Pedro Grassou (dezembro de 1839)
Volume IX: Estudos de Costumes - Cenas da Vida Parisiense
Personagens: Pedro Grassou (Fougères), Elias Magus, Servin (A Vendeta), Schinner (A Bolsa, Modesta Mignon, A falsa amante) , Sommervieux (Ao "Chat-qui-pelote") José Bridau (Um conchego de solteirão), Leão de Lora (Um estreia na vida), François-Marius Granet (1775-1849), Pierre Duval Le Camus (1790-1854), Alexandre Gabriel Decamps (1803-1860), Cardot (Ao "chat-qui-pelote", Uma Estreia na Vida, A musa do departamento), Antenor Vervelle, senhora Vervelle e Virgínia Vervelle.
A história começa em 1832, mas recua até 1819.

O protagonista, também conhecido como Fougères, nome de sua cidade natal na Bretanha, é um pintor de quadros medíocre, que, embora tenha estudado com grandes nomes do seu tempo (alguns fictícios, como Servin, Schinner e Sommervieux, outros reais como Granet e Le Camus), não conseguia mais do que copiar o estilo de artistas consagrados. Foi inúmeras vezes desencorajado pelos seus pares, mas era humilde e persistente. Ao invés de buscar emprego em um escritório ou, ironia de Balzac, "experimentar a literatura", adotou um estilo modesto de vida e seguiu buscando o reconhecimento. Sobrevivia da venda de seus quadros a um comerciante de arte, usurário caricato, Elias Magus. Ele encomendava "interiores flamengos, uma lição de anatomia, uma paisagem" ao artista, e Grassou sobrevivia com renda minguada. Em 1829, dez anos após sua estreia na arte, seus amigos famosos, Schinner, Leão de Lora e Bridau, conseguiram que um quadro seu fosse admitido na exposição do grande Salão. Lá seu quadro, Os Preparativos de um chouan condenado à morte em 1801 , "embora medíocre, (...) teve um êxito extraordinário". Agradou a Carlos X e a outros expoentes da realeza e lhe rendeu a cruz de cavaleiro da Legião de Honra. Foi sua consagração como artista. Passou a ter quadros aceitos no Salão. Mas seguiu vivendo com parcimônia e depositando suas economias no tabelião Cardot.
Em dezembro de 1839, Magus traz a família Vervelle para que Fougerès lhe faça os retratos. O comerciante de garrafas Antenor Vervelle, sua esposa e filha, Virgínia, se afeiçoaram ao circunspecto e organizado artista. Descobrem ter em comum o mesmo Cardot como tabelião. Começam a considerará-lo um bom partido para a pouco atraente Virgínia. Grassou também pensa em casamento, julgando o dote e os bens do futuro sogro.
Finalmente, Vervelle convida o artista para conhecer sua casa de campo, onde se gaba de ter uma galeria com quadros de grandes artistas, como Rubens, Rembrandt e Murilo. Ao ver a galeria, Fougerés descobre que metade das obras expostas eram suas, cópias por ele realizadas e compradas por pouco dinheiro por Magus, que as vendia caro para o burguês. Longe de ficar aborrecido, Vervelle reconheceu Grassou-Fougerès como um grande talento e deu a ele a mão de Virgínia. No final da história, ele mora com os sogros, ganha quinhentos francos por quadro e espera ingressar na Academia.
O início do conto Pedro Grassou é ensaístico. Balzac critica a democratização do Salão de Pintura e Escultura ocorrida depois da Revolução de 1830:
"Uma experiência de dez anos demostrou a excelência da antiga instituição. Em vez de um torneio, tendes agora um motim; em vez de uma exposição gloriosa, um bazar tumultuoso; em vez do melhor, a totalidade . (...) Onde não há mais julgamento também não há mais coisa julgada".
