
Lido entre 11 e 19 de maio de 2011.
Crônica da vida de uma mulher foi o último trabalho publicado por Arthur Schnitzler, em 1928, três anos antes de sua morte. Teve uma primeira edição de 30 mil exemplares, algo extraordinário para a época.
Narra a história de Therese Fabiani dos 16 até os 40 anos. Therese era filha de um militar e de uma mulher de ascendência nobre. Morava com os pais e o irmão mais velho, Karl, em Viena. Com a aposentadoria do pai, foram residir em Salzburgo. Lá o pai revelou os primeiros sinais de loucura, um tema que aparece em quase todos os trabalhos de Schnitzler. Sua internação em uma instituição psiquiátrica precipitou a desagregação da vida de Therese que é, afinal, o tema do romance. O irmão deixou a casa e foi residir em Viena. Therese iniciou então um inocente namoro com um colega de Karl, Alfred Nüllheim. Sua mãe, contudo, a encorajava a aceitar a corte do velho conde Benkheim que poderia proporcionar melhores condições à família. Therese repeliu a ideia. Logo, Alfred foi para Viena para estudar medicina prometendo casar-se com Therese depois da formatura. Nesse meio tempo, ela estava flertando com o tenente coronel Max. Perdeu a virgindade com ele e tornou-se sua amante. Saía de casa e retornava de madrugada ou na manhã seguinte, sendo que sua mãe era completamente indiferente a esse comportamento. Alfred acabou descobrindo e rompeu com Therese. Ela terminou o romance com Max e foi morar sozinha em Viena, onde pretendia trabalhar como preceptora. A mãe, que passou a se dedicar a escrever romances populares, não manifestou nada quando da quase fuga da filha.
Em Viena, Therese começou sua vida errante de preceptora, de casa em casa. Vivia completamente sozinha. Às vezes se aproximava de uma criada ou governanta de uma família próxima da de seus empregadores. Conheceu um homem, músico e pintor, chamado Kasimir Tobisch. Tornaram-se amantes e Therese engravidou. Pensou diversas vezes em abortar, mas não teve coragem. Tobisch, ao saber da gravidez, desapareceu. Teve o filho, um menino, na pensão da senhorita Nebling. Pensou em matar o filho na hora em que ele nasceu. Therese conseguiu uma família de camponeses em Enzbach, próximo a Viena, para cuidar do menino.
Ela voltou então à sua vida de preceptora. Em algumas casas passava mais tempo, em outras ficava poucos dias. Às vezes se afeiçoava às crianças, às vezes não. Testemunhava dramas familiares e histórias felizes. Quando tinha folga, visitava o pequeno Franz que crescia com a família Leutner. De tempos em tempos, envolvia-se com um homem. Em geral, entregava-se logo e o relacionamento não durava muito. De um de seus amantes, o Conselheiro Ministerial Bing, engravidou. Fez um aborto sem que ele soubesse. Reencontrou Alfred, agora médico psiquiatra. Depois um tempo, tornaram-se amantes. O relacionamento acabou e Alfred casou com outra moça.
Visitava, de vez em quando, a mãe e o irmão. O irmão era médico, mas seu interesse maior era a política. Estava engajado em uma partido nacionalista e antissemita. Em uma das casas em que trabalhou, se afeiçoou muito ao menino Robert, a ponto de sentir culpada por não sentir o mesmo pelo filho. Se apaixonou por um jovem estudante chamado Richard, que lhe foi apresentado pela amiga Sylvie. O rapaz se suicidou.
Franz, à medida em que crescia, apresentava um comportamento difícil. Therese acabou alugando um apartamento para morar com o menino e dar aulas particulares. Mas o menino, depois de alguns meses, não foi mais à escola. Passou a roubar-lhe dinheiro e a desaparecer de casa, até que um dia foi embora e não retornou mais. Entre as suas alunas, Therese se afeiçoou a Thilda. A moça a convidou para a sua casa e seu pai, o senhor Wohlschein, um abastado comerciante, pediu Therese em casamento. Thilda casou e foi morar na Holanda. Wohlschein faleceu subitamente.
Franz tornou-se um marginal. Era preso, saía de prisão, voltava a ser preso. Aparecia na casa de Therese ou mandava amigos até lá para pedir dinheiro. Muitas vezes a ameaçava. Numa das vezes chamou-a de prostituta e cobrou dela sua condição de filho bastardo. Em uma ocasião, querendo dinheiro e diante da negativa de Therese a atacou e a matou. Ela, antes de morrer disse a Alfred, que foi chamado, que o filho não era culpado, pois ela quase o matara quando ele nasceu.
A história de Therese me lembrou os quadros de Edward Hopper, especialmente The Hotel Room. É uma história sobre a solidão da vida contemporânea urbana. Durante milênios, os homens viveram em comunidades nas quais se relacionavam com as mesmas pessoas, familiares e vizinhos, por toda a vida. Os laços eram quase eternos. As cidades mudaram esse panorama, mas não muito até o século XIX. A disseminação da prestação de serviços criou esse mundo de laços fugidios ao qual estamos acostumados e que Schnitzler retratou de forma tão precisa em Crônica da vida de uma mulher. A vida de preceptora e de professora particular de Therese é essa vida estranha em que há uma enorme proximidade e intimidade com alguém e, algum tempo depois, essa pessoa desaparece para sempre. Quem trabalha em uma empresa ou repartição pública conhece isso muito bem. Não sei se Schnitzler desejou mostrar isso, mas foi o que mais me chamou atenção.
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The Hotel Room - Edward Hopper |
O autor, sem dúvida, quis explorar o tema da culpa. Therese se sentia culpada pelo nascimento bastardo do filho, por ter desejado a sua morte, por tê-lo deixado aos cuidados dos Leutner, por deixar, muitas vezes de visitá-lo para ficar com seus amantes, por amá-lo menos do que amou alguns de seus pupilos. E é essa culpa que ela expia com sua morte pelas mãos de Franz. Mas todas as mães, mesmo as mais exemplares, se sentem culpadas. Therese não leva em consideração que ela teve Franz, quando poderia tê-lo abortado, trabalhava para mantê-lo com uma família decente, levou ele para morar com ele quando pode, tolerou seus roubos e indisciplinas enquanto pode.
Marcelo Backes, o tradutor, sugere que a história de Therese poderia ser uma alegoria da decadência do Império Austro-Húngaro. Afinal, no início ela parecia ter um futuro promissor. Seu pai era militar, sua mãe era educada e ela teve a perspectiva de casar-se com o médico Alfred. E uma série de reveses a levam à decadência e morte. É uma possibilidade.
Marcelo Backes, o tradutor, sugere que a história de Therese poderia ser uma alegoria da decadência do Império Austro-Húngaro. Afinal, no início ela parecia ter um futuro promissor. Seu pai era militar, sua mãe era educada e ela teve a perspectiva de casar-se com o médico Alfred. E uma série de reveses a levam à decadência e morte. É uma possibilidade.
A narrativa, como todas de Schnitzler, é primorosa. Sem ter exatamente uma ação principal a desenvolver, o autor prende a atenção do leitor até o final.
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