segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Do que eu falo quando eu falo de corrida


Os meus dois passatempos preferidos são ler e correr. Por isso foi uma bela surpresa descobrir esse Do que eu falo quando eu falo de corrida do escritor japonês Haruki Murakami.
Eu já sabia que corrida tem tudo a ver com leitura. Uma hora a sós comigo mesma, uma reta pela frente. É a hora em que penso no que leio, em que relaciono autores diferentes, em que planejo como vou passar a minha experiência de leitora para os outros. No ano retrasado, a Nike lançou uma campanha publicitária para promover seus tênis de corrida: Don't think. Run.Houve reclamações de corredores de todo o mundo. Quem corre sabe que essa é a hora para pensar.
Murakami, famoso no Japão e com livros traduzidos para 38 idiomas, ensina que corrida tem tudo a ver com literatura. Ele relaciona diretamente a sua atividade de escritor com a de corredor de longa distância. Como, após escrever uma novela e ter algum sucesso, abandonou sua rotina noturna de dono de um bar de jazz em Tóquio, e passou a dividir seus dias entre as ruas e o computador. Ele acentua como a atividade de escritor depende de disciplina. E como essa disciplina é semelhante à necessária para correr uma prova. "A maior parte do que sei sobre escrever, aprendi correndo todos os dias. São lições práticas, físicas. Até onde posso me forçar? Quanto descanso é apropriado - e quanto é demais? Até onde posso levar alguma coisa e ainda assim mantê-la decente e consistente? Quando uma coisa se torna tacanha e inflexível? Quanta consciência do mundo exterior devo ter, e quanto devo me concentrar em meu próprio mundo interior? Em que medida devo ter confiança em minhas capacidades, e quando devo começar a duvidar de mim mesmo? Sei que se eu não tivesse me tornado um corredor de longa distância, quando me tornei romancista minha obra seria vastamente diferente. Quão diferente? Difícil dizer. Mas alguma coisa definitivamente teria sido diferente."
Na verdade, correr, ler e escrever são atividades solitárias. Murakami, assim como eu, nunca gostou de esportes de equipe. Há em todo o mundo (diversos em Porto Alegre), grupos de corrida. Para mim isso é quase um contrasenso. Um dos maiores atrativo da corrida é a solidão. "Sou o tipo de sujeito que gosta de estar sozinho consigo mesmo. Para dizer de um modo mais agradável, sou o tipo de pessoa que não acha um sofrimento ficar só."
Murakami dá uma explicação interessante para a sua necessidade de levar uma vida saudável. Ele diz que a atividade literária é insalubre: "Quando paramos para escrever um romance, quando usamos a escrita para criar uma história, queiramos ou não, um tipo de toxina que jaz nas profundezas de toda a humanidade sobre à superfície. Todo o escritor precisa ficar cara a cara com essa toxina e, consciente do perigo envolvido, descobrir um jeito de lidar com ela, pois de outro modo, nenhuma atividade criativa no sentido real pode ter lugar." Assim, para encarar atividade tão insalubre, ele julga necessário ser o mais saudável possível. Correr uma hora por dia, participar de uma maratona por ano, ter uma alimentação equilibrada é uma forma de se manter são para encarar os demônios da criação.
A par das comparações entre escrever e correr, o livro traz ótimas dicas para quem corre. E com certeza me levará à obra literária de Murakami.
O título vem de uma coletânea de contos do americano Raymond Carver, traduzida para o japonês por Murakami: What We Talk About When We Talk About Love.
A única coisa que não dá para entender é por que a tradução é feita do inglês e não do original em japonês. Não é possível que um país como o Brasil, com tantos japoneses, não disponha de bons tradutores desse idioma.

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