Grassou conseguiu colocar seu quadro Os Preparativos de um chouan condenado à morte em 1801, em 1829, por empenho de seus amigos famosos. Já depois da Revolução de Julho, "vinha apresentando a cada exposição uma dezena de quadros, dos quais o júri admitia quatro ou cinco". Essa crítica nos situa no tema que Balzac explora no texto: o aburguesamento do gosto artístico. Pedro Grassou é o artista burguês por excelência. A descrição do seu ateliê, organizado e limpo como um quarto de moça, já nos afasta do esteriótipo do artista atormentado e genial. São seus hábitos, especialmente os econômicos, que promovem a sua ascensão, mais que sua habilidade. Gastar pouco, comer pouco, colocar os ganhos na mão do tabelião, escolher temas que, ou combinavam com a política do momento (Os Preparativos na época de Carlos X) ou que não a confrontavam (retratos, paisagens e interiores na Monarquia de Julho), escolher a noiva pelo dote. Tudo isso fez com que Grassou não saísse "de um círculo burguês onde é considerado um dos melhores artistas da época". Não tem o reconhecimento dos pares, "os artistas zombam dele, seu nome é uma palavra de desprezo nos ateliês, os folhetins não se ocupam de sua obra", mas a classe ascendente o compra, pois com ele se identifica.
Por que Pedro Grassou era um artista medíocre? Segundo Balzac, porque ele não conseguia imaginar, somente copiar; e porque não mostrava a natureza como era, mas de forma estereotipada (José Bridau, ao ver Grassou pintando Virgínia, comentou que a face com tons róseos era adequada para um anúncio de perfumista. Era preciso uma cor vermelha para pintar a moça ruiva). Ele deixava de copiar a natureza, mas copiava as imagens da natureza feitas por outros artistas.
O interessante é que Grassou-Fougères sabia a diferença entre a obra medíocre e a de qualidade, ao contrário dos seus clientes. No final, sabemos que ele usava seu dinheiro para comprar quadros de pintores célebres que se encontravam em dificuldades para substituir as cópias da galeria de seu sogro, substituir as más telas por "verdadeiras obras primas, que não são dele".
Paulo Rónai, na introdução do conto, nos diz que Balzac foi um dia Grassou, "produzindo obras inconfessáveis". Esse texto foi escrito entre 1944 e 1955, época da tradução da Comédia Humana no Brasil, da qual Rónai foi organizador. No texto do Jornal do Brasil de 2 de dezembro de 1972, Rónai nos dá notícia da leitura de Balzac et Le Mal du Siecle. Contribuition a une Phisyologie du Monde Moderne de Pierre Barbéris publicado em 1970. Nele, Barbéris analisa minuciosamente a obra de Balzac até 1833, após o primeiro sucesso balzaquiano. E o resultado muito se afasta do que Rónai denomina "a tese do milagre", ou seja, que uma mudança teria ocorrido com Balzac após seu trigésimo ano que o transformou de autor irresponsável e mercenário das obras da mocidade em historiador imparcial e perfeito de sua época. Havia muito mais qualidade naquela obra inicial do que se conhecia. Não houve milagre. Balzac imaginava e mostrava a natureza tal qual era, apesar da inexperiência da juventude. Balzac nunca foi Pedro Grassou.
Observação: na edição em português que tenho, da Editora Globo de 1990, a data do quadro de Grassou Os Preparativos de um chouan condenado à morte em 1801 está com a data errada de 1809. Os chouans eram monarquistas da região da Bretanha que se rebelaram contra a Revolução Francesa. Com o início das guerras napoleônicas, houve uma espécie de trégua desse tipo de revolta em 1801. Por isso, a data de 1809 me pareceu estranha. Foi um erro de tradução que pode ser verificado no texto original de Pierre Grassou.
O quadro que ilustra a postagem é La femme hydropique (1663) do pintor holandês Gerit Dou (1613-1675). Foi o quadro que Pedro Grassou plagiou ao fazer Os Preparativos de um chouan condenado à morte em 1801 . O original, de Dou, está no Louvre. O de Pedro Grassou talvez esteja também.