terça-feira, 7 de junho de 2011

Vida e Destino - o homem


Vasily Grossman nasceu em em 1905 em Berdichev, na Ucrânia, cidade que tinha uma das maiores populações judaicas da Europa Central. Sua família pertencia à elite educada do local e era assimilada. Seus pais se separaram e Grossman chegou a morar entre 1910 e 1912 na Suíça, com sua mãe, Yekatarina Savelievna. Durante a guerra civil, sua família escapou de um grande massacre de judeus na Ucrânia, quando cerca de 150 mil foram assassinados.
Entre 1924 e 1929, estudou Química na Universidade de Moscou. Lá descobriu sua vocação literária, sem, todavia, nunca ter perdido o interesse pela ciência, daí fazer de um físico de seu alter ego em
Vida e Destino. Em 1928, casou-se com Anna Petrovna Matsuk-Galy com quem teve, em 1930, sua única filha Ekaterina. Depois da graduação, trabalhou como inspetor de segurança em uma mina e como professor de Química em um centro médico em Donbasss. Em 1934, publicou Na cidade de Berdichev, um conto, e Glyukauf, uma novela, que chamaram a atenção da crítica. Em 1937, Grossman foi admitido na União de Escritores Soviéticos e seu livro Stephan Kol’chugin foi indicado para o Prêmio Stálin.
Apesar dessas obras serem hoje identificadas com o realismo socialista, não foram consideradas tão ortodoxas na época. Gorki criticava Grossman por apresentar detalhes não palatáveis da realidade e Stálin retirou
Stephan Kol’chugin da lista do prêmio que levava seu nome, por considerar que o personagem principal simpatizava com os mencheviques. Existia um comprometimento de Grossman com a verdade, que em Vida e Destino, ele levou às últimas consequências.
Grossman também teve atitudes incomuns e corajosas, quando do grande terror da década de 1930. Em 1935, já separado de Anna, conheceu Olga Guber, cinco anos mais velha do que ele Em 1937, o ex marido de Olga foi preso e assassinado. No ano seguinte, quando Olga foi presa, ele adotou os dois filhos dela, que, caso contrário, seriam enviados para um campo para filhos de inimigos do povo. Grossman foi mais longe, escrevendo para Yezhov, o chefe do serviço secreto, declarando que Olga era agora sua esposa e nada mais tinha a ver com o ex-marido e deveria ser liberada, como de fato, ocorreu. Nessa ocasião, Grossman chegou a ser interrogado na sinistra prisão Lubianka, experiência vivida por Krymov em
Vida e Destino.
Grossman sempre teve interesse pelo exército. Com o início da guerra, se alistou como soldado comum, mas acabou servindo como correspondente do jornal
Krasnaya Zvesda. Ele cobriu batalhas importantes da defesa de Moscou à queda de Berlim. Seus artigos agradavam tanto soldados quanto oficiais.
Começou escrever seu cadernos de notas em agosto de 1941. E algumas das passagens desses cadernos, poderiam ter lhe custado a vida. Aparecem críticas a importantes comandantes e temas tabu como deserção e colaboração com os alemães, todas questões que aprecem em
Vida e Destino.
Ele conversou com um número enorme de pessoas. Tinha uma memória extraordinária, o que permitia que conversasse sem tomar notas, ganhando facilmente a confiança do ouvinte. Generais, franco-atiradores, pilotos de avião, soldados do batalhão penal, prisioneiros alemães, civis, todos conversavam com Grossman. Ortenberg, o editor chefe de
Krasnaya Zvesda, escreveu: “todos os correspondentes ligados ao front de Stalingrado ficaram impressionados como Grossman fez o comandante de divisão (...), um calado e reservado siberiano, conversar com ele por seis horas, (...), contando tudo o que ele queria saber, em um dos piores momentos”. Em uma ocasião, Grossman acompanhou o famoso franco-atirador Chekhov ao seu posto e o entrevistou enquanto ele matava alemães.
A morte da mãe em um massacre de judeus perpetrado pelos nazistas em Berdichev foi uma dor que Grossman carregou por toda a vida. Ele culpava a esposa, Olga Mikhailovna, que pouco antes da guerra não concordou em receber a sogra em Moscou. O episódio aparece retratado em
