha via bem complicado, desempregado, sem grana, claro, e com um medo enorme de exercer uma nova profissão, professor de filosofia. Esses livros estão me dando uma baita força para ir em frente, não esmorecer. Viva a literatura de qualidade. Gostei do espaço. Salve!
ResponderExcluirObrigada por me visitar. Penso que a literatura de qualidade pode nos salvar. Momentos bem complicados da minha vida foram iluminados por bons livros. Também sou professora e sei que não é um caminho fácil. Força! Não sei se já leste, mas gosto muito de "Dentro da Baleia e outros ensaios" do Orwell.
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