domingo, 15 de maio de 2011

O Caminho para a liberdade


O Caminho para a liberdade. Arthur Schnitzler. Editora Record. 2011. tradução: Marcelo Backes.

Lido entre 15 de 29 de abril de 2011.

A melhor definição para O caminho para a liberdade de Arthur Schnitzler foi dada pelo tradutor Marcelo Backes: um antirromance de formação.
O protagonista, barão Georg von Wergenthin perdeu a mãe aos 18 anos e o pai, recentemente, aos trinta e poucos. Vive em Viena com seu irmão Felician. É compositor de música erudita e pretende tornar-se regente de orquestra. Recém terminou um romance com uma moça que é apenas citada . Frequenta diversas casas: a dos Ehrenberg, onde flerta com Else e Sissy e a dos Rosner, onde paquera Anna. Também frequenta os irmãos Leo e Therese Golowski: ele, sionista; ela, ativista política. Também mostra interesse por Therese. Georg torna-se amigo do escritor Henrich Bermann. O pai de Heinrich fora um político judeu importante, mas se encontrava em um sanatório com problemas mentais.
A história se passa entre o fim de setembro de 1898 e fim de outubro de 1899. Os únicos não judeus citados são o protagonista, os Rosner e Sissy.
Georg torna-se então amante de Anna. Ela engravida. Eles viajam um tempo juntos. Depois ele a instala em uma casa nos arredores de Viena, onde ela fica aos cuidados da senhora Golowski. Ele continua sua vida despreocupada na cidade, enquanto a criança cresce na barriga de Anna. Ele a visita diariamente, mas só se instala na casa pouco antes do bebê nascer. Depois de um parto longo e difícil, o menino nasce morto.
Georg recebe então uma proposta para ser regente em uma orquestra em uma pequena cidade na Alemanha. Incentivado por Anna, ele vai. Quando retorna para uma visita, o relacionamento termina, ou termina de terminar.
Eis um antirromance de formação. Num romance de formação, o protagonista começa em lugar e termina em outro. Penso em dois, um clássico, Os Anos de Aprendizagem de William Meister, e em uma contemporâneo, Invisible, de Paul Auster. O herói de Schnitzler não vai a lugar algum. Ele circula entre casas, restaurantes, teatros. Tem ideias para composições que nunca se concretizam. Torna-se amante de Anna, não por amor, afinidade ou atração, mas por que ela deu a ele oportunidade. Poderia ter sido Else, Sissy ou Therese. Encara a gravidez da moça com leviandade: todos esperam, Anna mais do que todos, a proposta de casamento e Georg, quando pensa no assunto, deixa a decisão para depois. A morte de filho - é digna de nota a beleza da cena em que Goorg vê o bebê morto - não mudou Georg em nada. Ele recebeu a decisão de Anna de deixá-lo com alívio, der Weg ins Frei.
Georg é um doutor Gräsler - o médico das termas - mais jovem.
A questão do judaísmo no Império Austro-Húngaro permeia toda a narrativa. Schnizler era amigo de Theodor Herzl, fundador do sionismo moderno que em 1897, num congresso em Basileia, na Suiça, postulou a criação de um Estado judeu na Palestina. Em um trecho há uma grande discussão entre Leo Golowski e Bermann, no qual o primeiro defende a migração para a Palestina e o segundo, a assimilação. Há uma passagem premonitória quando Leo exclama “Hum, mas e quando as fogueiras medievais voltarem a ser acesas?”. Ao que Heinrich responde: “Nesse caso, e me comprometo solenemente a isso, vou seguir exatamente o que o senhor indicar”. E Georg completa: “Oh, mas esses tempos jamais voltarão”.
O contexto político, com os alemães-nacionalistas e sociais-democratas também aparece no livro, embora de forma mais sutil.
Convém lembrar ainda as recorrências de Schnitzler. A loucura, representada pelo pai de Bermann, as narrativas dos sonhos, o personagem médico, as ruas de Viena. Os nomes Therese, Sissy, Else. Há também utilização de episódios auto-biográficos. O principal é a perda do filho. Em 1887, Schnizler teve um relacionamento com a cantora Marie Reinhard. Ela engravidou e a criança nasceu morta nos arredores de Viena.
Finalmente, para quem se interessa em construção da narrativa, Arthur Schnitzler é um narrador primoroso. Narra com aquela naturalidade que nos faz esquecer que estamos diante de ficção. E é ótimo na construção de diálogos.

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