Vida e Destino com respeito ao alter ego de Grossman, o físico nuclear Victor Shturm. Uma das mais tocantes passagens do livro é a carta escrita por Anna Semyonovna, mãe de Victor, ao filho, do gueto, onde estava presa. Após a morte de Grossman, foi encontrado um envelope entre seus pertences com duas cartas para a mãe, uma escrita em 1950 e a outra em 1961, e duas fotos. A primeira foto mostrava Yeakaterina com Vasily ainda criança. A outra era uma foto tomada de um oficial nazista, com uma pilha de corpos de mulheres e meninas.
Em janeiro de 1943, pouco antes da queda de Stalingrado, Grossman foi substituído por Konstantin Simonov, o autor do famoso poema “Espere por mim”. Ele sentiu-se traído tendo de deixar a cidade naquele momento
Após, Grossman acompanhou o Exército Vermelho na libertação da Ucrânia, onde tomou conhecimento dos massacres dos judeus, bem como dos últimos dias de sua mãe. O conto
O Velho Professor o o artigo A Ucrânia sem judeus estão entre as primeiras manifestações escritas sobre holocausto. E o artigo O inferno de Treblinka escrito no final de 1944, foi o primeiro artigo escrito sobre os campos de concentração e foi utilizado como prova em Nuremberg.
O escritor descobriu algo incômodo para o regime stalinista: a recepção calorosa dos ucranianos ao exército nazista e sua ativa participação no massacre dos judeus. Isso tinha íntima relação com a terrível fome que assolou a região com as coletivizações da década de 1930. O governo espalhou na época boatos de que os judeus seriam responsáveis pela falta de comida.
Grossman foi o primeiro jornalista a documentar o início - os massacres na Ucrânia - e o fim - os campos de extermínio na Polônia - do holocausto. Em Treblinka, os alemães tentaram destruir os indícios da existência do campo. Grossman entrevistou camponeses e os quarenta sobreviventes, tentando reconstituir o funcionamento do campo. Ele estava se arriscando, uma que vez a política stalinista recomendava que se divulgasse que “todas as nacionalidades sofreram igualmente sob o nazismo”. Admitir que os judeus foram a maioria das vítimas, significava admitir a cumplicidade de alguns grupos, especialmente dos ucranianos, com os nazistas.
Entre 1943 e 1946, Grossman trabalhou com Ilya Eherenburg para o Comitê judaico anti-fascista no
Livro Negro, um documento a respeito dos massacres de judeus na União Soviética e na Polônia. Esse livro somente foi publicado em Israel em 1980.
Para Grossman se tratava de uma dívida sentimental. Ele não se identificava como judeu até que sua mãe morreu por ser judia. Estudar e divulgar o holocausto era uma forma de se reconciliar com as suas origens.
O movimento de Grossman em direção à dissidência foi gradual. Durante a guerra se mostrou totalmente destemido em relação à polícia política. Mas em 1952, na época da perseguição aos judeus, ele assinou uma carta que pedia punição aos médicos judeus supostamente envolvidos em um complô contra a vida de Stálin. A incoerência do escritor pode parecer surpreendente, mas fica muito mais clara nas páginas de
Vida e Destino, quando Victor assina uma carta desse tipo. Na década de 1950, Grossman teve algum sucesso de público. Foi condecorado com a Cruz Vermelha do Trabalho e conseguiu publicar Por uma causa. Nessa época estava escrevendo suas duas maiores obras, Tudo flui e Vida e Destino. Ambas foram publicadas na Rússia somente na década de 1980.
Grossman tentou publicar
Vida e Destino na década de 1960. A possibilidade de perder seu trabalho, levou-o à depressão. Mesmo assim não parou de trabalhar. Ele escreveu A Paz esteja contigo, um relato de uma viagem à Armênia. E dedicou-se a completar Tudo flui, um trabalho ainda mais crítico do que Vida e Destino. Parte ficção, parte reflexão, inclui um estudo sobre os campos, páginas eloquentes sobre a fome do início da década de 1930, um ataque a Lênin e uma reflexão sobre “a alma escrava” dos russos que ainda enfurece os nacionalistas.
Vassily Grossman, que nessa época, estava sofrendo de câncer do estômago, faleceu em 14 de setembro 1964, ao 59 anos, sem saber se seu maior trabalho seria um dia conhecido pelo público.

A maior parte das informações foram retiradas do prefácio de Life and Fate escrito por Robert Chandler. Os títulos dos livros foram traduzidos para o português por mim.

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