sexta-feira, 3 de junho de 2011

O Ateneu


Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. ‘Coragem para a luta’. Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico”.
Escrito em primeira pessoa, O Ateneu narra a experiência de Sérgio, alter ego do autor, que aos onze anos ingressou em um internato para continuar seus estudos. O Sérgio que narra é o adulto, o homem que recorda a experiência no Ateneu. Daí seu subtítulo irônico: Crônica de Saudades.
Não há uma história propriamente dita. Sérgio conta episódios dos dois anos em que estudou no internato com o intento de revelar a corrupção e a imoralidade do ambiente escolar. Inicialmente, ele procura relacionar-se de forma sincera com os colegas. Mas logo percebe que o Ateneu, por baixo das “carinhas sonsas, generosa mocidade” oculta um cruel estado de natureza no qual os fortes dominam os fracos. E estar no polo da fraqueza significa atrair um protetor. E a proteção é paga com a submissão sexual: “Os gênios fazem aqui dois sexos, como se fosse uma uma escola mista. Os rapazes tímidos, ingênuos, sem sangue são impelidos para o sexo da fraqueza; são dominados, festejados, pervertidos como meninas aos desamparo (...) Faça-se homem, meu amigo! Comece por não admitir protetores“. O conselho de Rebelo foi inicialmente seguido por Sérgio. Ele repeliu Sanches, mas depois estabeleceu relações ambíguas com Bento Alves e Egbert: “Perdeu-se a lição viril de Rebelo; prescindir de protetores. Eu desejei um protetor, alguém que me valesse naquele meio hostil e desconhecido, e um valimento direito mais forte do que palavra (...). Pouco a pouco me ia invadindo a efeminação mórbida das escolas.”
O diretor da escola, Aristarco, por baixo de uma falsa retidão moral, é um homem vaidoso que dirige o estabelecimento de forma mercantil. Os alunos mais ricos são bem tratados, têm regalias, aos passo que os cujos pais atrasam as mensalidades são perseguidos e admoestados. Os poucos bolsistas, existentes para fazer média com o governo e com a sociedade, são tratados com desprezo.
É tristíssima a história de Franco. Filho de um desembargador que mora em outro estado foi praticamente abandonado pela família no Ateneu. Frágil e mau aluno, é sempre castigado. Frequentemente se vinga dos colegas de forma perversa. Acaba por adoecer e morrer sozinho num dos dormitórios frios da instituição.

No segundo ano de internato, Sérgio estabelece relação com Ema, a esposa de Aristarco, que cuida dele quando ele adoece. É período de férias e o colégio está quase vazio. Seus cuidados, inicialmente maternais, aos poucos revelam-se sensuais e erotizados. Ou seja, ninguém escapa do ambiente de perversão e corrupção. Nem Sérgio: “tornei-me um animalzinho ruim”.
No final o Ateneu se incendeia. Presume-se que um aluno, que estava lá obrigado pela família, perpetrou o desastre. O incêndio é desnecessário para a narrativa. Funciona com uma espécie de catarse, de purificação de todos os males do internato.
O estilo de Pompéia é rebuscado e complexo, em muitas passagens, artificial. Sérgio reproduz palestras inteiras de seus professores do Ateneu. Alguns desses trechos são um tanto enfadonhos. O dicionário é imprescindível para a leitura. Mas o esforço é bem recompensado.
Raul Pompéia, quando criança, estudou no colégio Abílio, no Rio de Janeiro, por cinco anos. Foi uma experiência sinistra, que ele imortalizou em O Ateneu. Era um homem atormentado. Suicidou-se no dia 25 de dezembro de 1895.
Eu li O Ateneu quando estava no segundo grau (ensino médio). Agora ouvi em audiolivro. Mas tive que recorrer ao texto muitas vezes em virtude do vocabulário.

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